O sindicalismo diante do fim do pleno emprego
Por Jose Candela | Tradução de Fernando Lima das Neves
| A Terra é Redonda
Os sindicatos não contemplam que a crise financeira se combina com a corrente subterrânea das mudanças tecnológicas, empurrando toda a sociedade para uma nova economia
“Se se emitem normas trabalhistas adequadas (…). Se as leis forem efetivamente aplicadas. Se são reforçadas as opções dos trabalhadores (…). Se a negociação coletiva for reconstruída. Todas estas políticas não apenas restabelecerão a equidade econômica, mas revitalizarão também a participação cívica e a democracia e fomentarão a liberdade no local de trabalho e para além dele”. (Lawrence Mishel, 2020)
Entre 1973 e 1975, o ciclo dourado do capitalismo ocidental do pós-guerra e o pacto corporativo sindical entravam em crise. O endividamento da economia dirigente, gerado pela Guerra do Vietnã, provocou uma inflação generalizada nos estados capitalistas e o fim do sistema de trocas de Bretton Woods. Surgiram novas fórmulas de organização do trabalho, baseadas na qualidade e no trabalho em grupo[i], que a informática, com a colaboração de programas de gestão de informação em massa, facilitou; ao mesmo tempo que a externalização das unidades de produção abriu o mercado de trabalho à concorrência global. As economias de planificação estatal desapareceram com o desmantelamento do bloco soviético, e o neoliberalismo estendeu-se ao conjunto dos governos. Os sindicatos nacionais, colocados na defensiva, deixaram de defender as condições de trabalho para concentrarem-se na defesa do emprego, e os estados competiram para atrair investimentos e mitigar a destruição de empregos, recorrendo ao dumping fiscal e social[ii]. Seguiram-se as crises na Escandinávia, Ásia Oriental, Rússia, Japão, que entrou numa recessão secular, e de Wall Street surgiu a crise financeira internacional de 2007.
Alarmados pela crise financeira de 2007, a Organização Internacional do Trabalho e a Rede Global de Pesquisa Sindical organizaram um seminário sobre “Sindicalismo e as crises econômicas de ontem e de hoje: lições para um futuro justo e sustentável”. Os trabalhos, encomendados a especialistas próximos, ou colaboradores das principais centrais sindicais dos países que tinham sofrido com as crises no final do século, e dos EUA, como epicentro do primeiro grande terremoto financeiro do século XXI, mostraram, um após outro, como a globalização financeira tem um “impacto fundamental, não apenas nas políticas macroeconômicas, mas também nas instituições do mercado de trabalho, e, consequentemente, na determinação dos salários”. Mas mostraram também que os sindicatos não tinham conseguido identificar a relação entre, por um lado, o desaparecimento das políticas de pleno emprego e, por outro, o pós-fordismo e a globalização[iii].
Experiências diferentes, problemas semelhantes
O encontro de 2010 mostra as diferentes respostas neoliberais dadas pelos governos, da Suécia à Coreia, passando pelo Japão, às situações de desemprego e deslocalização de atividades, geradas pelas diferentes crises financeiras ocorridas de 1989 a 2007[iv]. Uma das conclusões mais relevantes do seminário, embora sua implicação siga sem ser observada depois de 10 anos, é que “os casos analisados sublinharam a necessidade do sindicalismo ter aliados políticos confiáveis, a fim de poder apresentar uma nova perspectiva econômica”. Mostram também a necessidade de coalizões sindicais entre as nações, porque a solidariedade e também os interesses a médio prazo sugerem “programas regidos pelos salários que dificilmente serão compatíveis com as políticas de empobrecimento do vizinho”. Esta questão está em desacordo com as políticas de austeridade promovidas pela União Europeia, sem protesto da social-democracia dos parceiros ricos, contra os parceiros pobres do sul. “É de temer que políticas de enfoque nacional produzam resultados imperfeitos, que serão piores em todos os casos, e com consequências graves e incertas para a coesão social”.
Mas os relatórios da “Rede Sindical” não se limitam apenas às manifestações externas, financeiras, da crise do sistema produtivo. O representante da CIO norte-americana[v] fala da generalização do Taylorismo que, juntamente com as medidas reguladoras do New Deal e a reforma progressista da tributação da renda, empresarial e pessoal, significou o início da mais longa fase de prosperidade, e com maior igualdade social, do capitalismo desenvolvido. Elevou-se, assim, a condição cidadã dos trabalhadores, pela extensão do sindicalismo industrial, inclusivo e de negociação, pactuado com a ala liberal do Partido Democrata, e com a social-democracia europeia, para promover um keynesianismo de intervenção estatal na economia de mercado. O exemplo da CIO indica, como aconteceu na Suécia[vi], que, face às grandes mudanças tecnológicas, a única resposta eficaz é ser proativo, aceitar a tecnologia e negociar sua implementação. Em suma, fazer que a igualdade de oportunidades, condição essencial para uma democracia avançada, penetre nas empresas.
O sindicalismo coreano, contudo, vindo de uma ordem social e política patriarcal e autoritária, estava consciente da correlação entre a crise financeira, as receitas do FMI, a globalização financeira e as mudanças revolucionárias no modelo tecnológico[vii]. Após a recuperação em V de 1993, seus esforços concentraram-se na implementação de sistemas de negociação coletiva, que evitaram as ilhas tecnológicas avançadas, e deixaram para trás um ambiente de empresas com trabalho inseguro e mal pago. Não conseguiram impedir o avanço do trabalho flexível nos conglomerados onde reinava o paternalismo, mas construíram um sindicalismo mais geral, com a capacidade de negociar com os governos. Em 2003, os sindicatos do setor metalúrgico, hospitalar e financeiro conquistaram acordos setoriais centralizados. Mas “as questões mais importantes são decididas numa negociação no âmbito da empresa”. A razão, como na Suécia e na Alemanha, é que os trabalhadores mais bem pagos não querem ser arrastados para negociações direcionadas ao rebaixamento.
Um caso muito diferente é o japonês, onde a crise de estagnação é o resultado do êxito exportador do país. A primeira providência sindical foi seu envolvimento nas falências de empresas[viii]. Entre 1985 e 1995, os sindicalistas japoneses sofreram o calvário da aprendizagem nas comissões legislativas, onde tinham que se proteger abandonando suas posições, para não serem absorvidos pela avalanche de dados e papelada dos peritos do governo e patronais coligados, contra o que consideravam uma intromissão dos trabalhadores no terreno blindado dos profissionais da administração e das finanças. Nesse período, o Japão incorporou o trabalho temporário subcontratado, as demissões decorrentes de avanços tecnológicos e os sindicatos, até então por empresa, descobriram que, no país do emprego vitalício, metade dos assalariados, aqueles que não pertenciam aos grandes conglomerados monopolistas, não desfrutava de empregos regulares e estáveis. A RENGO viu-se confrontada com a tarefa de construir uma estrutura sindical por indústrias e abandonar, na medida do possível, a estrutura tradicional dos sindicatos por empresa. No ano 2000, a taxa de trabalhadores estáveis tinha diminuído 5%, e entre 2000 e 2005, a queda foi de 9%. Os trabalhadores temporários tinham passado dos 8,9 milhões em 1991 para 17 milhões em 2007. Deve-se constar que os trabalhadores eventuais do Japão não desfrutam de um percentual significativo dos benefícios da seguridade social de que gozam os trabalhadores regulares. As mudanças resultaram num aumento significativo da desigualdade econômica. Embora a estagnação do mercado imobiliário tenha tornado a habitação significativamente mais barata (mais de 50% de queda no preço), isso só repercute nos bolsos dos trabalhadores que não tinham caído nas redes da bolha de 1985-94. Como em todas as crises imobiliárias e financeiras, houve aumento no desemprego de 3 pontos percentuais e na incerteza laboral. Além disso, o endividamento do governo, próximo dos 200%, limitava extremamente as possibilidades dos sindicatos negociarem políticas sociais[ix].
Um programa sindical global, em cada nação-estado, para enfrentar a crise
Como afirma Frank Hoffer, diretor de pesquisa do escritório da OIT, “até o momento, a falência do antigo regime econômico não se traduziu em nenhuma mudança fundamental de política”. Os sindicatos são levados, pelas necessidades imediatas dos trabalhadores, a fazer concessões salariais, na esperança de salvar postos de trabalho, mas não impedem a perda de empregos e os trabalhadores desmobilizam-se. “Num tal ambiente, o mais provável é que haja uma diminuição na filiação sindical e, portanto, de sua influência”[x]. Hoffer enfatiza que a crise de 2007 é diferente das vividas pela Suécia, Coreia ou Japão, porque é global. Tal como em 1929, exige uma intervenção enérgica e concertada dos estados. Mas os estados resgatam bancos e não ajudam os trabalhadores. As próprias instituições financeiras, que, em uma semana, acorreram ao Congresso dos EUA para pedir 700 bilhões de dólares, especularam contra os governos, que se endividaram para ajudar não as suas populações, mas os bancos. A crise, em vez de paralisar os processos em curso, agrava a financeirização da economia produtiva. “A elevada taxa de lucro na indústria financeira exige que a economia real produza resultados similares para os acionistas. Os lucros financeiros da economia de bolha tornam-se a referência da economia real”, estimulando a desigualdade e transferindo a carga tributária para os trabalhadores e os consumidores. O consumo é sustentado pelo endividamento das famílias. O investimento real é deslocado pela concorrência dos lucros cambiais, que criam uma rotação virtual de investimentos em produtos financeiros. Uma bolha de crédito em circulação, até a próxima crise[xi].
Os sindicatos não contemplam que a crise financeira se combina com a corrente subterrânea das mudanças tecnológicas, que, sob os conceitos neoclássicos e o keynesianismo da demanda agregada efetiva, está empurrando toda a sociedade para uma nova economia. Um capitalismo inédito que terá muita dificuldade em alcançar a coesão social necessária para construir uma sociedade em que a democracia funcione. Reconhecem que “o mundo dos negócios está libertando-se das regulações nacionais e projetando-se à escala global, alcançando uma posição confortável que lhe permite pressionar governos e trabalhadores com vistas a obter ainda mais vantagens”[xii]. Debaixo de nossos olhos, estão ocorrendo mudanças, combinadas, da organização do trabalho e das próprias cadeias de produção. Estas abriram caminho à automatização, que, sob a hegemonia do capital financeiro, se tornou um instrumento (arma de destruição em massa) de empregos, contra o qual o velho sindicalismo corporativo é impotente. Face ao capital, que tem uma estratégia política de supressão de regulamentos e regras e conseguiu deslocar a negociação laboral para o nível da empresa, a lógica da concorrência impõe-se nas negociações sindicais sobre a lógica da solidariedade. Porque, devido à globalização, o keynesianismo deixa de funcionar e os sindicatos, sem atrair a vontade dos governos, sem poder global, transformam a negociação coletiva num exercício de resistência sitiada, que acaba procurando um lugar para a sobrevivência da empresa na competição global.
Encurralados, só podem negociar acordos para sua retirada. As lutas passadas do carvão, siderurgia ou construção naval são exemplos suficientes para ilustrar a necessidade de procurar outra estratégia de negociação. Porque “a lógica de sobrevivência das empresas significa que sem regulamentação em nível macro, será impossível manter os níveis salariais”, que só são viáveis “se os níveis de demanda agregada também puderem ser mantidos”. Tudo indica que os sindicatos devem politizar a situação se quiserem ter um futuro para o nível de vida dos trabalhadores[xiii]. Se aceitarem o convite do governo para o acordo, sem uma política própria, arriscam-se a certificar com sua presença os sucessivos cortes no bem-estar; porque sua esperança de aliviar maiores danos, esperando uma saída da crise que relance o emprego e lhes permita negociar a partir de melhores posições, é ilusória. Porque não se trata apenas de uma crise financeira. O investimento cria menos emprego do que destrói, porque estamos entrando numa nova era de relação tecnológica com o emprego.
Após quarenta anos de desigualdade crescente e de transferência da carga tributária dos estados para os rendimentos salariais, as sociedades avançadas têm permitido o enfraquecimento dos estados, que são cada vez mais incapazes de garantir o bem-estar, a menos que alterem seus sistemas fiscais em nível global e recuperem a progressividade e a tributação da riqueza. Pela mesma razão, o investimento industrial não pode competir com as finanças globais de casino, como já foi dito, o que aumenta as expectativas de lucro para os fundos acumulados pelas grandes fortunas. Como diz Frank Hoffer, “o mundo do trabalho e as forças progressistas na sociedade enfrentam o desafio fundamental de propor um programa integral para uma mudança realista”, e essa mudança deve ser sustentada por um aumento da proporção dos salários na renda social, controle dos bancos e o regresso à tributação progressiva, “ou aceitar que o custo desta crise será suportado pelo cidadão comum”[xiv].
Em 2009, a Organização Internacional do Trabalho propôs um Pacto Mundial para o Emprego. Para os países avançados, procurou garantias para a substituição da participação dos salários no PIB e para a reparação das imperfeições nos sistemas de seguridade social. Para os países em desenvolvimento, a criação e ampliação dos sistemas de seguridade social e de aposentadorias. Mas, como Hoffer argumenta, tal agenda é ilusória sem empreender uma reforma profunda do sistema financeiro global. Para isso, os sindicatos devem ser concebidos de modo a serem a dobradiça de uma aliança política global de forças progressistas para a mudança democrática. Começando pelas alianças necessárias nos próprios países, e na União Europeia, como centro global a partir do qual é possível a expansão de uma cultura de direitos humanos e coesão social. O objetivo é democratizar a economia, começando pela sua instituição central, a empresa capitalista, para a qual é necessária legislação que encoraje a cogestão dos trabalhadores e dos acionistas.”
Fonte: A Terra é Redonda
Publicado originalmente no blog Economistas frente a la crisis.
Data original da publicação: 22/03/2021