Os impactos dos cortes na educação sobre o mundo do trabalho e a ciência
Por Centro Acadêmico de Direito da UnB e Associação Brasileira de Estudos do Trabalho
No dia 28 de novembro de 2022, as Universidades e Institutos Federais foram surpreendidas com o congelamento de R$ 366 milhões de reais, realizado pelo Governo Federal, enquanto o Brasil assistia à Copa do Mundo. Em decorrência da pressão da opinião pública, o valor foi liberado, no dia 1º de dezembro de 2022, mesma data em que, após o recuo, por meio do Decreto 11.269, o Governo Federal zerou o limite de pagamento das despesas discricionárias. Esses não foram os únicos ataques ao orçamento da educação pública ao longo do ano. Ainda em junho de 2022, o Governo promoveu um corte de R$ 1,6 bilhões na pasta da educação, de sorte que o montante retirado das universidades e institutos federais foi de R$ 438 milhões. Em outubro deste ano, houve ainda um bloqueio temporário de R$ 328,5 milhões das quantias destinadas às Universidades e aos Institutos, que foi liberada posteriormente.
Essa última investida, todavia, deixa as Universidades e Institutos Federais num cenário insustentável, sem recursos para pagar bolsas de pesquisa e assistência estudantil, contas de luz, água, contratos dos restaurantes universitários, da segurança, de manutenção, de limpeza e todas as outras despesas previstas para o mês de dezembro. Na prática, o assalto às contas ameaça a permanência de estudantes, a continuidade das pesquisas e a manutenção de serviços essenciais para o funcionamento destas Instituições de Ensino, comprometendo decisivamente a educação superior.
Além disso, os cortes incidem de forma especialmente gravosa sobre o conjunto mais vulnerável no contexto das Universidade: trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas. Estes, em função da natureza das suas atividades, muitas das quais invisibilizadas e desvalorizadas socialmente, bem como em razão da forma de contratação terceirizada, tem suportado péssimas condições de trabalho, jornadas exaustivas, atraso na fruição de férias, baixos salários, recorrentes inadimplementos por parte das empresas terceirizadas e dispensas coletivas nos contextos de sucessão de contratos administrativos. Diante dos cortes, a iminência de calote por parte das Universidades em relação aos contratos de prestação de serviços terceirizados significa a supressão dos salários, acarretando desespero e insegurança, inclusive alimentar, entre esses trabalhadores e trabalhadoras e suas respectivas famílias.
Em regra, os trabalhadores terceirizados respondem pelas atividades de manutenção das entidades, como segurança, limpeza, manutenção, informática e alimentação. Trata-se de serviços indispensáveis para que as Instituições de Ensino Superior funcionem regularmente. Além disso, a terceirização é um elemento que fragiliza a organização coletiva desses trabalhadores, reduzindo ou eliminando as possibilidades de disputa e resistência frente aos arroubos salariais.
A terceirização do trabalho no serviço público segue a racionalidade neoliberal, afastando o Estado do seu dever de garantir o bem-estar social e o aproximando da lógica concorrencial. Sob a justificativa da otimização dos serviços e da redução de gastos, a terceirização não inclui na equação os efeitos da precarização, com baixa remuneração, alta rotatividade e opressões no ambiente de trabalho.
Na mesma linha, o corte de despesas atinge também de maneira acentuada os/as estudantes beneficiários da assistência estudantil, que, além de não receberem os auxílios financeiros, veem colocados em risco os serviços de acolhida e permanência oferecidos pela universidade, como alimentação e moradia.
Ainda em consequência da redução orçamentária, é importante considerar a condição dos pesquisadores bolsistas, que se comprometem a não estabelece vínculos empregatícios enquanto beneficiários das bolsas e demandam, cada vez mais, atenção quanto ao seu lugar no mundo do trabalho. Vale registrar que os bolsistas de doutorado e mestrado da CAPES estão com suas bolsas, cujo valor já se encontrava muito defasado para o seu nível de qualificação, atrasadas e sem previsão de pagamento, o que coloca esse grupo também em situação de inviabilidade do sustento e insegurança.
Dessa forma, é evidente que a gestão financeira promovida pelo governo federal não convive com o projeto de sociedade a que buscamos, no sentido da valorização social da educação, do trabalho e da ciência. O sacrifício social não será aceito como solução ao enfrentamento da crise fiscal.
A Constituição Federal de 1988 representa um novo paradigma na proteção social do trabalho – frutos da árdua luta de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. O projeto político que fracassou nas urnas e que, entretanto, ainda nos causa prejuízos severos, nos conduz ao ápice do processo de “desconstitucionalização” dos direitos sociais, que têm sua efetividade corroída diante o avanço neoliberal das políticas de austeridade.
A defesa de um projeto democrático, inclusivo e solidário para a educação e para o trabalho é incompatível com as diretrizes políticas impostas pelo atual governo. Registramos nosso repúdio a esses sucessivos ataques contra as universidades e clamamos pela valorização da educação, da ciência e do trabalho digno.
Assinam a nota:
CENTRO ACADÊMICO DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (CADir-UnB)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO TRABALHO (ABET)