Papa Francisco, Direito do Trabalho e o STF na contramão da história

Créditos da imagem: Fellipe Sampaio/STF
Por Cássio Casagrande, Rodrigo Carelli | Jota Info em 23/04/2025
Ministros do Supremo se mostram indiferentes aos direitos humanos no local de trabalho
O passamento do papa Francisco na última segunda-feira (21) comoveu o mundo cristão. Após um esforço tremendo para abençoar os fiéis no domingo de Páscoa, o Sumo Pontífice findou de forma tocante sua magnífica missão de paz e esperança na Terra.
A melhor forma de honrar sua memória é refletir sobre os seus ensinamentos, por palavras e atos. Jorge Bergoglio, em sua missão apostólica, sempre defendeu os direitos da classe trabalhadora.
O papa Francisco nunca deixou de se posicionar sobre os contratos precários de trabalho. Sem meias palavras, dizia que, sem a proteção dos trabalhadores, a sociedade ficaria cada vez mais escrava do descarte. Afirmava que contratos precários, inadequados e muitas vezes escravizantes, desumanizam, formando parte das paredes de um labirinto composto também pela baixa proteção e baixos rendimentos.
Segundo Sua Santidade, a pessoa humana, tratada como máquina e logo descartada, era central nesse quadro que chamava de areia movediça da precariedade. Dizia o papa: É o trabalho “mercantilizado”, que cresce em nosso contexto, dominado por um mercado que se torna cada vez mais acelerado e complexo para ser competitivo.
Afirmava que não há sindicatos sem trabalhadores e trabalhadores verdadeiramente livres sem sindicatos (encontro com líderes sindicais no Vaticano em 2017). Sempre denunciava a absurda quantidade de acidentes no trabalho e a desigualdade laboral da mulher. Quanto a esta, em discurso à União Cristã de Empresários dirigentes, em outubro de 2015, Francisco lembrou da necessidade de proteger o emprego das mulheres grávidas, bem como as consequências da dupla jornada.
O papa pregava justamente contra o que está sendo gestado no STF, que é a prevalência de contratos precários, com a destruição da proteção social e dos sindicatos e a desumanização total do trabalho, aumento de acidentes e aumento das desigualdades, inclusive de gênero, com perda das proteções à maternidade da mulher trabalhadora.
Basta refletirmos sobre as consequências da liberação da pejotização ampla e irrestrita, tal como está sendo proposta pelo ministro Gilmar Mendes na Repercussão Geral 1389. Ao contrário do que muitos imaginam, os contratos de trabalho disfarçados de “prestação de serviços por microempreendedor individual” não vão alcançar apenas médicos, arquitetos, jornalistas e advogados de altos salários. Nos termos em que está posta, a pejotização permitirá a contratação de trabalho sem direitos trabalhistas para qualquer trabalhador, tanto que o ministro Gilmar inclui expressamente os “entregadores” na decisão.
E isso já está ocorrendo na prática: cuidadores de idosos, vendedores de loja, professores de colégios, técnicos de informática, enfermeiros, trabalhadores da construção civil, entre tantas outras categorias, estão tendo seus contratos CLT trocados por PJ, pois “o Supremo garante”.
Isso para não falar da violência institucional que é a proposta bizarra de Gilmar de proibir que esses trabalhadores possam questionar contratos simulados na Justiça do Trabalho. Esses trabalhadores estão sendo excluídos dos direitos trabalhistas mínimos, como proteção contra despedimento, limite de jornada, direito de sindicalização e garantias à maternidade. Será que essas decisões do Supremo seriam abençoadas pelo papa que nos deixou?
Em visita pastoral que realizou à cidade de Gênova em 2017, o papa Francisco reiterou que o trabalho é uma prioridade humana: “É uma prioridade cristã, nossa, e inclusive uma prioridade do papa. Porque se origina daquele primeiro mandamento que Deus deu a Adão: ‘Vai, faz crescer a terra, trabalha a terra, domina-a’. Sempre houve uma amizade entre a Igreja e o trabalho, a partir de Jesus trabalhador. Onde houver um trabalhador ali estarão o interesse e o olhar de amor do Senhor e da Igreja. Penso que isto é claro”.
As decisões que o STF têm proferido recentemente em matéria trabalhista, favorecendo a selvageria e a precarização do trabalho, são tudo, menos cristãs. Mas ainda há tempo para a redenção dos pecados.
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