“Pejotização” e a reforma trabalhista: ainda uma prática fraudulenta – Por Maurício Ferreira Brito

Imagem: Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e Tocantins

Número de microempreendedores individuais cresceu 14,4% em fevereiro, em comparação ao ano de 2017

Um dos temas sempre modernos do cotidiano de um profissional do Direito atuante na área trabalhista é o da “pejotização”, notadamente após a reforma trabalhista e a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF sobre licitude da terceirização[1].

Antes de se aprofundar o estudo sobre a fraude relacionada à “pejotização”, imperioso faz-se rememorar os requisitos (ou elementos fático-jurídicos) necessários à caracterização da relação de emprego.

Ei-los:

  1. a) pessoa física – o empregado, necessariamente, é pessoa física, haja vista que a energia do trabalho é indissociável do ser humano. Desta forma, a pessoa jurídica jamais poderá ser empregada. Admite-se, contudo, que uma pessoa jurídica seja prestadora de serviços. Esse elemento é crucial ao se investigar a “pejotização”;
  2. b) pessoalidade – a relação de emprego é “intuito personae” em relação ao empregado. Quando um empregador contrata um trabalhador, ele escolhe aquela pessoa, de forma específica, para exercer a atividade. O empregado, portanto, não pode ser substituído por outrem, salvo em casos eventuais e com autorização do empregador;
  3. c) onerosidade – ambas as partes, na relação de emprego, assumem ônus. O empregado busca como contraprestação o salário e o empregador despende seu capital para receber a força de trabalho do empregado. Na relação de trabalho, por exemplo, se aceita o trabalho voluntário – que não é relação de emprego;
  4. d) não-eventualidade – algumas teorias tentam explicar essa não-eventualidade: i) continuidade – trabalho sem interrupção, mais forte que o habitual, de segunda a sábado; ii) evento – é aquele trabalho que não tem previsão de que vá se repetir de maneira ordinária; iii) inserção nos fins do empreendimento – o trabalho é engajado nas atividades ordinárias, corriqueiras, da empresa, sem se fazer a distinção se é atividade fim ou meio; iv) fixação jurídica – o empregado é juridicamente fixado ao empregado. Para a caracterização da não-eventualidade as 03 (três) últimas teorias são, muitas vezes, conjugadas;
  5. e) subordinação jurídica – o empregado disponibiliza sua energia de trabalho ao empregador para que ele dê ordens e desenvolva a sua atividade empresarial. Não é uma subordinação pessoal, mas sim com relação à forma de trabalhar, de como o trabalho será feito, ou seja, subordinação direta e objetiva. Não se trata, destarte, de subordinação econômica, pois o empregado também pode ter outras fontes de renda. A subordinação também não é sempre técnica, porquanto o empregado já deve apresentar o conhecimento antes da celebração do vínculo, como regra. Ressalte-se que ante a complexidade das relações de trabalho hoje se tem difundido cada vez mais o conceito de subordinação estrutural pela inserção do trabalhador na estrutura e dinâmica da tomadora de serviços, ainda que não haja a subordinação direta e objetiva.

Os requisitos ou elementos fático-jurídicos acima elencados, caso constatados em uma relação jurídica, configuram uma relação de emprego, de forma cogente – isso não foi modificado pela reforma trabalhista nem pelo STF.

Contidos os elementos fático-jurídicos em uma relação de trabalho, ante o princípio do contrato realidade, caracterizado estará o contrato de trabalho e a relação de emprego, com todos os seus institutos correlatos.

Portanto, o empregador, ao manter uma relação com uma empresa para uma locação de serviços ou de obra, não poderá fazer constar esses elementos no vínculo, sob pena de restar caracterizada uma relação de emprego, travestida de outra etimologia, caso típico de fraude. Ainda que exista um instrumento contratual denominando o vínculo de “prestação de serviços”, ante o aspecto do “contrato-realidade”, será assinalada a relação de emprego.

E qual seria a vantagem, para o empregador, da “pejotização”?

Ao alijar a relação de emprego, o patrão deixa de anotar a carteira de trabalho, recolher INSS, FGTS, não precisa pagar férias, décimo-terceiro salário, reflexos, não é obrigado a conceder aviso prévio, etc.

Muitas vezes a empresa, ao admitir o trabalhador, oferece (ou impõe) a criação de uma empresa, em geral de responsabilidade limitada, a qual é contratada para realização de serviços pessoais pelo trabalhador. É fraude comezinha, que, às vezes, até atrai o trabalhador com salário mediano, à medida que a carga tributária da pessoa jurídica é bem menos onerosa que a correspondente da pessoa física.

Ocorre que os profissionais que possuem altos salários e têm interesse nesse tipo de vínculo, ao estimular e fomentar a “pejotização”, acabam por penalizar toda uma categoria e também precarizar as relações de trabalho.

Não obstante, frise-se: preenchidos os elementos fático-jurídicos, caracterizada estará a relação de emprego.

E mais: nem a reforma trabalhista, tampouco a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre terceirização, modificaram essa perspectiva.

O advogado Marcelo Mascaro Nascimento, sócio do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista, em artigo publicado na Exame[2], sob o título “A reforma trabalhista liberou geral a pejotização?” foi uníssono ao afirmar que: “(…) na grande maioria dos casos, essa prática é considerada uma  fraude e a reforma trabalhista não mudou isso. É importante lembrar que é considerado “empregado” o trabalhador que presta o serviço de forma habitual, com o recebimento de um salário, sem poder se fazer substituir por outro trabalhador e mediante subordinação, o que significa que ele tem seu trabalho dirigido pelo empregador. Assim, se o trabalhador presta o serviço com a presença de todos esses elementos, ele será um empregado, ainda que formalmente tenha sido contratado na forma de PJ”.

A Folha de São Paulo, por sua vez, publicou em setembro de 2018 que “Após decisão do Supremo, empresas confundem terceirizados com PJs”[3], ilustrando relatos de advogados sobre grande volume de interessados em saber acerca da possibilidade de dispensar trabalhadores celetistas e contratá-los na sequência como PJs (pessoas jurídicas).

A dispensa de empregados para contratação dessas mesmas pessoas, em idênticas condições, no entanto como pessoas jurídicas, não mais como empregados, configura nítida burla à relação de emprego, e não uma prática lícita. Referida prática, ou até mesmo a “pejotização”, sequer foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Em abril de 2018, a Agência Brasil divulgou notícia segundo a qual o número de microempreendedores individuais cresceu 14,4% em fevereiro, em comparação ao ano de 2017. Uma consulta mais recente ao Portal do Empreendedor[4] revela a existência de 7.675.461 empresas optantes do Sistema Micro Empreendedor Individual.

Percebe-se, pelos dados trazidos, o crescente número de micro-empreendedores; para além dos números levantados, o próprio convívio social evidencia o crescimento da quantidade de pessoas jurídicas. Não se pode, todavia, chancelar que relações típicas de emprego vistam o manto de pessoa jurídica, pois a atividade foi e continua sendo uma fraude.

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[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388429

[2] https://exame.abril.com.br/[carreira/a-reforma-trabalhista-liberou-geral-a-pejotizacao/

[3] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/09/apos-decisao-do-supremo-empresas-confundem-terceirizados-com-pjs.shtml

[4] http://www.portaldoempreendedor.gov.br/estatisticas

*Maurício Ferreira Brito é Doutorando em Direito pela UnB. Membro dos Grupos de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania” e do “Grupo de Estudos em Direito Internacional Privado, do Comércio Internacional e Direitos Humanos” (UnB- CNPq). Mestre e especialista em Direito. Procurador do Trabalho.

Fonte: Jota

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