Pesquisadoras discutem igualdade de gênero e raça na ciência

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Por FUNDACENTRO

As mulheres na ciência desempenham um papel fundamental na construção de uma sociedade plural e equitativa. A presença das mulheres traz perspectivas únicas, promove a diversidade de ideias e contribui para a excelência científica, o que é relevante para incentivar meninas e mulheres na carreira.

Ao longo da história, seja por conta da cultura ou de leis, as mulheres foram impedidas de participar da produção científica, assim como de ingressarem em instituições de ensino. Ainda assim, elas lutaram contra essas exclusões e se destacaram nas ciências exatas, médicas, filosóficas e sociais.

A socióloga Mirlene Fátima Simões, do Instituto Angelim, apresenta a Conferência Temática “Mais Meninas e Mulheres nas Ciências”, que discute a equidade de gênero no âmbito científico. “Este evento é uma oportunidade de oferecer propostas de políticas públicas”. De acordo com o boletim INCT Caleidoscópio de 2023, as mulheres ocupam 51,8% das bolsas de iniciação científica, enquanto os homens representam 38,23%. Em contrapartida, as mulheres têm 15,87% das bolsas de produtividade, já os homens, 30,22%.

A bolsa de produtividade é importante porque ajuda os (as) pesquisadores (as) a produzirem mais pesquisa científica e a publicar artigos. Mirlene aponta que as mulheres têm perdido espaço nas estatísticas relacionadas às ciências, e o “efeito tesoura” surge quando se questiona a classe, a raça e a maternidade.

“Quando uma mulher se torna mãe e retorna, ela não consegue retornar facilmente para o sistema”, explica. Completa que as pesquisadoras, ao solicitarem licença-maternidade, correm o risco de perder a bolsa de produtividade.

“Não apenas um problema na progressão do trabalho que temos dentro da universidade, que começa na iniciação científica, mas também um efeito radical que tem sido tratado nesse ambiente de pesquisa do Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT”, informa.

Segundo a pesquisadora, apenas 35,6% das mulheres concorreram a bolsas de produtividade em pesquisa no país, totalizando 16.108. “Quanto mais altos os níveis hierárquicos na academia, o percentual de mulheres diminui”, ressalta.

O Projeto Mulheres na Ciência em São Carlos teve início em 2020, quando mulheres cientistas relatam a sua trajetória e história. “Esse trabalho é importante para sensibilizar as novas gerações de que este espaço também é de trabalho para as mulheres”. A iniciativa demonstra às universitárias e, principalmente, a rede de ensino médio, que elas podem ocupar o espaço.

O produto resultou em um livro e um vídeo, que retratam a memória de mulheres em diferentes áreas do conhecimento. Essas mulheres são: professora Petronília Gonçalves e Silva; professora Maria Moraes; professora Lúcia Willian tem uma premiação da Unesco/OIT (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura / Organização Internacional do Trabalho); professora Maria Aparecida Soares Ruas; professora Cibele Saliba Rizek; professora Yvnone Primerano Mascaranhas.

A apresentação completa está disponível no canal do YouTube da Fundacentro.

Equidade de gênero

Leila Posenato Garcia, editora-chefe da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – RBSO, destaca “Equidade de Gênero na publicação científica’. “Assim como explanou a professora Mirlene, as dificuldades de gênero impõem desafios adicionais às mulheres. A ciência já é uma carreira difícil para todos, isto porque são muitos degraus para se alcançar, além de existir uma concorrência e complexidades estruturais de fazer ciência no contexto brasileiro”, informa.

Trazendo dados da revista Nature News de 2021, a editora-chefe comenta que globalmente as mulheres têm desvantagens e ganham menos reconhecimento por meio dos prêmios. “De 141 prêmios internacionais, incluindo a Medalha Fields, considerada o prêmio Nobel de Matemática, bem como o prêmio Robert Koch na área de ciências biomédicas, os homens receberam 2.011 prêmios, e as mulheres, 262”, relata.

“2023 foi considerado o melhor ano para as mulheres, quatro mulheres e sete homens foram agraciados com o prêmio Nobel de Economia. A professora e pesquisadora da área de gênero e trabalho, Claudia Goldin, ganhou destaque na área de ciências econômicas. Sendo a terceira mulher a ganhar esse prêmio e primeira a ganhar sozinha. Isto porque nos prêmios anteriores, as duas mulheres que venceram dividiram o prêmio com outros homens”, completa Leila.

Desenvolvimento da pesquisa científica

Realizar um projeto de pesquisa envolve diversas etapas e tarefas. Isso inclui a revisão de literatura, definição do problema de pesquisa, objetivos, metodologia, coleta e análise de informações, entre outros procedimentos. Além disso, em diversas áreas, é preciso submeter o projeto para um Comitê de Ética, especialmente quando envolve seres humanos, animais ou questões sensíveis. O Comitê de Ética analisa se a pesquisa é ética e se está conforme as regras e regulamentações pertinentes.

“É importante trabalhar com os pares: colegas de trabalho ou estudantes, participar de eventos científicos e participar ativamente de sociedades científicas. No entanto, a produção acadêmica é, sobretudo, medida pelas publicações”, frisa a editora-chefe da RBSO.

Leila informa que a publicação feita pela Elsevier: the Research Journey Through a Gender Lens, em 2020, revelou que os homens eram maioria entre os autores de artigos publicados em todos os países do mundo. “As mulheres são sub-representadas como autoras, menos citadas e, na maioria das vezes, não são autoras principais e/ou autoras correspondentes dos artigos, explica”.

Pandemia

A editora-chefe da RBSO informa que as desigualdades de gênero na publicação científica vêm diminuindo ao longo do tempo, mas ainda é persistente. Na pandemia, as mulheres cientistas carregaram um peso maior, pois além do trabalho remoto, tiveram que conciliar com o cuidado de crianças, idosos, apoio a estudantes e afazeres domésticos. Enfatiza ainda que as cientistas negras foram as mais afetadas na atividade acadêmica durante a pandemia da Covid-19.

Em 2018, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep informou que o percentual de mulheres negras (pretas e pardas) doutoras professoras de programas de pós-graduação é inferior a 3%. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, em 2015, apenas 7% das bolsas de produtividade foram destinadas às mulheres negras.

“Nos servidores preprints, o número de autores homens aumentou. A maioria das mulheres brasileiras pesquisadoras, com filhos, não conseguiu submeter trabalhos científicos durante a pandemia”, enfatiza. O preprint é um manuscrito científico com dados completos depositados pelos autores (as) em um servidor de acesso aberto.

Em 2020, um estudo do Movimento Parent in Science revelou que 65,3% dos docentes homens, com filhos, conseguiram produzir artigos científicos no início da pandemia, enquanto as mulheres que são mães, 47,4%. Já as pesquisadoras negras e mães, 46,5%, conseguiram enviar seus trabalhos no prazo. Sem filhos, a submissão de artigos científicos chega a 48,7%. Entre as mulheres brancas, esse percentual aumenta para 58,9%.

Mulher e mercado de trabalho

“Onde estão as mulheres trabalhadoras no Brasil? Elas estão, fundamentalmente, no campo da saúde, sendo a maioria nesse setor, assim como são a maioria das trabalhadoras em todos os níveis da educação, nas áreas de serviços de bem-estar, de embelezamento pessoal e estética, do comércio varejista de alimentos e, sobretudo, das pessoas que cuidam da limpeza dos lugares”, explana a socióloga e tecnologista da Fundacentro, Juliana Andrade Oliveira.

A tecnologista salienta que, no ensino superior, as mulheres ingressavam em cursos como enfermagem, engenharia de alimentos, nutrição e administração, mas, cada vez mais, estão se inserindo nas áreas do direito, medicina e engenharia. “Estudo da pesquisadora Maria Rosa Lombardi traz a participação feminina na engenharia. Está disponível no livro Condições de trabalho das mulheres no Brasil. A predominância de mulheres está ligada ao trabalho de cuidado”, informa.

Na sociologia, o termo “care” é utilizado para se referir ao cuidado, tanto em contextos pessoais quanto coletivos. Ele se refere às práticas e relações de cuidado que são fundamentais para o bem-estar humano e para a manutenção das relações sociais. “Essas mulheres estão fazendo ciência do cuidar e não são as primeiras a serem lembradas”, destaca.

Juliana comenta o pioneirismo da pesquisadora Elza Berquó em desenvolver um estudo de demografia no Brasil. Ela contribuiu de forma significativa no campo dos estudos populacionais. A socióloga também fala da pioneira nos estudos sobre cultura negra no Brasil, Lélia Gonzalez, que se destacou quando fundou na década de 1970, na cidade de São Paulo, o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial – MNU.

Segundo fontes oficiais, além dessas, grandes descobertas são decorrentes de pesquisas de mulheres, como a estrutura do DNA, por Rosalind Franklin; os cromossomos X e Y, por Nettie Steven. A brasileira Simone Maia Evaristo, bióloga e citotecnologista, considerada pioneira por diagnosticar enfermidades como o câncer por meio da análise celular. Simone é especialista do Instituto Nacional do Câncer – Inca.

A tecnologista ressalta que as mulheres ainda são pouco indicadas para a coordenação de pesquisas dentro das universidades. Assim como as mulheres são a maioria na pós-graduação, mas ocupam menos da metade dos cargos de docência nas universidades. Com relação às condições de trabalho das cientistas, informa que existem dificuldades para que as trabalhadoras possam permanecer no campo.

“Conforme citado pela Leila Posenato, o trabalho na ciência no país tem algumas características, é realizado, predominantemente, nas universidades públicas e financiado por agências de fomento. Por meio de editais, são concedidas bolsas, e o principal critério é o quanto você publicou e se o que você publicou teve impacto. Ou seja, é quando o estudo/pesquisa foi citado e impactou na produção de outros estudos”, destaca Juliana.

Tempo gasto por mulheres e homens

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – IBGE, em 2022, as mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas semanais às tarefas domésticas e/ou cuidados com as pessoas, enquanto os homens gastaram 11,7 horas. As mulheres negras ou pardas dedicaram 1,6 hora a mais nessas tarefas por semana em comparação com as mulheres brancas.

A participação feminina no mercado de trabalho foi de 53,3%, enquanto a participação masculina foi de 73,2%, isto é uma diferença de 19,9 pontos percentuais (p.p.). Além disso, a taxa de informalidade delas era maior que a dos homens (37,3%), sendo que a diferença entre mulheres negras ou pardas (45,4%) e homens brancos (30,7%) nesse quesito chegou a quase 15 p.p.

No mesmo ano, embora as mulheres tenham maior escolaridade em relação aos homens, o rendimento segue inferior, em média, 78,9% do recebido por homens. A maior diferença no rendimento estava no grupo de profissionais das ciências e intelectuais, nos quais as mulheres recebem 63,5% da média dos homens.

Juliana comenta um caso que ocorreu com uma cientista do CNPq, a qual não foi considerada capaz de conseguir uma bolsa de produtividade, “porque um parecerista disse que devido as duas gestações da professora, ela não teve condição de ter um pós-doutorado internacional e por isso não merecia a bolsa da instituição”. Completa que o CNPq avaliará por mais tempo a produtividade das mulheres, pois além de fazer ciência – são responsáveis pelo trabalho de cuidar. A professora não pôde fazer o pós-doc porque implantou um programa de mestrado na universidade.

Todas essas discussões estão disponíveis no vídeo Mulheres na Ciência, disponível no Canal da Fundacentro no Youtube, gravado em 20 de março. As pesquisadoras mostram o longo caminho a ser percorrido para que as mulheres tenham seu papel devidamente reconhecido na produção científica brasileira.

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Por FUNDACENTRO
Data original de publicação: 29/04/2024

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