Por 15 dias, fiz o ‘trabalho sujo’ de treinar uma inteligência artificial
Por Guilherme Tagiaroli / De Tilt – São Paulo
Se me perguntarem “Quando foi a última vez que você fez algo inédito na vida?”, terei de responder, “neste mês”. Durante 15 dias, várias pessoas tiraram fotos minhas em posições esquisitas, sempre em locais diferentes e todas essas imagens não foram para o meu Instagram. Elas foram usadas para treinar um sistema de inteligência artificial. Por isso, sem querer ser presunçoso, mas, da próxima vez que seu celular mandar notificações como “veja as fotos incríveis do show na sua galeria” ou “recordações de imagens das crianças no seu rolo de fotos”, saiba disso: em algum momento, alguém fez o trabalho chato e sujo de descrever os arquivos usados para educar a máquina por trás dessas ações. E, nos últimos dias, eu fui essa pessoa.
Antes de tudo, é bom dizer: todo o processo foi levemente degradante. A causa, porém, era nobre: reduzir o enviesamento na forma como a IA reconhece pessoas. De quebra, ganharia algum dinheiro — sete dias depois de concluída a tarefa, a grana ainda não pingou na conta. O objetivo é criar um banco de imagens diverso —com fotos de gente de várias partes do mundo, de diferentes etnias e cores. Esse papo de enviesamento pode parecer algo bobo, mas, em 2015, o Google foi criticado por indicar imagens no Google Fotos e indicar que pessoas negras eram gorilas. A empresa se desculpou à época, mas até hoje o uso de tecnologia para identificar pessoas em imagem é problemático, sobretudo para a população negra.
A ideia da empresa contratante, uma multinacional do ramo da tecnologia, é treinar uma inteligência artificial que consiga identificar melhor pessoas e ações retratadas em uma foto. Mais do que isso não posso revelar. Para executar as tarefas, assinei um acordo de confidencialidade, que me obriga a não detalhar publicamente as companhias envolvidas nem a plataforma em que trabalhei.
Como é o trabalho O trabalho começou antes mesmo de eu receber o job. Tentei entrar no MTurk, da Amazon, e na Tellus Internacional. Fui recusado sem explicação. Quando finalmente fui aceito em um site do tipo, nova burocracia: tive que submeter um currículo meu em inglês, esperei quase uma semana para ser aprovado e, só então, as propostas começaram a chegar via e-mail.
Este trabalho que aceitei tinha duas tarefas: Coleta: primeiro, tive que ser fotografado em uma série de poses pré-definidas (andando, dançando, pulando, cumprimentando, etc). Em algumas destas imagens, eu precisava interagir com outra pessoa. Anotação: a partir daí, eu tinha que descrever as cenas em detalhes: de onde vem a iluminação? Qual a idade das pessoas na foto? Qual a ação? Qual a cor da pele? Qual a ancestralidade dela?
Leia a matéria na íntegra aqui
Fonte: Tilt
Data original de publicação: 25/05/2023