Por uma política macroeconômica que priorize o pleno emprego. Entrevista especial com Enzo Matono Gerioni

Foto: Timon Studler, Unsplash

Patricia Fachin | Instituto Humanistas Unisinos

“A proposição do Estado oferecer empregos públicos para aqueles que não conseguem trabalho é uma ideia antiga, que podemos encontrar na literatura econômica pelo menos desde 1899, mas que raramente esteve no centro das propostas de combate ao desemprego”, afirma o economista

Enzo Matono Gerioni é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

IHU – Qual é a proposta central da Modern Money Theory – MMT e quais suas contribuições para questões relativas às políticas monetária e fiscal de governos?

Enzo Matono Gerioni – O debate central da MMT está diretamente relacionado à operação das políticas monetária e fiscal. Até o surgimento da MMT, no decorrer dos anos 1990, os economistas acadêmicos não haviam se preocupado em entender exatamente como o governo realiza seus gastos (parte da política fiscal) e como determina a taxa de juro (política monetária). A contribuição da MMT está justamente no entendimento de como o Tesouro Nacional e o Banco Central coordenam para que os gastos do governo não desviem a taxa de juro de curto prazo do alvo estabelecido pelo Banco Central ao mesmo tempo em que garantem que o Tesouro Nacional tenha fundos em sua conta para realizar os gastos que forem necessários.

Gastos governamentais

Diferentemente do que a grande maioria dos economistas assumiam, a MMT demonstrou, através das operações nos balanços do Tesouro Nacional e do Banco Central, que os gastos do governo não estão limitados pela falta de dinheiro para gastar, mas sim por outros fatores, como a inflação que pode ser causada pela escassez de recursos reais. Outra importante contribuição foi esclarecer que a venda de títulos de dívida pelo governo não tem qualquer relação com o financiamento dos gastos do governo, mas sim com a drenagem de reservas bancárias excessivas que resultam do gasto do governo, evitando que o excesso de dinheiro no sistema monetário force a taxa de juro para baixo, fora do alvo estabelecido pelo Banco Central.

Assim, a MMT demonstrou que uma pressuposição feita pelos economistas até então, de que há uma relação quase mecânica entre gasto do governo e taxa de juro, na realidade não precisa ocorrer necessariamente. Esta relação é apenas uma estratégia de política macroeconômica, por opção do governo, que pode estabelecer qualquer relação entre a taxa de juro e a política fiscal executada. A principal consequência desse desenvolvimento teórico pela MMT é que é possível repensar toda a estratégia de política macroeconômica “fora da caixa” do que vem sendo feito pelos governos das principais economias do mundo nas últimas cinco décadas. A MMT demonstrou que as restrições que antes pensávamos haver sobre a política macroeconômica, na realidade, são apenas regras autoimpostas. É claro que isso não significa que qualquer regra orçamentária seja indesejável ou desnecessária. A principal lição é que podemos escolher apenas as regras que tenham boa funcionalidade para economia, sem apego a dogmas econômicos ultrapassados e que, na maioria das vezes, causam disfuncionalidade.

IHU – Quais seriam as vantagens e desvantagens da aplicação dessa teoria para orientar as políticas monetária e fiscal dos governos estaduais brasileiros e do governo federal?

Enzo Matono Gerioni – Quando estamos falando da contribuição teórica da MMT, na realidade, nos referimos a uma descrição bastante detalhada de como o governo operacionaliza as políticas monetária e fiscal atualmente. Não se trata de uma teoria que poderia ou deveria ser aplicada por um ou mais países, mas sim de uma descrição de como eles já operam atualmente. Não podemos dizer que um determinado país decidiu aplicar ou deixar de aplicar a MMT.

Limites das políticas fiscal e monetária

Todos os países que emitem a sua própria moeda, cobram impostos em sua própria moeda e fazem pagamentos em sua própria moeda estão dentro da operacionalidade descrita pela MMT. Existem algumas pequenas diferenças de país para país, como leis particulares que impõem restrições, no entanto, sem alterar essencialmente a forma como as políticas monetária e fiscal são operacionalizadas. Um exemplo é o teto da dívida pública nos EUA, que periodicamente restringe o funcionamento normal daquele país, sendo mantido como ferramenta de pressão política do Congresso sobre o Executivo. O que fica evidente, quando a restrição é relaxada com a simples aprovação de uma lei, é que a restrição não existia de verdade e que o relaxamento do teto da dívida não gera aumento de juro ou aceleração automática da inflação. A grande contribuição que a MMT trouxe à economia moderna foi justamente o entendimento dessa operacionalidade e, consequentemente, uma melhor compreensão de quais são e quais não são os limites para atuação das políticas fiscal e monetária.

Em geral, podemos dizer que as contribuições teóricas da MMT estão diretamente relacionadas a aspectos do governo federal, mas isso não quer dizer que não têm implicações sobre os governos estaduais e municipais. Em um país como o Brasil, por exemplo, temos um descompasso crônico entre a estrutura de arrecadação tributária de estados e municípios e os gastos necessários para o bom funcionamento dos serviços públicos previstos na Constituição. Embora algumas unidades da federação tenham dificuldades mais graves do que outras, é conhecido que os governos subnacionais são forçados a recorrer ao endividamento para conseguirem cumprir suas atribuições constitucionais.

Repetidamente, a solução é uma reestruturação do endividamento dos entes subnacionais visando uma redução dos gastos públicos que, ao mesmo tempo reduz ainda mais a qualidade e a quantidade de serviços públicos disponíveis à população e falha em proporcionar uma solução duradoura para o problema. A compreensão proporcionada pela MMT sobre as finanças do governo federal tem grande impacto sobre como as finanças dos governos estaduais e municipais deveriam ser estruturadas. Ainda que esse tema tenha sido pouco explorado dentro da própria literatura da MMT, certamente as contribuições elaboradas à luz da MMT poderiam alterar significativamente o fornecimento de serviços públicos de estados e municípios bem como a sua solidez financeira.

IHU – Em que consiste a proposta de um “Estado Empregador de Última Instância – ELR”?

Enzo Matono Gerioni – ELR – atualmente também conhecido como Job Guarantee (programa garantidor de emprego) – é um programa em que o Estado atua como um garantidor do direito ao trabalho, que está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A proposição do Estado oferecer empregos públicos para aqueles que não conseguem trabalho é uma ideia antiga, que podemos encontrar na literatura econômica pelo menos desde 1899, mas que raramente esteve no centro das propostas de combate ao desemprego. Em um período mais recente, o ELR está associado ao trabalho do economista Hyman P. Minsky e, influenciado por Minsky, o trabalho da MMT. O desemprego é um problema que aflige praticamente todas as economias e que tem sido motivo de preocupação para os economistas há séculos. Mesmo em períodos de crescimento econômico acelerado e prosperidade, milhões de pessoas não conseguem um emprego formal no setor privado. Em períodos de menor crescimento ou de crises econômicas, a situação se torna ainda mais grave pois o número de desempregados se multiplica.

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Fonte: Instituto Humanistas Unisinos

Data original de publicação: 05/01/2022

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