Presidenciáveis, empresas e trabalhadores querem nova lei para apps
Por Carlos Juliano Barros | Repórter Brasil
Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes defendem a regulamentação da atividade em seus programas de governo – o que é referendado por 78% das associações de trabalhadores e representantes patronais que responderam a questionário elaborado pela Repórter Brasil
Expressamente mencionada nos programas de governo dos três candidatos à Presidência mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto, a regulamentação do trabalho em aplicativos de transporte e de entrega é um dos principais temas das eleições de outubro.
Pelo menos 1,5 milhão de brasileiros – e eleitores – têm como fonte de renda a atividade em apps, segundo o Ipea (Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada). Mas a maioria ainda se encontra na informalidade.
Sobre esse assunto, o programa de governo do presidente Jair Bolsonaro para um novo mandato diz que “a estratégia de inclusão e combate à informalidade deverá contemplar alternativas contratuais inteligentes e que reconheçam a realidade desses trabalhadores”.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em seu programa que é necessário criar, “a partir de um amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social”.
Já a carta de intenções de Ciro Gomes (PDT) destaca que é preciso regulamentar a atividade “estabelecendo patamares de higiene, segurança e de ganhos compatíveis com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”.
A Repórter Brasil elaborou um questionário sobre os principais pontos de uma eventual regulamentação do trabalho em apps. As perguntas foram respondidas por 13 entidades que representam motoristas e entregadores nas cinco regiões do país.
O formulário também foi enviado às principais plataformas – só o iFood preencheu. Outros apps se posicionaram por meio de organizações empresariais, como o MID (Movimento Inovação Digital) e a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia). Ambas não completaram o questionário, mas enviaram comentários à reportagem.
De acordo com as respostas, é necessário criar uma nova legislação para regulamentar apps de transporte e de entrega, para além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do Microempreendedor Individual (MEI).
Ainda segundo o questionário, aplicativos devem ser obrigados a contribuir para a Previdência, assim como motoristas e entregadores. Além disso, a remuneração dos trabalhadores de apps precisa seguir regras mais claras, e os seguros oferecidos pelas plataformas devem ser mais acessíveis. Porém, determinar um limite de horas de trabalho por dia divide opiniões.
Confira abaixo os principais pontos do questionário.
CLT ou nova legislação?
De um lado, aplicativos. De outro, motoristas e entregadores. Há anos a natureza dessa relação é objeto de polêmicas e decisões conflitantes na Justiça. A princípio, as plataformas diziam apenas conectar clientes e prestadores de serviço autônomos.
Mas hoje as próprias empresas vêm admitindo a possibilidade de estender direitos aos trabalhadores – desde que não seja reconhecido o vínculo empregatício nos moldes da CLT. Segundo as plataformas, assinar a carteira de trabalho inviabilizaria o negócio.
A maioria dos que preencheram o questionário da Repórter Brasil (78%) afirma que é preciso construir uma nova lei porque “nem a CLT e nem outras formas são adequadas para regular o trabalho em aplicativos”.
Mas na opinião de Edgar da Silva – presidente da AMABR de São Paulo, que representa motofretistas – é preciso fazer uma ressalva. Quando aplicativos “tratam o entregador com características de vínculo empregatício”, determinando unilateralmente o pagamento e exigindo o cumprimento de jornadas mínimas, deveriam valer as regras da CLT, diz ele.
No entanto, se os entregadores tiverem o poder de discutir os valores das corridas e a liberdade de ligar o aplicativo quando quiserem, e se não sofrerem punições ao recusarem um serviço, “nesse caso seria autonomia”, argumenta Silva.
Representante da AMA-RJ, associação de motoristas do Rio de Janeiro, Marcelo Adifa é contra o reconhecimento do vínculo empregatício e defende que “uma nova legislação não deve burocratizar as relações entre aplicativos e motoristas, mas garantir aos condutores direitos que eles hoje não possuem”.
Em nota, a Amobitec – que reúne 99, Amazon, iFood, Uber, dentre outras – afirma que suas associadas “acreditam que novos marcos regulatórios sobre a relação entre as plataformas e motoristas e entregadores precisam ser construídos de forma a se respeitar essa nova realidade da prestação de serviços”.
E o MEI?
O questionário também pergunta se a categoria de MEI é adequada para regulamentar o trabalho em aplicativos. Em resumo, ela garante a cobertura básica do INSS a quem recolhe uma contribuição mensal de cerca de R$ 60.
Embora oito a cada dez motoristas e entregadores conheçam o sistema de MEI, apenas 16% estão registrados como microempreendedores individuais. Os dados são de uma pesquisa do Datafolha, encomendada pela Uber e divulgada em dezembro do ano passado.
Entre os que preencheram o questionário da Repórter Brasil, 64% acham que o regime de MEI não é adequado para regular o trabalho em aplicativos. Outros 28% acreditam que ele poderia ser aprimorado. O restante acredita que as atuais regras para microempreendedores já são suficientes.
INSS e aplicativos
A inclusão de motoristas e entregadores na Previdência vem ganhando cada vez mais importância nos debates sobre a regulamentação de aplicativos.
Empresas que assinam a carteira de trabalho pagam 20% sobre a folha salarial total de seus funcionários. Já o empregado pode ter até 14% de seu salário descontados, mas ganha direito a auxílio-doença, licença-maternidade e aposentadoria.
Atualmente, os aplicativos não contribuem para o INSS. Em abril, a Amobitec divulgou uma carta de princípios em que abordava o tema.
A entidade afirma que suas associadas “entendem a sua responsabilidade e estão dispostas a colaborar, contribuindo financeiramente e facilitando a integração dos motoristas e entregadores parceiros à Previdência”. Mas desde que não haja o reconhecimento de vínculo empregatício nos termos da CLT.
Segundo o questionário da Repórter Brasil, quase 86% dos entrevistados afirmam que as plataformas precisam contribuir para a Previdência. “Mas é necessária a implantação de um novo sistema [de recolhimento para o INSS], pois cada motorista decide em qual aplicativo trabalhar”, afirma Eduardo Lima de Souza, representante da associação de motoristas de São Paulo.
Dos 13 representantes de trabalhadores, somente dois entenderam que os aplicativos não devem cumprir com essa obrigação. Um deles é José Gilcemar Pereira, presidente da AMMAP, entidade que representa os condutores de app no Rio Grande do Sul.
“As plataformas não devem ser obrigadas a fazer tal contribuição, visto que esse custo será repassado ao motorista”, argumenta Pereira.
INSS e trabalhadores
A maior parte dos que responderam o questionário (86%) também acham que motoristas e entregadores devem ser obrigados a pagar o INSS. Entretanto, o formato da contribuição não é consensual. Um a cada cinco é favorável ao recolhimento para a Previdência nos moldes previstos pela CLT.
Diretor de políticas públicas do iFood, João Sabino também defende a contribuição para o INSS, por meio de “um modelo onde haja retenção e repasse dos valores por parte das plataformas, e que esse valor seja dividido entre trabalhadores e plataformas, com as empresas arcando com a maior parte da contribuição”.
O presidente da associação de motofretistas autônomos de São Paulo, Edgar da Silva, concorda com a ideia da retenção. Ele cita a alta taxa de inadimplência dos MEIs para justificar a ideia. Atualmente, a cada dez microempreendedores, quatro deixam de pagar a contribuição mensal que garante a cobertura básica do INSS.
“Teria que ser proporcional por corrida, já que o entregador faz entregas para vários aplicativos. Quando atingisse o teto da contribuição, o entregador voltaria a receber o valor integral”, defende Silva.
Limite de jornada
Depois de o próprio motorista admitir que havia dormido ao volante, o acidente de carro que quase tirou a vida do ex-BBB Rodrigo Mussi, em março, levantou a discussão sobre os perigos representados pelo excesso de trabalho em aplicativos.
Mas a limitação de jornada é um dos assuntos mais polêmicos em uma eventual regulamentação. Dentre os 13 representantes de trabalhadores que preencheram o questionário, oito disseram ser necessária a imposição de um teto de horas por dia.
“Jornadas excessivas geram estafa e expõe profissionais e terceiros a acidentes”, justifica Agenor Pereira, presidente do Sintramotos, do Paraná.
Outros cinco se manifestaram contra a determinação de um limite de horas. “Se somos profissionais liberais, temos que ter liberdade”, diz Luiz Corrêa, presidente do Sindmobi, do Rio de Janeiro.
As notas enviadas pelas associações de empresas (MID e Amobitec) não são claras sobre a delimitação da jornada diária. O representante iFood, João Sabino, classificou a discussão como “salutar”. Porém, fez a ressalva de que “qualquer iniciativa nesse sentido deve levar em consideração a característica multiplataforma dos trabalhadores e a não existência do vínculo empregatício”.
Pagamento mínimo
Em julho de 2020, a mobilização nacional de entregadores conhecida como “Breque dos Apps” tinha como uma de suas principais pautas o aumento dos valores das corridas.
Neste ano, com a disparada do preço da gasolina, a remuneração pouco atrativa das viagens chegou a provocar um “apagão” de motoristas da Uber.
No total, 78,6% dos representantes que preencheram o questionário acreditam que é necessário estabelecer regras sobre a remuneração.
“Precisaria ser discutido entre as partes [plataformas e trabalhadores]”, defende Euclides Júnior, do Sindtapp, representante de motoristas do Pará. “Nós precisamos de um piso, até porque as plataformas não conversam com a categoria”, complementa Cléber Cardoso Silva, presidente de uma associação de condutores de app no Mato Grosso.
Em nota, o Movimento Inovação Digital – que tem entre suas associadas 99, inDriver, Loggi e Rappi – afirma que, ao longo do último ano, as empresas vêm “buscando solucionar rapidamente as adversidades”.
Citando o aumento do preço da gasolina, a entidade diz que as plataformas “têm realizado reajustes compatíveis com o modelo de cada negócio e com o estágio de maturidade de cada empresa associada”.
O representante do iFood, por sua vez, sustenta que “todo entregador parceiro deve ter um ganho líquido mínimo, por hora trabalhada, equivalente a pelo menos a hora do salário mínimo vigente no Brasil”. E diz que os ganhos dos entregadores são, em média, 165% superiores quando comparados a alternativas do mercado formal.
Seguros, treinamentos e representação
Para 85% dos que responderam, as plataformas precisam garantir seguros – em caso de morte ou acidente – mais acessíveis do que os ofertados atualmente.
“Quando o entregador precisa, às vezes não pagam”, critica Edgar Silva. “E não é só na entrega, como alguns aplicativos oferecem”, acrescenta o presidente da AMABR, que defende a cobertura também para os intervalos entre as corridas, por exemplo.
O questionário também aborda temas de saúde e segurança no trabalho. No total, 57% acreditam que as plataformas devam fornecer equipamentos de proteção individual. “Qualquer custo tem que ser dos aplicativos”, diz Luiz Corrêa, do Sindmobi.
Metade dos que responderam pensam ser necessário um treinamento específico para o trabalho de entregador ou motorista, mas entendem que a capacitação deve ser feita pelas próprias empresas.
Além disso, de um lado, há quem advogue que o poder público estipule regras e emita licenças (21,4%). De outro, estão aqueles (28,6%) que acham que não é necessária nenhuma permissão específica, além da carteira nacional de habilitação (CNH).
Só em uma pergunta houve unanimidade: a importância da representação de trabalhadores na negociação de direitos com as empresas, por meio de sindicatos ou associações.
“Hoje os motoristas e entregadores só têm voz por conta das associações, portanto, qualquer alteração das regras e mecanismos de trabalho entre as partes deve contar com a participação das entidades”, finaliza Marcelo Adifa, da AMA-RJ.
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Fonte: Repórter Brasil
Data original da publicação 23/08/2022