Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus

Imagem: Unsplash

Por DIEESE | Série Estudos & Pesquisas

“A pandemia causada pelo coronavírus chegou ao Brasil em meio a um processo de recessão econômica e crise política, agravando ainda mais a situação do país. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) vinha em trajetória de crescimento muito lento, as taxas de desemprego mantinham-se altas e, concomitantemente, aumentava o emprego informal e a contratação por meio das novas modalidades de trabalho introduzidas pela reforma trabalhista, como as jornadas de meio turno e intermitente.

As crises econômicas que repercutem sobre o mercado de trabalho impactam as diferentes classes sociais, gêneros, raças e grupos ocupacionais de maneira distinta. Isso ocorre porque a sociedade brasileira é estruturada a partir de desigualdades presentes nessas dimensões. Nesse sentido, mulheres que têm origem em segmentos sociais vulneráveis, pertencentes a grupos raciais marginalizados e precariamente ocupadas sofrem as consequências da crise de forma mais acentuada.

Entre as ocupações mais atingidas pelos efeitos da covid-19 – e tipicamente feminina – está o emprego doméstico, que se caracteriza por altos níveis de informalidade, baixos salários e desproteção social e sindical, dada a circunscrição da relação de trabalho aos domicílios dos empregadores. Além dessas particularidades da ocupação, a pandemia implicou mudanças na forma como as pessoas realizam as atividades voltadas aos trabalhos reprodutivos. O coronavírus, por ser altamente contagioso, exigiu o isolamento das famílias nos domicílios e provocou a suspensão das aulas e de serviços ligados aos cuidados de pessoas.

Essa nova situação levou à intensificação dos afazeres domésticos, aumentando a sobrecarga de tarefas para boa parte das mulheres que trabalham como empregadas nos lares. Para outras, a conjuntura trouxe o desemprego, em função da crise econômica que se instalou e obrigou muitas famílias que as contratavam a demiti-las, para reduzir despesas. Também foi motivo de dispensa de trabalhadoras domésticas o temor de que pudessem ser agentes de propagação da doença.

Mas as trabalhadoras que não foram dispensadas também correm risco de se contaminar, já que, em geral, se deslocam de transporte público para o trabalho e exercem atividades que requerem contato próximo com pessoas, como cuidados com crianças e idosos, além da realização de compras em estabelecimentos comerciais. Também a exposição excessiva a produtos de limpeza pode afetar as vias respiratórias dessas profissionais e torná-las mais suscetíveis a contrair a doença. Ainda há relatos de algumas trabalhadoras domésticas de que foram obrigadas a permanecer nos domicílios em que trabalham para poupar os patrões do risco de contaminação (ONU MULHERES, OIT, CEPAL, 2020).

Alguns exemplos que ocorreram no Brasil ilustram bem a maior vulnerabilidade da categoria à pandemia. O primeiro caso de óbito causado pela covid-19 no estado do Rio de Janeiro – e um dos primeiros no país – foi o de uma trabalhadora doméstica remunerada, que contraiu o vírus de sua patroa recém-chegada de uma viagem à Itália2. Era uma senhora idosa, com problemas cardíacos, obesidade e diabetes, residente no município de Miguel Pereira, localizado a mais de 120 km local em que trabalhava, um bairro nobre carioca.

Outro caso que ilustra as desigualdades nas relações entre essas trabalhadoras e seus empregadores foi a morte do menino Miguel, de cinco anos, que caiu do nono andar de um prédio localizado em um bairro nobre de Recife-PE. A criança estava acompanhando a mãe, que trabalhava no local como empregada doméstica, já que as escolas estão fechadas. A criança –que estava sob os cuidados da patroa, enquanto sua mãe passeava com o cachorro pelo condomínio –foi deixada sozinha no elevador do prédio, o que resultou no acidente.

Como forma de evitar novas tragédias como essas e coibir práticas trabalhistas abusivas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou a Nota Técnica Conjunta 04/2020, apontando diretrizes a serem observadas por empresas, empregadores e empregadoras de trabalhadoras domésticas e de cuidados (MPT, 2020) durante o período da pandemia. Esse documento orienta os patrões a dispensarem a trabalhadora doméstica e a assegurarem sua remuneração, exceto nos casos em que o trabalho seja indispensável. Recomenda também a suspensão da prestação do serviço, com remuneração assegurada, no período de quarentena dos empregadores que estiverem sob suspeita de contaminação. Sugere ainda a flexibilização da jornada, com irredutibilidade salarial e garantia de emprego, em função do funcionamento irregular dos serviços de transportes e escolares e nos casos em que algum familiar da trabalhadora seja infectado e passe a necessitar de cuidados.

Para as trabalhadoras não dispensadas do trabalho, a Nota orienta que seja garantido acesso a equipamentos de proteção individual, tais como luvas, máscaras, óculos de proteção e álcool em gel para higienização. Por fim, sugere que as medidas sejam adotadas não somente para as trabalhadoras empregadas como mensalistas, mas também para os contratos de diaristas. Apesar dessas recomendações, a tendência tem sido a demissão das empregadas domésticas, como mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao primeiro trimestre deste ano. É importante observar que esses números refletem apenas os primeiros impactos da pandemia sobre o emprego, uma vez que o surto atingiu o país no final de fevereiro. No entanto, já se observa queda de 385 mil pessoas ocupadas como domésticas no primeiro trimestre de 2020, em comparação ao trimestre imediatamente anterior. Desse total, 254 mil postos de trabalho perdidos são de trabalhadoras sem carteira assinada e 130 mil, das com carteira.

Feitas essas considerações, o objetivo deste texto é analisar as possíveis repercussões da pandemia sobre a categoria doméstica no Brasil. Para tanto, o texto se divide em três tópicos. No primeiro tópico, se discorrerá sobre a origem do trabalho doméstico. No segundo, será traçado o perfil das pessoas ocupadas como empregadas domésticas no país, destacando-se seus atributos pessoais e socioeconômicos – como sexo, raça, faixa etária, posição no domicílio, composição do domicílio e vulnerabilidade à pobreza – características que as colocam em maior risco neste período. No terceiro tópico, serão analisadas as condições do trabalho doméstico, por meio de aspectos relativos à legislação trabalhista, grau de formalização, atividades desempenhadas e remuneração, de modo a traçar um paralelo entre essas características e a maior vulnerabilidade da categoria ante a crise. Por fim, serão apresentadas algumas conclusões, bem como recomendações relativas às políticas que podem ser adotadas para minorar os danos da crise sanitária sobre a categoria. (…)

Leia na íntegra esta edição da série Estudos e Pesquisas

Fonte: DIEESE

Data original da publicação: 15/07/2020

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