Saúde e trabalho em um país precarizado
Por Túlio Batista Franco | Outras Palavras
Data original de publicação: 03/12/2024
CNS prepara 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em 2025. Debaterá a reestruturação do trabalho, com os fenômenos de “uberização” e “pejotização”. Pode ser um momento para organizar a luta e criar novas possibilidades de solidariedade social
O mundo do trabalho no Brasil está mobilizado para construir a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT). Organizada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e promovida pelo Ministério da Saúde, está marcada para 2025. Segundo a página do CNS, serão realizadas etapas preparatórias da 5ª CNSTT de acordo com o seguinte cronograma: i) Etapa Municipal/Regional/Macrorregional: até o dia 15 de abril de 2025; ii) Etapa Estadual/Distrito Federal: entre 15 de abril e 15 de junho de 2025; iii) Conferências Nacionais Livres: até 30 de abril de 2025; iv) Etapa Nacional: entre 18 e 21 de agosto de 2025.
Com o tema “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano”, a 5ª CNSTT está desafiada a pensar formas de proteção eficazes aos e às trabalhadores/as, em um contexto de franca disputa no plano da sociedade, em torno das políticas sociais e de rumos para o país. Vivemos há alguns anos a experiência de uma grande reestruturação do trabalho através da “uberização”, que é um novo tipo de organização do trabalho com base nas plataformas digitais, e a “pejotização” na qual os/as trabalhadores/as são contratadas/os como pessoa jurídica, apesar de atuarem como pessoas individuais. Nesta condição são alçados à condição de “empreendedores” individuais, empresários de si mesmos.
Estas mudanças no mundo do trabalho criaram uma subjetividade, onde o trabalhador é invadido pelo discurso da liberdade individual, e vira um escravo de si. Nasce assim o “sujeito da concorrência”, um novo biotipo que adota o discurso meritocrata, trabalha em regime de absoluta servidão, é prisioneiro de alguma “plataforma” digital, e não tem nenhuma solidariedade. Ele olha para outro trabalhador e enxerga no outrora companheiro, agora, um concorrente. Isso esgarçou as relações sociais e afetivas que cultivava até então.
O projeto neoliberal pensa uma vida como um “capital humano”, então, ele monetariza os corpos, e estabelece um valor para cada um. O “capital humano” é composto pela origem social da pessoa, sua renda, formação, hábitos de consumo, etc… Os que não têm a possibilidade de acumular novos capitais individuais ou coletivos, são considerados como um estorvo ao estado: vidas dispensáveis, matáveis. É assim que políticas de segurança viram formas de matar jovens negros e pobres; políticas ambientais reproduzem modelos de racismo ambiental, e assim o capital se institui como potência. Demonstra sua capacidade micropolítica de penetrar nas relações sociais e afetivas, construir redes, e produzir uma hegemonia política.
A 5ª CNSTT se soma ao esforço de combater este processo de reestruturação do trabalho em curso, e criar novas possibilidades de solidariedade social, que age como antídoto ao projeto neoliberal. Além disso, é um momento oportuno para organizar a luta contra as indignidades que a regulação do trabalho no Brasil impõe aos trabalhadores, que certamente tem uma extensa pauta a ser cumprida. É também um momento singular e potente para denunciar o trabalho escravo contemporâneo, que, segundo o Art. 149 do Código Penal brasileiro, é “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto…”. Presente no “Brasil profundo”, seja urbano ou rural, o trabalho escravo na atualidade caracteriza uma grave violação de direitos humanos, e pode ser visto nas várias manifestações de trabalho forçado, tráfico humano, servidão por dívidas, escravidão infantil, escravidão doméstica, que seriam algumas das muitas formas de escravidão nos tempos atuais.
A Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora se soma ao esforço nacional de aumentar a participação comunitária nas políticas sociais, como pressuposto para o fortalecimento de um projeto democrático e popular de país. Tema abordado aqui. A Conferência acontece em um momento oportuno, onde se faz necessária. Ela pode ativar a potência de um sonho renovado, fazer com que se mova como uma força propulsora rumo a um país socialmente justo.
A 5ª CNSTT será composta de três eixos de discussão: i) Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; ii) As novas relações de trabalho e a saúde do trabalhador e da trabalhadora; iii) Participação popular na saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras para o Controle Social. Será muito importante que ela paute também as questões referentes à construção do SUS, especialmente no que se refere ao acesso, e cuidado através de programas destinados aos e às trabalhadores/as.
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