Saúde mental no trabalho: mudanças na legislação exigem nova postura

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Nos novos tempos, não há mais espaço para ambientes tóxicos, pessoas exaustas, perda de talentos e vidas por condições mentalmente insalubres

Por Ana Carolina Peuker e Ana Domingues | Correio Braziliense
Data original de publicação: 20/01/2025

Ana Carolina Peuker — Membro Comissão Intersetorial de RH e Relações de Trabalho  e da sua Câmara Técnica – Conselho Nacional de Saúde, membro do comitê consultivo no Movimento Mente em Foco do Pacto Global da ONU

Ana Domingues — Membro do conselho consultivo no Movimento Mente em Foco do Pacto Global da ONU

Nos últimos anos, a saúde mental emergiu como tema central nas discussões sobre o ambiente de trabalho. Conversas sobre burnout, ansiedade, depressão e risco de suicídio, agravados pelo ambiente profissional, são cada vez mais comuns. Esse cenário reflete uma crescente conscientização, mas também a necessidade de avanços.

A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que entra em vigor neste ano, exige que as empresas incluam o gerenciamento de riscos psicossociais. Além de ser uma exigência legal, isso representa uma oportunidade para repensar o cuidado com o capital humano nas organizações. Em um cenário onde ESG (Environmental, Social, and Governance) é cada vez mais relevante, integrar a saúde mental à estratégia empresarial é um compromisso com a vida humana, o compliance e a sustentabilidade do negócio.

No Brasil, transtornos de saúde mental são responsáveis por 38% de todas as licenças no INSS, e essa realidade tende a se agravar. Falta maturidade nas organizações para tratar o tema que deveria ser parte da visão estratégica do negócio. Há muita desinformação e confusão. Algumas empresas assumem responsabilidade em demasia e outras confiam que apenas campanhas motivacionais ou benefícios em prol do bem-estar dos colaboradores são a solução, mas, quando isoladas, essas ações são insuficientes. A transformação requer líderes que cuidem de si mesmos e consigam entender seus liderados. Conselhos e diretorias precisam estar preparados para lidar com essas questões.

Felizmente, o cenário parece estar se transformando. Neste ano, todas as empresas no Brasil deverão adotar práticas para evitar o adoecimento mental de seus trabalhadores, conforme determinação do Ministério do Trabalho. A Portaria MTE nº 1.419 atualiza a NR-1 para reconhecer os riscos psicossociais como parte das condições de trabalho. Esses riscos, como assédio, elevadas demandas e baixa autonomia, estão associados a problemas graves, incluindo o risco de suicídio.

A norma exige que empresas incluam medidas de controle e monitoramento dos fatores psicossociais, o que abre espaço para a reavaliação de práticas internas. Nesse contexto, a ISO 45003:2021 é a primeira norma global que fornece orientação prática sobre a gestão da saúde psicológica no local de trabalho, como parte de um sistema de gestão da saúde e segurança no trabalho.

Oferecer apenas soluções pontuais de apoio psicológico não resolve. A verdadeira transformação vem com uma abordagem preventiva, com gestão sistemática dos fatores de risco psicossociais para avaliar as causas do adoecimento. Além de promover proteção psicológica e maior engajamento, a prevenção reduz o estigma associado à saúde mental e cultiva equipes com maior capacidade adaptativa.

Empresas que investem na gestão de riscos psicossociais estão mais preparadas para enfrentar desafios organizacionais e crises, sejam elas climáticas, sanitárias, sejam econômicas. A promoção da saúde mental fortalece a capacidade de lidar com eventos complexos, como a pandemia de covid-19, que gerou reflexos, ainda presentes, no estado emocional da população.

Os impactos financeiros relacionados à saúde mental são significativos. A OMS estima que os transtornos mentais custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em perda de produtividade. O Fórum Econômico Mundial projeta custos globais de US$ 6 trilhões até 2030, destacando a urgência do investimento na área de saúde mental.

Criar ambientes no trabalho que garantam segurança emocional é urgente. E cada cultura organizacional precisa de programas customizados. Empresas que resistem a investir em cuidados com as pessoas acabarão enfrentando desafios maiores no futuro. A desinformação e o estigma também precisam ser combatidos — a subnotificação de casos perpetua o adoecimento. Para implementar uma estratégia preventiva eficaz, é fundamental contar tanto com profissionais de saúde mental capacitados, quanto ferramentas eficientes, como as que utilizam inteligência de dados. Assim, gestores conseguem antecipar problemas e implementar soluções custo-efetivas.

Nos novos tempos, não há mais espaço para ambientes tóxicos, pessoas exaustas, perda de talentos e vidas por condições mentalmente insalubres. É necessário compreender que a proteção psicológica dos colaboradores está intimamente ligada ao sucesso das operações.

As mudanças na legislação são importantes, mas o verdadeiro desafio é vencer o estigma e transformar empresas em ecossistemas genuínos de cuidado, onde a saúde mental é valorizada não apenas por obrigação legal, mas como parte essencial da preservação da vida. O momento de evoluir é agora, para que o futuro dos negócios seja tão promissor quanto o potencial humano que os sustenta.

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