Seminário celebra cooperativismo de plataforma como alternativa para o mundo do trabalho
Por Daniel Santini e Rafael Grohmann | DigiLabour
Encontro em Porto Alegre reuniu pessoas de todo o país que pesquisam e trabalham com plataformas de colaboração e solidariedade. Participantes conversaram sobre novas formas de organização coletiva, tecnologia, soberania digital e economia solidária a partir de uma perspectiva antirracista, feminista e por justiça social
Plataformização de trabalho, tecnologias e soberania digital e organização de cooperativas foram alguns dos temas debatidos durante o evento Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, realizado nos dias 21, 22 e 23 de junho de 2022 na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em Porto Alegre. O encontro foi realizado pelo Observatório do Cooperativismo de Plataforma, uma iniciativa do laboratório DigiLabour, e contou com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Participaram pesquisadores, trabalhadores, integrantes de movimentos sociais, gestores e representantes do poder público.
O primeiro dia começou com saudações iniciais de autoridades locais, incluindo os ex-ministros petistas Miguel Rossetto e Tarso Genro (por vídeo). Após a apresentação inicial, a mesa de abertura contou com apresentações de Aline Os, da Señoritas Courier, e Joana Varon, da Coding Rights, em uma conversa afinada sobre tecnologias transfeministas e organização coletiva alternativa às grandes plataformas digitais. A primeira falou sobre a experiência do coletivo Señoritas Courier, que reúne mulheres e pessoas LGBTQIA+ entregadoras e foi tema de um documentário em curta metragem produzido pelo DigiLabour. A segunda compartilhou uma perspectiva política de tecnologia baseada em direitos, soberania digital e privacidades, citando como exemplo o oráculo transfeminista (baixe as cartas do jogo em português) e a campanha #SaiDaMinhaCara, contra vigilância baseada em reconhecimento facial.
De tarde, após uma rodada de apresentação geral – incluindo uma saudação do vereador Matheus Gomes (PSOL) por vídeo – foi a vez da apresentação de experiências de trabalhadores e cooperativas. Gabriel Ethur, representante da cooperativa Pedal Express, contou sobre a organização de entregadores de bicicletas na cidade e fez críticas às empresas de aplicativos.
Logo em seguida, Natxo de Vicente, representante da Fundação Mundukide, compartilhou sobre o trabalho de cooperação internacional e apoio à formação de cooperativas. A Mundukide atua como um elo de ligação com a Mondragon, federação de cooperativas do País Basco, uma das principais organizações do tipo do planeta. Em sua apresentação, discorreu sobre desigualdade e globalização, defendendo um modelo alternativo baseado em solidariedade e colaboração.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), representado por Alexandre Boava e Priscila Costa, compartilhou sobre a construção da iniciativa Contrate Quem Luta, um sistema para facilitar a contratação de profissionais vinculados ao movimento, produzido pelo Núcleo de Tecnologia.
Thiago Maeda e Quintino Severo, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) apresentaram o estudo Condições de trabalho, direitos e diálogo social para trabalhadoras/es do setor de entrega por APP em Brasília e Recife. Um resumo da pesquisa foi distribuído para os participantes.
Leonardo Chagas, da iniciativa PopSolutions, de tecnologia e comunicação, contou sobre os desafios de construção de alternativas nessa área. Vinícius Mesquita e Abdul Nasser, da OCB-RJ, comentaram sobre o contexto de cooperativas no Rio de Janeiro e de desafios para cooperativas em um contexto nacional.
No final do dia, o público recebeu também exemplares do livro Cooperativismo de Plataforma, de Trebor Scholz (clique aqui para baixar versão em PDF). A obra, uma coedição das editoras Autonomia Literária e Elefante com a Fundação Rosa Luxemburgo, foi publicada em 2016 e tornou-se referência no debate sobre o tema por propor premissas para o desenvolvimento de cooperativismo de plataforma. O livro foi apresentado por Daniel Santini, da Fundação Rosa Luxemburgo.
Estudos e experiências concretas
No segundo dia, pela manhã Rafael Grohmann e Julice Salvagni apresentaram o projeto Fairwork, que procura, por meio de critérios objetivos, estabelecer parâmetros para mapear as condições dos trabalhadores de aplicativos e comparar a situação em diferentes países (clique aqui para baixar o último relatório de 2021), inclusive no Brasil. Eles contaram como os princípios de trabalho decente podem ser úteis para políticas públicas e para o fomento de plataformas cooperativas.
À tarde, Camila Capacle, da prefeitura de Araraquara (SP), falou sobre a experiência da cidade no incentivo para organização de trabalhadores em plataformas alternativas. Em seguida, foi a vez de apresentação de Renan Kalil e Tadeu Cunha, do Ministério Público do Trabalho (MPT), que apresentaram o trabalho do órgão no acompanhamento sobre o tema. Dois estudos foram citados como referência, A regulação do trabalho via plataformas digitais (baixe o PDF) e o estudo O Futuro do Trabalho. Igor Salles Barbosa, do Movimento Trabalhadores Sem Direitos, contou sobre sua experiência como motorista das plataformas Uber e 99, reclamando das ameaças de bloqueios e pouca proteção social por parte das empresas.
Em seguida, foi a vez da apresentação de estudos relacionados ao tema. Miguel Vieira, da Universidade Federal do ABC, comentou resultados de um estudo inédito baseado em análise de discursos de vídeos de entregadores no Youtube. Camila Luconi, da Unisinos, falou sobre princípios de solidariedade para o cooperativismo. Victor Barcellos, pesquisador da UFRJ que trabalha para o Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), falou sobre aspectos de subjetividade e imaginário entre os trabalhadores, a partir de sua pesquisa sobre cooperativismo de plataforma na área da cultura. Gabriel Ferri, da Unisinos, contou sobre seu trabalho sobre cooperativas de jogos de videogame. Kim Richardson, da UFPel, compartilhou sobre seu envolvimento com o tema a partir da experiência como designer digital, procurando desmistificar termos técnicos que afastam e complicam a relação com aplicativos e plataformas.
Marília Veríssimo Veronese, também da Unisinos, recuperou a construção histórica da economia solidária, conectando conceitos e experiências anteriores com o debate atual. Alexandre Silveira, da mesma universidade, fez uma leitura com referências de administração e marketing. A conclusão ficou com Ricardo Neder, da UnB, com uma apresentação sobre tecnociência solidária a partir do trabalho realizado pelo ITCP Tecsol.
Visita de campo e encaminhamentos
No terceiro e último dia, os participantes foram convidados a uma caminhada pela região central de Porto Alegre, para conhecer experiências locais, como a Pedal Express, a oficina comunitária Pedala Porto, o projeto Enigma – sobre mulheres da computação – e a Cozinha Solidária do MTST. Igor Della Vechia, geógrafo, conduziu o grupo para um passeio guiado apresentando pontos históricos relacionados com a cidade e o tema e Gustavo Silveira da Silva contou sobre a experiência da Pedala Porto.
À tarde, Daniel Santini, da Rosa Luxemburgo, apresentou o livro A Cultura é Livre, de Leonardo Foletto. O lançamento foi adiado porque o autor não conseguiu viajar para participar do evento. O livro está disponível para download livre. Santini enfatizou a importância da cultura livre e das tecnologias livres para a construção do cooperativismo de plataforma.
Em seguida, Victor Barcellos e Renata Guedes, do ITS Rio, apresentaram o evento mundial do cooperativismo de plataforma – Platform Cooperativism Conference – que acontecerá no Rio de Janeiro em novembro. Sediado pelo Museu do Amanhã, o seminário acontecerá pela primeira vez no Sul Global. Alguns dos nomes já confirmados são Trebor Scholz, Denise Kasparian, James Muldoon e Anita Gurumurthy.
Por fim, Julice Salvagni e Rafael Grohmann deram início a uma rodada final de comentários. Julice ressaltou a importância histórica da economia solidária e de não considerar que o cooperativismo de plataforma nasce agora. Com isso, falou sobre o aproveitamento de redes preexistentes. Rafael, por sua vez, ressaltou que o termo cooperativismo de plataforma está em disputa de sentidos e é preciso formular políticas públicas sem cair em um tecnosolucionismo. Também reforçou que o termo cooperativismo de plataforma deve ser encarado como um ponto de partida e não tentar ser importado ou tropicalizado de um contexto de Norte Global. Assim, defendeu um marco mais amplo que vá além de plataforma e de cooperativas estrito senso para pensar em tecnologias de propriedade de trabalhadores. Rafael também apresentou algumas propostas presentes no texto Trabalho decente em plataformas digitais: agenda urgente de um governo democrático, em coautoria com Jonas Valente.
As falas que seguiram enfatizaram a disputa de sentidos do cooperativismo de plataforma. Mauricio Pedroso Flores, da Unisinos, questionou se devemos continuar usando o termo e defendeu uma conexão maior com a economia solidária. Carlos Schmidt, da UFRGS, defendeu o papel do Estado na garantia do cooperativismo de plataforma, não como algo formal, mas ligado às necessidades da população. Thiago Maeda, da CUT, enfatizou que a construção do cooperativismo de plataforma deve vir associada a quatro pontos centrais: direitos, meio ambiente, repensar o modelo econômico – inclusive de consumo – e democracia.
Joaquim Neto, da UFBA, fez uma defesa de outras epistemologias para o cooperativismo de plataforma. Miguel Vieira, da UFABC, ressaltou a importância do imaginário e das sensibilidades para construirmos outros mundos possíveis. Marília Veronese também lembrou a história do Rio Grande do Sul e da Unisinos com o cooperativismo. Aline Os, das Señoritas, lembrou dos felizes encontros que o evento proporcionou e a necessidade de continuarmos a construir práticas não-extrativas entre universidades e trabalhadores. Outras falas também destacaram como o seminário contribuiu para a construção de um sentimento de grupo entre os presentes. Rafael Grohmann encerrou o evento reafirmando o compromisso coletivo com esta agenda do cooperativismo de plataforma.
Em breve, o grupo presente lançará um manifesto sobre políticas públicas para o cooperativismo de plataforma no Brasil.
O evento presencial foi a conclusão de um ciclo que contou também com quatro encontros virtuais preparatórios, que podem ser vistos no Youtube do DigiLabour
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Fonte: DigiLabour
Data original de publicação: 28/06/2022