“Tem que votar no candidato do patrão”: trabalhadores denunciam empresários pró-Bolsonaro

Foto: TSE

Por Clarissa Levy e José Cícero | Agência Pública

“Você é doida de fazer isso? Lá na Usina eles demitem mesmo”, foi o alerta que uma funcionária da Usina Laguna ouviu de um amigo sobre expor seu posicionamento político aos colegas de trabalho. Eleitora de Lula (PT), a funcionária foi coagida por um supervisor da empresa a mudar de voto se não quisesse correr o risco de ser demitida. Uma gravação feita pela funcionária e obtida pela Agência Pública registra o momento em que o supervisor ordena: “apoie o candidato dos seus patrões”. 

A ameaça de demissão veio logo após a funcionária responder que não mudaria de posição para apoiar Jair Bolsonaro (PL) – opção escolhida pelos patrões, que doaram R$ 588 mil para a campanha do atual presidente. Ao ameaçá-la, o supervisor insinuou que a consequência de seu posicionamento chegaria no dia 25 de outubro. E chegou. A funcionária se negou a mudar seu voto e foi demitida na data indicada pelo supervisor. A reportagem tentou contato com a Usina Laguna por telefone e email mas não obteve retorno até a publicação. 

O coordenador alegou que o motivo da demissão era uma reestruturação na equipe de trabalho. À Pública, a funcionária afirma que não tem dúvidas de que o motivo foi sua posição política. Segundo fontes ouvidas, na Usina Laguna a pressão para os funcionários votarem em Bolsonaro tem sido constante. O caso é uma das mais de 340 denúncias de assédio eleitoral mapeadas pela reportagem. 

No segundo turno, os casos de assédio eleitoral em locais de trabalho dispararam. O Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 1.850 denúncias relativas a casos de funcionários sendo coagidos em 1.440 empresas, segundo dados de 27 de outubro. O volume das denúncias bateu recorde e já é mais de sete vezes o registrado em 2018. No Senado, foi aprovado um requerimento para instalação da CPI do Assédio Eleitoral que deverá apurar os casos – até o fechamento desta matéria os senadores aguardavam parecer da advocacia da casa para instaurar a comissão que deverá iniciar os trabalhos após o segundo turno. 

A Pública levantou e verificou 150 empresas que estão sendo investigadas pelo MPT por cometer as infrações. O perfil varia: desde pequenos comércios, clínicas médicas e supermercados a grandes empresas do setor industrial, agrícola e de comunicação. Algumas têm entre seus sócios e proprietários grandes doadores de campanhas políticas, que financiaram candidaturas como a de Jair Bolsonaro (PL) e do vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos).

Adriane Reis de Araújo, procuradora que está à frente do combate ao assédio eleitoral no MPT, explicou à Pública que a emissão de recomendações para empresas e prefeituras investigadas é uma das ações iniciais que têm sido tomadas com objetivo de interromper rapidamente os assédios. O descumprimento da recomendação pode resultar em termos de ajustamento de conduta ou no ajuizamento de ação civil pública contra as empresas investigadas. “Em caso de ações civis, a regra é que será estabelecido para a empresa o pagamento de indenização por danos morais coletivos”, diz. Considera-se assédio eleitoral quando os empregadores coagem, ameaçam e prometem benefícios para que seus funcionários votem ou deixem de votar em determinadas pessoas. A prática pode configurar crime eleitoral, trabalhista e comum. Nestas eleições, denúncias de assédio eleitoral podem ser feitas ao Ministério Público Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral e centrais sindicais. 

Usina Laguna: denúncia de assédio e R$ 588 mil doados para Bolsonaro
“Eu rachei de rir deles”, debochou uma funcionária da Usina Laguna sobre o dia em que seus colegas de trabalho eleitores de Lula (PT) foram obrigados a participar de uma carreata de apoio ao candidato Jair Bolsonaro (PL), durante o expediente. De acordo com as fontes, no dia 15 de outubro, supervisores da Usina Laguna forçaram todos os funcionários que estavam de plantão a fazerem volume em um ato pró-Bolsonaro organizado no município de Taquarussu, no Mato Grosso do Sul.

A Pública tentou contato com a Usina Laguna por telefones e email e não e recebeu retorno até a publicação. O espaço permanece aberto.

A Pública acessou prints de mensagens trocadas em que funcionários da empresa que apoiam Bolsonaro debocham dos colegas que teriam sido forçados a participar do ato. Vídeos registraram os funcionários dirigindo os caminhões da empresa adesivados com propaganda de Bolsonaro durante a carreata. Depois da manifestação, a empresa pagou rodadas de cerveja para todos os funcionários, de acordo com as fontes ouvidas.

Reprodução
A família proprietária da Usina Laguna e seus sócios doaram R$ 588 mil para a campanha de Jair Bolsonaro (PL). O valor foi distribuído em repasses feitos por oito sócios da empresa. Romildo Carvalho Cunha, dono do CPF que doou a maior quantia, está entre os 350 maiores doadores de campanhas eleitorais em 2022.

Os empresários da Usina também financiaram campanhas do candidato a governador do estado de Mato Grosso do Sul, Eduardo Reidel (PSDB), com R$ 168 mil. Também doaram R$ 50 mil ao candidato Antônio Denarium (PP), reeleito governador em Roraima.

Localizada no sudeste do estado de Mato Grosso do Sul, a usina planta e beneficia cana de açúcar empregando cerca de 600 funcionários, que em sua maioria moram nos pequenos municípios rurais próximos à usina.

“Aqui a maioria das famílias das cidades depende da usina, então quando os supervisores ameaçam que a empresa vai fechar se o Lula ganhar, as pessoas ficam com medo de passar fome de verdade”, contou à Pública uma pessoa que trabalha na empresa. Segundo as fontes ouvidas, a pressão para funcionários votarem em Bolsonaro aumentou no segundo turno.

“Antes era mais piadinha, deboche e adesivos do candidato Bolsonaro colados nos carros e caminhões da empresa”, contou uma das fontes. “Mas no segundo turno começaram a pressionar mesmo, com supervisores puxando os poucos apoiadores do Lula que restam para conversar e ameaçar de demissão”, relata. As fontes afirmam que supervisores de vários setores da empresa – da lavoura ao escritório administrativo – conversaram com subordinados defendendo o voto em Bolsonaro, em uma ação coordenada.

Até o fechamento da matéria, não havia registro de procedimento ou investigação do Ministério Público do Mato Grosso do Sul sobre o caso.

Investigada: afiliadas da TV Record
Em 14 de outubro, o MPT emitiu uma recomendação advertindo a maior afiliada da TV Record, a RIC TV, a não assediar eleitoralmente seus funcionários e não utilizar dados de seus empregados para fins eleitorais no estado do Paraná. O MPT investiga a filial da TV após ter recebido a denúncia de que uma funcionária da empresa recebeu em sua residência uma correspondência da candidatura do Deputado Estadual Paulo Gomes (PP) pedindo votos. O texto, assinado pelo candidato e apresentador do programa Cidade Alerta no estado, diz “assim como você, faço parte dos colaboradores do Grupo Ric”.

Reprodução
A funcionária que denunciou afirma não ter autorizado a empresa fornecer seus dados pessoais para fins eleitorais. O MPT está investigando o caso. 

Ainda no Paraná, o Grupo Ric está sendo investigado por outro caso de assédio eleitoral, que teria ocorrido na sucursal de Londrina ainda no primeiro turno das eleições. Uma investigação foi aberta pela denúncia de que Carol Romani, jornalista do grupo, teria sido demitida da emissora após usar uma camiseta vermelha durante a apresentação de seu quadro na TV. 

À reportagem, o Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná (SindJor) informou que o Grupo Ric, dono da RIC TV, teria proibido os apresentadores da emissora de aparecerem ao vivo com roupas nas cores vermelho e bordô. Romani foi demitida um dia após a orientação sobre vestuário ter sido divulgada internamente na empresa. O caso da jornalista tem sido considerado um exemplo claro de assédio eleitoral pelo SindJor e pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). À Pública, o MPT informou que a investigação ainda está na etapa de preparação de procedimento e ainda não há audiências marcadas. Para Romani, que soube de sua demissão praticamente quando estava entrando no ar, no dia seguinte ao que usou a blusa vermelha, o motivo de sua demissão foi político. 

A Pública buscou contato com a afiliada da Record que respondeu sobre o caso de Carol Romani, via nota: “Assim como já verificado pelo próprio MPT não há de se falar na absurda e leviana acusação de assédio eleitoral por parte da emissora. A acusação deriva de um momento de acirramento político, sem, contudo, lastrear-se na realidade dos acontecimentos. Em relação à denúncia de propaganda eleitoral e vazamento de dados pessoais, a assessoria do grupo declarou: “o Grupo Ric em nenhum momento forneceu quaisquer dados pessoais de seus empregados, fornecedores, prestadores de serviço e/ou de qualquer pessoa física ou jurídica que tenha correlação à cadeia produtiva inerente ao objeto empresarial do Grupo para quaisquer fins, sobretudo para fins eleitorais.”

Grupo Colorado: denúncia de assédio para eleger pastor Feliciano e Bolsonaro
O grupo Colorado, um dos maiores grupos brasileiros do setor agroindustrial, está sendo investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no segundo turno dessas eleições. Ao menos duas denúncias de assédio eleitoral foram feitas por funcionários da Usina Colorado, uma das principais empresas do grupo. “A ordem na empresa no primeiro turno foi votar no Bolsonaro e no pastor Marco Feliciano. Quem brincou com o número 13 perdeu o emprego!”, denunciou um empregado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) na semana de 16 de outubro. A reportagem procurou por email e telefone o Grupo Colorado e não obteve retorno até a publicação. 

O MPT abriu um procedimento investigatório que ainda está na etapa de preparação. Segundo apuração da Pública, os relatos de assédio eleitoral foram enviados por funcionários de duas unidades diferentes da empresa, localizadas nos municípios de Guaíra e Miguelópolis, interior de São Paulo. Nas duas localidades, as denúncias que chegaram à CUT apontam que representantes da Colorado teriam assediado funcionários dizendo que quem não votasse no Bolsonaro e no pastor Feliciano teria problemas na empresa. 

Em um vídeo, que exibe o logotipo do grupo Colorado, Jair Bolsonaro aparece ao lado do pastor Marco Feliciano agradecendo a sócios e diretores do grupo. “Estamos juntos, o Brasil é nosso”, diz Bolsonaro. Em seguida, Feliciano pede votos para o presidente e o vídeo termina com a marca da campanha de Bolsonaro logo abaixo do logotipo do grupo Colorado. O vídeo foi postado no Instagram em 14 de outubro por Josimara Mendonça, uma das herdeiras da empresa e membro do conselho de administração da holding. 

Sócia do grupo investigado por assédio eleitoral, Josimara figura entre os 500 maiores doadores de campanhas eleitorais em 2022. A empresária doou R$ 207 mil para candidatos, tendo enviado a maior quantia ao candidato Jair Bolsonaro (PL). No segundo turno, Josimara e seu irmão, Marcelo Mendonça, também sócio na empresa, transferiram juntos R$ 201 mil para a campanha do atual presidente.

Além dos irmãos Mendonça, a Pública apurou que José Odemir Spaggiari, que já foi diretor da empresa, doou R$ 40 mil para a campanha de Bolsonaro e R$ 10 mil para a campanha de Tarcísio de Freitas, candidato ao governo de São Paulo. 

O grupo Colorado possui usinas de beneficiamento de cana de açúcar, lavouras de soja e milho, além de fazendas de criação de gado em propriedades que se espalham por regiões dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Pará, Goiás e Mato Grosso. A Pública procurou a holding mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem. 

Clique aqui e leia a reportagem completa

Fonte: Agência Pública

Data original de publicação: 27/10/2022

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