Temporalis, v. 23 n. 45 (2023): Capitalismo dependente, trabalho e resistências populares.
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Foto: Divulgação
Por Josiane Soares Santos, Loiva Mara de Oliveira Machado, Rodrigo Teixeira e Tatiana Brettas | Revista Temporalis
Editorial
O ano de 2023 teve início com o tema do trabalho ganhando ampla projeção e recebendo destaque na grande mídia corporativa. Nos três primeiros meses do ano foram muitas as notícias sobre pessoas que trabalhavam em condições análogas a escravidão. Ao todo, 918 trabalhadores foram resgatados pelos auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, o maior número nos últimos 15 anos. Em relação a esse mesmo período de 2022, o quantitativo representa um aumento de 124% (SALATI, 2023).
Dentre os casos relatados, o que ganhou maior repercussão envolveu 207 trabalhadores contratados durante a safra da uva para trabalhar em fazendas no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul (RS). A empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviços para grandes vinícolas da região – como a Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton – é acusada de submeter os trabalhadores a condições degradantes e permeadas por diversas agressões, como espancamentos, choques elétricos, tiros de bala de borracha e ataques com spray de pimenta (SALATI, 2023). Há denúncias também de tráfico de pessoas, tendo em vista que grande parte desses trabalhadores foram aliciados na Bahia com informações falsas sobre as condições de trabalho e, ao chegarem no RS, se viram submetidos à servidão por dívida (ROSA; FOSTER, 2023).
Os resultados da força-tarefa do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram que este tipo de vínculo de trabalho está longe de ser algo restrito ao período remoto da escravidão. Não se trata de resquícios do passado, menos ainda de uma situação anacrônica ou incompatível com o capitalismo. Como é possível observar nas idas e vindas do contraditório processo histórico, a generalização e o aprofundamento das relações capitalistas não superaram as condições degradantes de trabalho, apenas produziram sua atualização, incorporando novas determinações. A compreensão das formas que assume a assim chamada escravidão contemporânea impõe a necessidade de observar o movimento desigual de desenvolvimento do modo de produção capitalista, bem como as particularidades do capitalismo dependente, como aponta Marcela Soares (2022), autora de um dos artigos dessa edição e do livro Escravidão e dependência: opressões e superexploração da força de trabalho brasileira, publicado em 2022 pela editora Lutas anticapital.
No mês de maio, outro caso viralizou nas redes sociais para não deixar dúvidas de que, mesmo no emprego formal, condições humilhantes e degradantes marcam presença. O trabalhador de um quiosque do Burguer King em Sergipe fez um vídeo, enquanto urinava nas próprias calças, relatando ser impedido de ir ao banheiro durante o horário de trabalho (SILVA, 2023). Chama a atenção esta situação desumana, em especial pelo fato da rede de fast food ser controlada pela 3G Capital, um fundo de investimentos que tem um trio decariocas como sócios-fundadores – Jorge Paulo Lemann, Marcel Herman Telles e Carlos Alberto Sicupira –, os quais figuram entre os 5 homens mais ricos do Brasil, segundo a revista Forbes (ERTEL, 2022). A 3G Capital, instituição financeira por muitos anos considerada um grande exemplo de sucesso a ser seguido por suas estratégias arrojadas e metas agressivas de corte de custos dedicadas às empresas que comprava, pode ser
considerada uma ilustração bastante didática da relação entre o grande capital financeiro financeirizado1 e os processos de superexploração da força de trabalho.
Recentemente, a 3G também se destacou na grande mídia por ser a controladora da Americanas, empresa que protagoniza a 4ª maior recuperação judicial da história do país depois de denúncias de fraudes que escondiam um rombo de, ao menos, R$20 bilhões em seus balanços (DESIDÉRIO, 2023). Ao passo que a contabilidade da empresa apresentava um resultado bem mais favorável do que o existente de fato, a Americanas pagava dividendos recordes a seus acionistas. O montante de R$ 333,2 milhões pagos até setembro de 2022 foi “o maior valor já distribuído pela empresa nos últimos dez anos, e é maior que o pago por concorrentes diretas. O pagamento foi feito antes da revelação da dívida de R$ 40 bilhões e do rombo contábil de R$20 bilhões” (CUNHA, 2023). Também é esse um caso bastante ilustrativo de como o processo de financeirização vem contribuindo para alavancar as margens de rentabilidade das grandes empresas e, também, das contradições que esse caminho leva para a própria continuidade dos mecanismos de apropriação do mais valor. Percebe-se, assim, a íntima e secreta ligação orgânica entre finanças e produção, por mais que tais esferas do capital aparentem estar dissociadas. Foi pensando em abarcar a problemática da relação entre capital e trabalho na atualidade que, no número 45 da Temporalis, o comitê editorial e a direção nacional da ABEPSS convocaram pesquisadoras e pesquisadores para debater o tema Capitalismo dependente, trabalho e resistências populares. Como nos ensina Octavio Ianni (1974, p. 143, grifo do autor): “a análise objetiva da problemática envolvida no conceito de dependência implica uma importante reversão de expectativas. Não se trata mais de examinar as relações externas de um país, ou as relações de tipo imperialista, apenas enquanto relações externas”. E complementa o sociólogo paulista:
a análise passa a realizar-se a partir da perspectiva do país subordinado. Em consequência, as investigações precisam estudar, necessariamente, tanto as relações clássicas de tipo imperialista como as manifestações internas (econômicas, políticas, militares, culturais) dessas mesmas relações. Portanto, trata-se de uma reversão de perspectivas que traz consigo novas possibilidades de explicação da problemática dos países da América Latina, África e Asia (IANNI, 1974, p. 143).
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Fonte: Revista Temporalis
Data original de publicação: 01/07/2023