Trabalhadores de tecnologia podem se organizar para se empoderar
Por Aaron Petcoff e Ben Tarnoff | Jacobin Brasil
Tradução: Victor Wolffenbuttel e Rafael Grohmann
Os trabalhadores de tecnologia ocupam uma posição contraditória na atual estrutura de classe. Por um lado, muitos são bem pagos e se identificam tanto como profissionais liberais quanto com os patrões. Por outro, os aspectos proletarizados de seu trabalho podem oferecer oportunidades a serem aproveitadas para se organizarem como trabalhadores – sendo a linha de frente mais forte contra a ameaça representada pelas grandes empresas de tecnologia.
Enquanto a pandemia de COVID-19 devastava a economia dos Estados Unidos, a indústria de tecnologia continuou sendo seu setor mais lucrativo. Ao mesmo tempo que as instituições governamentais respondiam desajeitadamente à crise, as empresas de tecnologia, grandes e pequenas, ofereciam conveniência aos consumidores e aos empregadores da mesma maneira. As empresas de tecnologia continuaram a ampliar seu alcance às nossas vidas no trabalho e em casa.
No entanto, há um fio de esperança se considerarmos o progresso contínuo que os trabalhadores de tecnologia fizeram ao longo do ano passado ao se organizarem para colocar em cheque os fundadores do Vale do Silício. O projeto de pesquisa Collective Action in Tech [Ação Coletiva em Tecnologia] documentou mais de cem ações em ambiente de trabalho somente em 2020, apesar da interrupção de uma pandemia global, juntamente com uma infinidade de desafios preexistentes.
O rápido crescimento desse movimento em alguns anos superou muito as expectativas, até mesmo dos organizadores e ativistas mais esperançosos. O desencanto com o princípio supostamente nobre de “não fazer o mal” alimentou protestos de alto nível contra a falência moral dos empregadores de tecnologia, que por sua vez deu lugar a um maior ceticismo e raiva em relação a uma cultura de trabalho frequentemente exploradora e discriminatória.
Em 2018, a greve global de mais de 20 mil funcionários do Google contra assédio sexual elevou as aspirações do movimento e demonstrou que a organização na indústria de tecnologia é possível. Também atraiu o olhar atento de grandes empregadores da indústria de tecnologia. No início de dezembro, o National Labor Relations Board (NLRB) [Conselho Nacional de Relaçõs Trabalhistas] entrou com uma queixa contra o Google, após determinar que a empresa espionava seus funcionários e retaliava aqueles que se organizavam.
Grande parte da organização que ocorreu na indústria de tecnologia ocorreu por meio de redes informais, fora do movimento sindical oficial. Mas o sucesso dos trabalhadores do Kickstarter e da start-up Glitch em garantir o reconhecimento sindical mostrou que os sindicatos têm um papel importante a desempenhar, tanto no fornecimento de uma base legal para a negociação coletiva, quanto no fornecimento de valiosos recursos de organização – mais notavelmente, a experiência prática. Mais recentemente, os empregados do Google formaram o Alphabet Workers Union (Sindicato dos Trabalhadores da Alphabet), uma associação para fortalecer ações coletivas dentro da empresa.
Embora a densidade sindical nos Estados Unidos em todos os setores seja extremamente baixa, a indústria de tecnologia tem um histórico de sucesso único em evitar sindicatos. Poucos trabalhadores nesta indústria têm qualquer experiência com o movimento trabalhista ou as habilidades básicas de organização do local de trabalho necessárias para construir o poder no chão de fábrica.
O que o movimento conquistou até aqui já marca uma virada significativa na história da indústria de tecnologia. Mas existem desafios significativos para sustentar e estender essas conquistas. Uma questão persistente tem sido como atrair para o movimento mais trabalhadores de “colarinho branco” da indústria, que muitas vezes recebem salários significativamente mais altos e desfrutam de muitas outras vantagens por possuir conhecimento técnico em áreas de alta demanda, enquanto elimina a divisão entre esses trabalhadores e aqueles em camadas menos favorecidas da indústria.
Relatamos abaixo um diálogo entre Aaron Petcoff, um trabalhador de tecnologia na cidade de Nova York, e Ben Tarnoff, também trabalhador de tecnologia e editor e fundador da revista Logic, onde eles exploram a história do movimento da classe trabalhadora da indústria de tecnologia até agora, pensando em seu futuro.
Aaron Petcoff:
Me preparando para esta conversa sobre a estrutura das classes na indústria de tecnologia, me deparei com este trecho, que abre um breve relato da história do sindicalismo na engenharia, publicado em 1969:
Seriam os engenheiros especialistas que se identificam com a gestão e consideram o sindicalismo e a negociação coletiva desagradáveis e prejudiciais à sua posição e imagem profissionais? Ou são funcionários que, independentemente da natureza de seu trabalho, compartilham problemas comuns que provavelmente só resolverão combinando sua força econômica? Essas questões elementares, juntamente com a relação dos engenheiros organizados com os técnicos e operários da produção e o uso da greve como arma, têm atormentado a organização dos engenheiros… desde que o movimento apareceu.
Me impressionou como isso expressava de perto o escopo de nossa discussão, apesar de ter sido publicado há mais de meio século. Também reforçou o fato de que, embora o movimento dos trabalhadores de tecnologia tenha apenas alguns anos, já existe uma história útil que podemos estudar para ajudar a fundamentar nosso trabalho atual.
Você e eu começamos a debater este assunto depois que você falou em uma reunião da Tech Workers Coalition sobre o artigo da revista Logic, “A Construção do Movimento dos Trabalhadores de Tecnologia“. Nele, você coloca muitas das mesmas questões levantadas no trecho acima. Para te ajudar a encontrar uma resposta no panfleto, você se baseia em alguns trabalhos anteriores de escritores como Barbara Ehrenreich, Erik Olin Wright e outros.
Vamos começar explorando por que essas questões específicas são tão urgentes e importantes na prática, e o que a história e a teoria política podem trazer para a mesa.
Ben Tarnoff:
A passagem que você citou apresenta a seguinte questão: como se deve entender a posição social dos trabalhadores assalariados não manuais, aqueles que normalmente chamamos de “colarinho branco” ou “especialistas”? Nas sociedades capitalistas avançadas, esses trabalhadores constituem uma parcela significativa da força de trabalho. E eles realizam muitos tipos de trabalhos diferentes: incluem engenheiros de software, é claro, mas também professores, enfermeiras, advogados, jornalistas.
Qual é a experiência de classe deles? Como esses trabalhadores se classificam?
Esta pergunta é muito antiga. Os teóricos marxistas têm se debruçado sobre ela desde o final do século XIX, quando os trabalhadores de colarinho branco começaram a se proliferar, com a consolidação da corporação e o surgimento da administração moderna. Em termos gerais, os marxistas chegaram a duas conclusões diferentes.
A primeira é que esses trabalhadores podem ser absorvidos pelas categorias de classe marxistas já existentes. Assim, André Gorz descreve esta camada como “a nova classe trabalhadora”, enquanto Nicos Poulantzas fala sobre “a nova pequena burguesia”. A segunda é que esses trabalhadores representam uma nova categoria de classe – por exemplo, a “classe gerencial-profissional” de Bárbara e John Ehrenreich.
Ao estudar este debate, não é exatamente útil ver uma intervenção ou outra como “certa” ou “errada”. Elas derivam de conjunturas específicas e devem ser colocados dentro de seu contexto. A classe é um processo. As classes estão sendo continuamente refeitas e desfeitas ao longo do desenvolvimento capitalista. Os Ehrenreichs, Gorz, Poulantzas e outros teóricos estavam observando momentos particulares nesse processo. Podemos então explorar suas ideias em busca de insights que possam nos ajudar a dar sentido aos processos contemporâneos de formação de classes, mas temos que fazer a maior parte do trabalho nós mesmos, porque nosso momento é diferente do deles.
Agora, por que isso funciona? Por que isso importa? A razão pela qual os marxistas passaram mais de um século tentando teorizar o que podemos chamar de camadas médias é porque sempre houveram apostas estratégicas no debate. Existem escolhas políticas importantes que dependem da questão de como entender a relação entre aqueles que estão na classe média e a classe trabalhadora, e de que forma esta classe intermediária pode desempenhar um papel em um projeto socialista.
Eu diria que há duas razões principais para adotar essa linha de investigação agora. A primeira é que alguns membros das camadas médias têm se tornado cada vez mais militantes nos últimos anos. Professoras e enfermeiras abriram o caminho, embora muitos desses indivíduos sejam mais apropriadamente descritos como classe trabalhadora. Mas outros setores dessas camadas médias obtiveram vitórias significativas na organização, como trabalhadores de mídias digitais e estudantes de pós-graduação. E a indústria de tecnologia tem visto uma onda sem precedentes de mobilização de base.
A segunda razão é que um número surpreendente de membros mais jovens e mais frágeis das camadas médias se tornaram socialistas. Eles não são os únicos e tendem a ser super-representados nas reportagens da grande mídia sobre os novos movimentos de esquerda. Mas eles contribuíram para o renascimento das idéias radicais e o crescimento da organização socialista. Somados, esses dois movimentos sugerem que algo interessante está acontecendo com a dinâmica de classe dos trabalhadores que tradicionalmente foram considerados de colarinho branco ou especialistas.
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Fonte: Jacobin Brasil
Data original de publicação: 20/04/2022