“Troco trabalho por comida”: sem renda, elas fazem faxina por arroz e feijão

Imagem: Unsplash

Por Luiza Souto | Universa UOL

“Silvia* trabalhou como diarista durante 20 dos seus 56 anos. Separada, com dois filhos desempregados e um neto de sete anos morando com ela, viu-se sem emprego desde o início da quarentena decretada por causa do novo coronavírus. Ao ver a comida da casa por acabar, a moradora de Pacajus, a cerca de 50 quilômetros de Fortaleza, escreveu numa página de empregos no Facebook.

“Quem estiver precisando de uma boa organização, ou para cozinhar, lavar, cozinhar, nos chame, ou troco por alimentos como leite, arroz, feijão, ovos, porque as nossas compras estão chegando a zero, e estou muito preocupada.”

Universa localizou em redes sociais pelo menos mais seis publicações parecidas com a de Silvia, em que mulheres oferecem serviços domésticos em troca de comida.

Silvia, que pediu para ter sua identidade preservada, concorda que não deveria propor trocar trabalho por comida. Seu serviço deveria ser remunerado.

Mas, quando questionada sobre os motivos que levaram-na a fazer isso, devolve outra pergunta: “Que opção eu tenho? Moro em uma cidade pequena, longe de Fortaleza, onde teria mais oportunidade de trabalho. Lá, a diária custa R$ 100, mas gastaria cerca de R$ 40 só de passagem. Aqui eu faxino o dia inteiro e, quando termino, me dão arroz, feijão, fralda, leite. E tem umas pessoas que dão mais R$ 20”, justifica ela, que recebeu duas parcelas do auxílio emergencial do governo, no valor de R$ 600 cada um, mas precisou usar o dinheiro para fazer dois exames.

(…)

Condição análoga à de escravidão:
A promotora Adriana Reis Araújo, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo e coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades, que atua no combate à exclusão social e à discriminação no trabalho, através de campanhas e ações, avisa que qualquer pessoa que aceitar empregar alguém em troca de comida pode ser processada.

“A gente não pode pensar numa situação tão degradante onde está se trocando o tempo de trabalho por comida. Isso é condição de trabalho análoga à escravidão. O trabalho tem que ser remunerado de forma digna. Para isso, existe o salário mínimo, previsto em lei. Esse é o parâmetro básico”, explica Adriana. (…)

Reportagem do blog Mulherias, de Universa, alertou para o fato de o trabalho doméstico ser uma mão de obra não qualificada e que paga muito mal. Quem tem a sorte de ter a carteira assinada recebe em média R$ 1.269. Em tempos de coronavírus, diz o texto, novos desafios foram colocados à mesa para as 6,356 milhões de trabalhadoras domésticas — tratadas aqui no feminino porque são 97% desse total, a partir de dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), de novembro de 2019. Entre essas, mais de 72% não têm contrato, direitos trabalhistas nem remuneração garantida.

É nesse cenário de informalidade recorde e muita incerteza que as trabalhadoras domésticas enfrentam a covid-19. O presidente do Instituto Doméstica Legal, que oferece serviços de departamento pessoal e consultoria jurídica a empregadores e trabalhadores domésticos, Mario Avelino, diz a Universa que consegue compreender o desespero das mulheres que trocam o trabalho por comida, mas faz um alerta a quem se vale da condição em que elas se encontram para tirar proveito da situação. “Não é ético um contratante pagar com comida, material de higiene ou roupas o serviço profissional de alguém. O valor em dinheiro do preço de uma diária é um acordo entre contratante e contratado. Que o trabalho seja feito e o preço combinado. Se esse trabalho for prestado de maneira contínua e não houver registro, configura uma relação de emprego e é ilegal. Manter alguém trabalhando diariamente ou três vezes por semana sem os direitos trabalhistas, pagando com um prato de comida ou uma cesta básica pode ser considerado trabalho escravo.” (…)

Clique aqui e confira a reportagem completa

Fonte: Universa UOL

Data original da publicação: 10/07/2020

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