Uma ontologia da desigualdade

Fonte: Yakup Polat | Acervo A Terra é redonda
Explorando os desafios da sustentabilidade – uma análise detalhada sobre as barreiras e oportunidades na busca por um futuro sustentável
Por José Micaelson Lacerda Morais | A Terra é redonda
A desigualdade econômica, simbólica, temporal e corporal, que atravessa todas as formações sociais conhecidas, costuma ser tratada como um fenômeno histórico, ou seja, contingente e, em princípio, reversível. Assim, atribui-se a sua persistência a instituições injustas, heranças coloniais, estruturas patriarcais ou políticas públicas mal desenhadas. Essa perspectiva sustenta, com razão, projetos políticos transformadores, baseados na denúncia e na correção das assimetrias. No entanto, há nela uma limitação fundamental: a suposição de que a desigualdade é um desvio da norma, e não uma norma que se disfarça de desvio.
Este artigo propõe, ao contrário, que a desigualdade é estrutural, não apenas no sentido marxista de sua inscrição nas formas de produção e dominação, mas ontológica poque emerge como condição de possibilidade da própria vida social. A desigualdade é aquilo que torna possível certa ordem, certa estabilidade, certa continuidade histórica. Ela organiza o tempo social, estabelece fronteiras entre indivíduos, institui funções e distribui ansiedades.
No centro dessa ontologia está o tempo. O tempo não apenas como medida abstrata, mas como experiência situada da existência humana: finita, vulnerável, imprevisível (no sentido da incerteza keynesiana). O tempo do outro, quando apropriado, torna-se o recurso mais valioso. O trabalho, entendido como a entrega de tempo ao mundo exterior, é a principal forma de mediação dessa apropriação. Desde os primeiros registros históricos, a sociedade se organiza pela partilha assimétrica do tempo: há quem ordene e há quem execute, quem possa adiar a morte e quem tenha que sobreviver ao dia.
O tempo apropriado funda a desigualdade. A domesticação dos animais e das plantas, o surgimento da propriedade privada, a separação entre saber e fazer, o controle sobre o corpo feminino, a escravização, o colonialismo e o capitalismo são expressões sucessivas dessa mesma lógica: a gestão assimétrica da temporalidade. Cada salto histórico desloca e reinventa os meios dessa apropriação, mas mantém o seu núcleo: expropriar o tempo do outro para estender a própria existência.
Seria, então, a desigualdade natural? Não. A afirmação de sua dimensão ontológica não equivale à sua naturalização. Antes, trata-se de reconhecê-la como produto de uma tensão constitutiva entre a condição existencial humana − marcada pela finitude, pela incerteza, pela limitação cognitiva, pela escassez −, e os modos historicamente produzidos para gerir essa condição. Em termos dialéticos: a desigualdade é histórica, porque se inscreve em relações concretas de produção, poder e linguagem, que variam no tempo e podem ser transformadas; mas, é também ontológica porque responde a uma estrutura existencial inescapável. A história, portanto, é o teatro da desigualdade, mas a sua origem está em uma dimensão mais profunda: na tentativa permanente de superar a fragilidade por meio da mediação do outro; um mecanismo de projeção da angústia sobre corpos, classes, gêneros, raças.
O capitalismo moderno, sobretudo em sua fase financeirizada e digital, exacerbou essa lógica ao extremo. A racionalidade do capital consiste em converter o tempo dos outros em valor próprio, estendendo-se para além dos limites físicos do corpo. Com algoritmos, vigilância, endividamento e hiperconectividade, o capitalismo transforma o tempo futuro em ativo presente, colonizando subjetividades antes mesmo que possam agir.
A desigualdade hoje é automatizada, antecipada, performada em escala global, através de redes que distribuem o tempo e o sofrimento com eficiência sem precedentes. Assim, o tempo de muitos é comprimido, fragmentado, monetizado. Enquanto poucos acumulam experiências, decisões, lazer e expectativa de vida, a maioria vive uma existência expropriada, cronometrada e exausta. A desigualdade, nesse cenário, deixa de ser apenas um efeito do sistema, ela é o sistema.
Se a desigualdade é também ontológica, a superação de suas formas históricas não pode ser meramente redistributiva. Não basta redistribuir bens ou rendas: é preciso reinventar o sentido do tempo e do estar-junto. Uma sociedade igualitária não será aquela que apenas equilibre os recursos materiais, mas aquela que reconheça o tempo de cada um como finito, sagrado e inapropriável. Trata-se, então, de propor não uma utopia igualitarista baseada na negação da diferença, mas uma ética radical do tempo: onde nenhum ser humano possa se expandir às custas da compressão do outro; onde a liberdade de um não dependa da servidão do próximo; onde o sofrimento não seja socialmente delegado aos corpos historicamente marcados pela dominação.
A desigualdade começa em casa – a dialética da intimidade
A família é frequentemente concebida como um espaço natural de proteção, afeto e pertencimento. No entanto, essa imagem tende a obscurecer suas ambivalências mais profundas. Do ponto de vista dialético, a família é uma instituição contraditória, pois ela é, ao mesmo tempo, espaço de cuidado e de expropriação, de afeto e de alienação.
As relações familiares estão atravessadas por forças sociais desiguais, como gênero, classe e geração, mas essas desigualdades são muitas vezes dissimuladas sob a aparência da “naturalidade” do afeto. A ideologia da família como “abrigo” esconde o fato de que, com frequência, ela reproduz desigualdades naturalizadas: a mãe que cuida e não descansa; o pai que trabalha e não convive; os filhos que consomem, mas não produzem; os idosos que dependem e são esquecidos. As funções sociais são, assim, rigidamente impostas, ainda que encenadas como expressão natural da vida familiar e ocultadas sob o manto da espontaneidade.
Dessa forma, a desigualdade doméstica não é percebida como violência, mas como estrutura moral. A sobrecarga de um é compensada pela “gratidão” do outro; a renúncia pessoal é reconfigurada como “prova de amor”. Como resultado, a estrutura da economia afetiva familiar mimetiza a lógica da exploração invisível própria do capitalismo: apropriação do tempo alheio sem retribuição proporcional.
Do ponto de vista ontológico, essa desigualdade tem como centro a distribuição assimétrica do tempo. Como vimos na reflexão anterior, o tempo é a matéria-prima da existência, e sua apropriação define os limites da liberdade, do prazer e da dignidade. No interior da família, o tempo não é distribuído de forma equitativa: geralmente as mulheres, especialmente mães, têm menos tempo livre, menos tempo para si, menos autonomia. Isso não é apenas resultado de escolhas individuais, mas de uma estrutura de expectativas sociais moldada historicamente.
Um estudo do FGV Ibre (PNAD-C/IBGE 2016–2022), que avalia a chamada “economia do cuidado”, confirma essa assimetria, apontando as mulheres dedicam quase o dobro de horas de afazeres domésticos e cuidados do que os homens; em média 21,3 horas por semana a esses trabalhos, enquanto eles dedicaram somente 11,1. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), conforme matéria da Agência Brasil, as desigualdades de gênero no trabalho doméstico não remunerado são agravadas pelas hierarquias raciais.
Entre as mulheres brasileiras, as pretas são as que mais realizam tarefas domésticas, com 92,7% delas envolvidas regularmente nesse tipo de trabalho, seguidas pelas mulheres pardas (91,9%) e brancas (90,5%). Embora o índice geral entre todas as mulheres seja elevado, esses números revelam uma sobrecarga ainda mais intensa entre as mulheres negras, resultado da interseção entre racismo estrutural e divisão sexual do trabalho. A persistência dessas desigualdades mostra que o trabalho reprodutivo, longe de ser igualmente distribuído, continua sendo atravessado por marcadores de classe, raça e gênero que estruturam a reprodução da desigualdade no cotidiano.
Nesse sentido, são elas as mais prejudicadas pela invisibilidade desse trabalho pela sociedade. Com essa atividade não remunerada elas contribuíram, se remuneradas, com até 65%, de um acréscimo 13 % do PIB brasileiro, se contabilizado, após 2016. Esses dados fundamentam a descrição da “jornada contínua” e da sobrecarga ontológica feminina, demonstrando como o tempo das mulheres, é apropriado sem reciprocidade, afetando diretamente a sua saúde, educação, lazer e autonomia financeira.
Como mostrou Michel Foucault (1987; 1999), as instituições modernas operam como dispositivos de disciplina e controle sobre os corpos e as condutas. A família, ainda que menos explorada diretamente por ele, pode ser compreendida como um desses dispositivos. Historicamente, ela atuou na reprodução da ordem social, na normalização da sexualidade, na vigilância da obediência e na interiorização da moral. No modelo patriarcal tradicional, essas funções eram visivelmente assimétricas: o homem exercia autoridade, a mulher era relegada à obediência e os filhos internalizavam papéis rígidos e normativos, condicionando o afeto ao desempenho esperado.
No capitalismo contemporâneo, especialmente no neoliberalismo, essa estrutura se transformou, mas não foi abolida. A família é, agora, convocada a funcionar como empresa emocional autônoma, responsável por suprir o que o Estado abandona: saúde, educação, cuidado, envelhecimento, acolhimento. Isso transforma a casa em unidade produtiva de sobrevivência social, onde o afeto vira recurso e o cuidado vira carga. E tudo isso sem remuneração, sem direitos, sem descanso.
Na dimensão econômica, essa desigualdade se acentua ainda mais com o processo de financeirização da vida. Mesmo famílias de classe média vivem sob pressão permanente do endividamento. Isso cria um paradoxo estrutural: o trabalho que deveria garantir segurança hipoteca o futuro, e a casa que deveria ser um espaço de alívio se torna extensão da lógica produtiva e financeira.
A ideologia da meritocracia familiar, segundo a qual “quem se esforça mais, merece mais”, opera como um dispositivo de legitimação das assimetrias dentro do lar. A sobrecarga, sobretudo feminina, é convertida em virtude moral, enquanto o desgaste emocional e físico se torna um indicativo de valor individual.
Nesse regime, a exaustão é exaltada como prova de compromisso, e não como sintoma de uma organização desigual do cuidado e da responsabilidade. Fracassos domésticos como divórcios, episódios de depressão ou situações de violência passam a ser interpretados como falhas morais ou emocionais dos indivíduos, em vez de reconhecidos como expressões de um modelo relacional estruturalmente insustentável, que exige entrega contínua sem garantias de reciprocidade ou reconhecimento.
Conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic/CNC, 2024), ao redor de 78,0% das famílias brasileiras declaravam-se endividadas em agosto de 2024. Além disso, 19,9% dessas famílias comprometem mais da metade de sua renda mensal com dívidas, e 34,2% mantêm dívidas por mais de um ano, criticamente longas para padrões domésticos normais. Esses indicadores revelam que a desigualdade não se expressa apenas na renda, mas na apropriação do tempo de vida, quando o tempo presente e futuro é sequestrado por promessas ilusórias de estabilidade.
A dívida torna-se, nesse sentido, uma forma contemporânea de escravidão temporal consentida, gerando condições subjetivas adversas: ansiedade, culpa, burnout, intensificação de tensões familiares e, em muitos casos, violência doméstica.
Como argumenta Silvia Federici, o lar cumpre função estrutural na economia capitalista, sustentando com trabalho invisível aquilo que se manifesta como produção visível. A família, enquanto espaço privado, acaba eximindo a sociedade de reconhecer e responsabilizar-se por essa base material da reprodução social. Enquanto não houver políticas públicas de cuidado que revertam essa invisibilidade, a estrutura familiar continuará a funcionar como local onde se esgota a possibilidade de justiça cotidiana (Fererici, 2017; 2018).
A utopia de uma convivência igualitária exige mais do que vontade, exige um novo imaginário da família, que não romantize o sacrifício, mas valorize o cuidado recíproco. Nesses termos, a desigualdade não se origina apenas do que o Estado não faz ou do que o mercado perverte. Ela nasce da forma como as pessoas vivem juntas e do que naturalizam nessa convivência. A crítica da desigualdade exige, assim, uma crítica radical da intimidade: do modo como o “amor” é organizado, da maneira como o tempo é doado, e do quanto se está disposto a olhar a família não como solução, mas como parte do problema.
As dimensões da desigualdade no trabalho: tempo, corpo, subjetividade e vida
Se há um campo em que a desigualdade adquire densidade concreta e efeitos palpáveis sobre a existência humana, esse campo é o do trabalho. Mas, reduzir tal desigualdade a variações salariais, postos precários ou indicadores de desemprego é ceder à superficialidade da estatística bruta, que mede efeitos, mas frequentemente obscurece causas.
O trabalho, como categoria histórica e ontológica, é o lugar em que a desigualdade se realiza em sua forma mais íntima: na expropriação do tempo, na sobrecarga do corpo, na erosão da subjetividade e na captura da própria vida. É, também, o campo em que se torna mais clara a lógica dialética da sociedade: o que sustenta a riqueza de uns é justamente o desgaste, o adoecimento e o empobrecimento de outros.
Historicamente, o trabalho foi mediado por formas assimétricas de apropriação. No mundo antigo, a escravidão eliminava qualquer distinção entre sujeito e objeto: o corpo do escravizado era pura força de trabalho, sem direitos, sem voz, sem tempo próprio. No feudalismo, o servo era preso à terra, tributário de uma lógica hereditária de submissão. No capitalismo, o vínculo entre trabalhador e produção foi reconfigurado sob a aparência da liberdade contratual.
Porém, essa liberdade é formal, e esconde o conteúdo de uma nova coerção: a venda forçada do tempo de vida para assegurar a própria sobrevivência. A liberdade de vender a força de trabalho é, para a maioria, a liberdade de não morrer de fome.
Karl Marx demonstrou, em sua crítica à economia política, que o lucro capitalista não se origina simplesmente da diferença entre o preço de venda e o custo de produção, como sugere o senso comum. A verdadeira fonte do lucro é o tempo de trabalho excedente, isto é, o tempo que o trabalhador dedica à produção além daquele necessário para reproduzir o valor de sua força de trabalho (salário).
Esse tempo excedente é apropriado pelo capitalista sob a forma de mais-valia. No capitalismo contemporâneo, essa lógica não apenas persiste, como se intensifica e se expande para além dos limites da fábrica: as novas formas de exploração operam 24 horas por dia, muitas vezes de maneira difusa, precarizada e digitalizada, como discutido anteriormente.
De acordo com a PNAD Contínua, em informativo da Agência IBGEnotícias, cerca de 39,2% dos trabalhadores brasileiros encontram-se na informalidade, parte relevante dos quais sem acesso a direitos básicos como aposentadoria, licença médica e férias remuneradas. Além disso, levantamento da ISMA‑BR (2023), revela que 32% apresentam sintomas compatíveis com síndrome de burnout.
Esses indicadores evidenciam que a desigualdade no trabalho ultrapassa a esfera salarial, pois compromete a saúde física e mental, fragmenta o tempo de existência e representa uma forma contemporânea da lógica de apropriação da vida no capitalismo.
O corpo do trabalhador é um corpo situado. Ele tem cor, gênero, idade. Ele adoece, envelhece, sofre. E a distribuição social do sofrimento não é aleatória: ela segue padrões históricos de dominação. A estrutura racializada do trabalho no Brasil é claramente evidenciada pela disparidade salarial entre grupos étnico-raciais. Em 2022, trabalhadores pretos e pardos obtiveram uma renda média de R$ 1.994,00, enquanto brancos registraram R$ 3.273,00, uma diferença de 64,2%.
Entre as mulheres negras, o quadro se agrava ainda mais. Esses dados confirmam que o patriarcado e o racismo não são meramente ideologias, mas tecnologias históricas que organizam de forma sistemática a desigualdade produtiva e reprodutiva no país.
No plano subjetivo, o neoliberalismo transformou o trabalhador em “empreendedor de si mesmo”. A liberdade agora exige performance constante, flexibilidade infinita e entusiasmo ininterrupto. A exigência de amar o que se faz tornou-se uma armadilha ideológica: se você sofre, é porque não se adaptou; se você fracassa, é porque não tentou o bastante. Assim, o sofrimento é privatizado, psicologizado, despolitizado. O capital não precisa mais de um capataz porque o próprio trabalhador se cobra, se vigia, se esgota.
Por isso, a desigualdade no trabalho não é apenas a desigualdade entre quem ganha mais ou menos, mas entre quem tem tempo e quem tem pressa, quem pode escolher e quem precisa aceitar, quem trabalha por prazer e quem só trabalha para sobreviver. Trata-se de uma desigualdade na margem de liberdade. Quem pode recusar uma oferta de trabalho? Quem pode parar de trabalhar por um tempo sem entrar em colapso financeiro? Quem pode simplesmente existir?
Sob esse ângulo, o trabalho é o espelho mais cruel da desigualdade porque lida com a única moeda irrecuperável da vida humana: o tempo. E, mais do que isso: o tempo encarnado, vivido, gasto no corpo e na mente de alguém. O trabalhador não troca apenas esforço por salário. Ele entrega horas da própria existência, abdica de desejos, posterga relações, sacrifica saúde, energia e tempo com os filhos. E o faz para sustentar um sistema que, frequentemente, lhe devolve apenas cansaço e medo.
Em síntese, a desigualdade no trabalho é a desigualdade no direito de viver com dignidade, com descanso, com reconhecimento. E ela não será superada por “meritocracias” individuais ou políticas compensatórias superficiais. Exige-se uma reorganização profunda da lógica de produção, redistribuição do tempo, valorização do cuidado e uma crítica radical à ideia de que o trabalho, em qualquer condição, é sempre redentor.
Porque o trabalho, enquanto mediado por relações de apropriação, continuará sendo o lugar privilegiado onde a desigualdade se instala, não apenas entre os indivíduos, mas dentro deles: entre aquilo que poderiam ser e aquilo que se tornam para sobreviver.
A desigualdade na universidade – o saber como capital e o capital como saber
A universidade, concebida historicamente como reduto da razão crítica, do pensamento livre e da construção de alternativas sociais, é também, e talvez cada vez mais, um espelho do mundo que a cerca. Em vez de funcionar exclusivamente como força de ruptura, ela frequentemente opera como dispositivo de continuidade, reproduzindo internamente as mesmas lógicas de valorização, exclusão e hierarquia que sustentam o capitalismo contemporâneo. Essa ambivalência funda uma contradição vital: a universidade que denuncia a desigualdade é a mesma que melhor a organiza.
A desigualdade universitária não se limita a diferenças salariais ou à precariedade de certos vínculos. Ela é estrutural, difusa, simbólica e ontológica. Está inscrita nos modos de ocupação do espaço (quem tem salas climatizadas e quem trabalha em áreas improvisadas), nas práticas cotidianas (quem é chamado pelo título e quem pelo nome próprio), nas formas de reconhecimento (quem publica em periódicos de alto impacto e quem sequer tem tempo para pesquisa), e nos regimes de visibilidade (quem aparece nas fotos institucionais e quem limpa os corredores onde essas fotos são feitas).
Como demonstrou Pierre Bourdieu (2007), o capital simbólico − entendido como prestígio, reputação, autoridade e reconhecimento institucional −, pode ser convertido em capital econômico, e vice‑versa. No meio acadêmico, títulos, publicações e reconhecimento profissional, se traduzem em financiamentos, bolsas, facilidades institucionais e poder de decisão. Assim, o capital simbólico e econômico, atuam num circuito autorreproduzido, sustentando a perpetuação das elites acadêmicas e validando hierarquias que aparentam ser neutras, mas que, na prática, reforçam relações estruturais de poder.
Do ponto de vista dialético, a universidade não está fora do mundo, mas constitui a sua síntese condensada. Ela é, ao mesmo tempo, produto e produtora das formas sociais de seu tempo. Nas sociedades capitalistas tardias, a universidade assume cada vez mais os traços de uma corporação: competitiva, performática, pautada por métricas quantitativas e pela lógica da produtividade.
Esse processo, por vezes denominado “academic capitalism”, segundo Slaughter e Rhoades (2004), transforma o conhecimento em mercadoria, a pesquisa em produto, o professor em gestor de si mesmo. Caracteriza-se pelo surgimento de novas redes híbridas entre universidades, Estado e setor privado, o que torna difusa a fronteira entre o ensino público e os interesses privados. Tal dinâmica é impulsionada pelas transformações da “nova economia”, que valoriza a mercantilização do conhecimento e reconfigura o sentido das instituições educacionais; de espaços de interesse público para espaços orientados por lógica de mercado.
Em termos históricos, esse modelo não nasce com a universidade moderna, mas nele se aprofunda. Na universidade medieval, o saber era monopólio clerical; na moderna, tornou-se braço do Estado-nação; na contemporânea, serve às engrenagens do mercado global. Se antes o saber era um fim em si, hoje tende a ser meio de distinção, ranqueamento, financiamento e sobrevivência institucional. A crise da universidade pública, especialmente na periferia do capitalismo, não é apenas orçamentária, é civilizatória. Ela põe em xeque a própria função social do saber: produzir emancipação ou produzir valor?
Na dimensão econômica, a desigualdade se expressa com contundência. Mesmo em uma universidade pública, onde a lógica de cidadania deveria prevalecer, as assimetrias são gritantes. Um exemplo ilustrativo pode ser encontrado no caso de uma universidade pública no interior do Ceará, na qual, em dezembro de 2020, a diferença entre o menor e o maior salário era de aproximadamente 27 vezes.
Essa discrepância reflete, em microescala, o mesmo padrão que se observa nas grandes corporações. Conforme relatórios da Oxfam (2023), “100 dos principais CEOs dos Estados Unidos receberam US$ 24 milhões em média em 2022 […] O trabalhador médio dos Estados Unidos teria que trabalhar 413 anos para equiparar o que mais bem pago CEO do país recebe em 12 meses” […] “Os 100 mais bem pagos CEOs do Reino Unido receberam em média US$ 5 milhões em 2022 […] Eles ganham 140 vezes mais do que o trabalhador médio.
Esses dados indicam que a lógica que sustenta tais diferenças não se baseia em necessidades concretas ou justiça distributiva, mas na naturalização de uma estrutura que privilegia desproporcionalmente o capital, a gestão e o poder simbólico, em detrimento das práticas cotidianas e muitas vezes invisíveis que sustentam qualquer organização complexa.
Na perspectiva filosófica e existencial, isso nos obriga a uma pergunta fundamental: quem pode, de fato, pensar? Pensar, no sentido forte de refletir, criar, questionar, subverter, exige tempo, estabilidade, escuta e reconhecimento. A desigualdade na universidade é, então, desigualdade de tempo vital. Uns têm tempo para pensar, publicar e ser lidos; outros, para preencher relatórios, responder ofícios, dar aulas sobrecarregadas e buscar um segundo vínculo para sobreviver.
Assim, como no mundo do trabalho, o tempo é aqui a unidade fundamental da desigualdade. Esse cenário revela não apenas uma divisão funcional dentro da universidade pública, mas também uma forma de segmentação social institucionalizada, que reitera desigualdades históricas em nome da “excelência acadêmica”.
Na esfera simbólica, a universidade é marcada por um regime de valor que separa “produção” de “apoio”, “pesquisa de ponta” de “ensino básico”, “alta cultura” de “saberes populares”. Essa distinção, que reproduz padrões eurocêntricos e elitistas, tende a desqualificar saberes não hegemônicos, práticas pedagógicas coletivas, e formas não competitivas de produção do conhecimento.
A retórica da meritocracia, frequentemente mobilizada para justificar progressões e prêmios, naturaliza uma competição desigual em sua origem. Nesse contexto, a universidade não é apenas um lugar onde se estuda a desigualdade, mas é um campo onde ela é vivida, reproduzida, administrada e legitimada. A convivência entre bolsistas precarizados e pesquisadores consagrados, entre terceirizados e técnicos administrativos invisibilizados, entre professores substitutos e docentes em regime de dedicação exclusiva, entre estudantes com laptops de última geração e outros com acesso intermitente à internet, revela a coexistência de mundos distintos sob o mesmo teto institucional.
Essa reflexão reforça a responsabilidade histórica da universidade. Longe de negar o seu valor, ela exige autocrítica constante. Como lembra Hegel (2010, p. 44), “a coruja de Minerva somente começa seu voo com a irrupção do crepúsculo”, ou seja, a reflexão filosófica só compreende plenamente uma época depois que ela se completa.
Se o pensamento crítico universitário aguarda o “crepúsculo”, o colapso, para se autorrefletir, perde-se a oportunidade de transformação: “Quando a filosofia pinta seu cinza sobre cinza, então uma figura da vida se tomou velha e, com cinza sobre cinza, ela não se deixa rejuvenescer, porém apenas conhecer”.
Para responder a essas demandas, a universidade precisa praticar uma autorreflexão radical e coletiva, que inclua revisão dos critérios de valorização acadêmica, democratização dos processos decisórios, redução das assimetrias materiais e simbólicas entre seus membros e a construção de uma ética baseada no cuidado e na escuta. Essa postura preventiva e reflexiva é condição para que a universidade seja força de mudança, não mera lamentação tardia dos seus excessos.
Enquanto isso não ocorrer, a universidade seguirá operando como instância de regulação desigual da vida e do saber. Falar em justiça cognitiva, descolonização do pensamento ou inovação pedagógica sem enfrentar essas contradições é fazer do discurso crítico mais um artefato da desigualdade.
A desigualdade racial, de gênero e étnica
O surgimento do capitalismo moderno, frequentemente interpretado sob a ótica do progresso técnico e da racionalidade produtiva, esteve, na verdade, profundamente entrelaçado com formas radicais de apropriação da vida humana. Nesse processo, a racialização e a sexualização do trabalho não foram desvios ou distorções de um sistema em formação, mas condições estruturantes de sua lógica expansiva.
Como observou Cedric Robinson (2023), o capitalismo não eliminou as formas anteriores de dominação, ele as racializou, consolidando o que chamou de “capitalismo racial”: um modo de produção que organiza a exploração econômica por meio da produção e reprodução de hierarquias raciais e étnicas duráveis.
Ao contrário da tese liberal de que a modernidade capitalista teria promovido a universalização dos direitos e a substituição do status pela contratualidade, a história mostra que a transição para o capitalismo foi marcada por um aprofundamento da desigualdade ontológica, através da transformação de seres humanos em corpos apropriáveis e indivíduos reduzidos à condição de tempo expropriado.
A escravidão transatlântica, o colonialismo e a misoginia estrutural são expressões desse fundamento. O tempo de alguns, negros, mulheres, indígenas, colonizados, foi tornado não apenas mais barato, mas ontologicamente inferior. A diferença passou a operar como critério legítimo de expropriação integral.
Essa apropriação desigual do tempo não cessou com o fim formal da escravidão ou do colonialismo. Ao contrário, foi repotencializada pelas novas configurações do capital. Em 2022, por exemplo, o IBGE registrou que “as atividades com menor rendimento médio tinham maior proporção de trabalhadores pretos ou pardos; como a Agropecuária (62,0%), a Construção (65,1%) e os Serviços domésticos (66,4%)”.
Além disso, entre os trabalhadores negros, a informalidade e a taxa de desocupação seguem mais elevadas. Entre as jovens mulheres negras a realidade é ainda mais grave. Segundo a Agência Brasil, uma comparação realizada pela organização Ação Educativa, com base na PNAD, de 2023, mostrou que “as jovens mulheres negras de 18 a 29 anos tiveram uma taxa de desemprego três vezes maior que a dos homens brancos no Brasil.”
Esses dados revelam que a desigualdade não opera apenas como privação de renda ou acesso ao trabalho formal, mas como uma gestão assimétrica da própria experiência temporal. Trata-se, antes de tudo, de uma temporalidade desigual; de um tempo de viver, trabalhar, descansar e projetar o futuro profundamente marcado por classificações raciais socialmente construídas e por uma distribuição desigual da dignidade social.
Esse regime de tempo desigual é o que Achille Mbembe (2018), descreve como uma forma de controle diferencial do tempo e da vida, uma espécie de apartheid temporal. Isto é, a imposição de um ritmo de desenvolvimento ou progresso que beneficia alguns grupos em detrimento de outros. Frantz Fanon (1968), já denunciava essa suspensão do tempo histórico dos colonizados, cuja vida era reduzida a um presente contínuo de subalternidade. Ela não se manifesta apenas em salários ou empregos, mas no controle das possibilidades de existência.
A juventude negra brasileira, por exemplo, vive uma interrupção prematura e traumática de seus projetos. Segundo o “Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência” (2017), ano base 2015, a taxa de mortalidade de jovens negros é de 86,34 para cada 100 mil jovens negros na população, contra 31,89 para jovens brancos. Assim, o tempo da juventude negra é interrompido mais cedo, mais abruptamente, mais violentamente. O futuro é, muitas vezes, uma ficção negada de antemão.
Essas estatísticas não são acidentais. Elas indicam que a desigualdade de gênero, racial e étnica não é apenas uma questão de acesso a bens, mas uma estrutura ontológica de mundo: ela organiza os sentidos possíveis da existência. Revelam uma racionalidade temporal estruturada para otimizar a extração de valor de alguns corpos enquanto protege, acelera e potencializa os de outros.
Em termos dialéticos, poderíamos dizer que o tempo dos subalternos não é apenas roubado: ele é negado como tempo legítimo de existência. O trabalhador privilegiado planeja, poupa, projeta, educa seus filhos para o futuro. O trabalhador racializado, ao contrário, administra a urgência, a precariedade e o esgotamento, um tempo sem margem, sem reconhecimento, sem herança. O tempo dos subalternos é tempo sem posteridade.
Nesse sentido, a ontologia da desigualdade, não se limita a uma constatação empírica. Ela propõe uma reflexão mais radical: como a apropriação do tempo alheio, estruturada por gênero, raça e colonialidade, tornou-se o princípio regulador das formas humanas de convivência? A história das desigualdades revela que não apenas os espaços sociais, mas também os ritmos e durações da vida foram organizados de modo hierárquico.
O tempo, esse recurso escasso, finito, irrecuperável, foi assim repartido segundo critérios que não são naturais, mas históricos, políticos e próprios da condição apropriadora que define o ser social. Corpos racializados e feminilizados foram sistematicamente posicionados em temporalidades subalternas, como se sua existência valesse menos, durasse menos, importasse menos.
Diante disso, a luta contra a desigualdade não pode se restringir à redistribuição de bens ou ao combate a preconceitos pontuais. Ela exige uma escuta filosófica da experiência temporal dos sujeitos expropriados: como vivem? Como narram seu tempo? Como esse tempo lhes foi tomado? Como lhes é negado? Como resistem? As respostas a essas perguntas constituem o núcleo de uma política emancipatória capaz de articular transformação social com reconhecimento existencial.
Essa é, em última instância, a provocação ética que se impõe: enquanto a desigualdade for pensada apenas como efeito ou disfunção, sua reprodução continuará garantida. É preciso concebê-la como fundamento histórico e traço da condição humana, para que a crítica não seja apenas denúncia, mas abertura para outras formas possíveis de apropriação mútua, não mais fundadas na exploração e na dominação, mas na reciprocidade e no reconhecimento.
Em outras palavras, a proposta de uma ontologia da desigualdade nos convoca a um duplo gesto: resistir às formas injustas de apropriação e reconhecer que sua raiz não está apenas fora, mas também dentro, nos modos humanos de existir sob condição finita. A luta política contra a desigualdade deve articular-se a uma escuta filosófica da condição humana. É preciso transformar o mundo, mas, para isso, é necessário antes compreender por que o fizemos assim até agora.
Em tempo, gostaria de agradecer ao colega e amigo Francisco Teixeira, que, em uma conversa sobre o meu livro “A condição apropriadora: por que a desigualdade estrutura a vida em comum?”, chamou a minha atenção para a dimensão ontológica da desigualdade presente no ensaio; ainda que não concorde com o argumento geral que proponho.
*José Micaelson Lacerda Morais é professor do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). Autor, entre outros livros, de A condição apropriadora: por que a desigualdade estrutura a vida em comum? (Clube de Autores). [https://amzn.to/3Sj2Y3k]
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Desemprego de jovens negras é 3 vezes superior ao dos homens brancos. Publicado em 08/05/2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-05/desemprego-de-jovens-negras-e-3-vezes-superior-ao-dos-homens-brancos.
AGÊNCIA BRASIL. Desigualdades de gênero e raça sobrecarregam mulheres no cuidar. Publicado em 5/11/2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/desigualdades-de-genero-e-ra%C3%A7a-sobrecarregam-mulheres-no-cuidar#:~:text=Desigualdade%20de%20g%C3%AAnero%20sobrecarrega%20mulheres%20no%20trabalho%20de%20cuidar%20%7C%20Ag%C3%AAncia%20Brasil.&text=De%20acordo%20com%20a%20Pesquisa%20Nacional%20por,pessoas%2C%20enquanto%20os%20homens%20utilizam%2011%2C7%20horas.
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Data original de publicação: 18 de Junho de 2025