Webinar reflete sobre importância de recuperar protagonismo dos trabalhadores na defesa da própria saúde

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Pela Fundacentro

Promover o processo de subjetivação para estimular e resgatar coletivos de trabalhadores e, consequentemente, recuperar o papel de protagonistas desses atores sociais na defesa da própria saúde. Isso imprescindivelmente deve considerar o contexto neoliberal atual cujo discurso tem ganhado cada vez mais força, sendo, inclusive, reproduzido pelos trabalhadores, mesmo que contrário à defesa de sua saúde e demais interesses. Esse é o mote em torno do qual giram as reflexões trazidas durante o seminário “O campo da Saúde do Trabalhador e os desafios do trabalho na atualidade: uma reflexão a partir da Psicologia Social do Trabalho”. Realizado pela Fundacentro no dia 26 de setembro, baseia-se no ensaio de mesmo nome, publicado no dossiê de 50 anos da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO).

Ao longo do webinar, as discussões observam que o resgate dos coletivos, ao recuperar o protagonismo dos trabalhadores, favorece também o fortalecimento da resistência ao desmonte de direitos trabalhistas e a situações que afetam a saúde dos trabalhadores.

Embora não tenham a pretensão de trazer soluções definitivas, as reflexões abrem espaço de discussões e proposições e apontam, entre as estratégias possíveis para esse resgate, a promoção da subjetivação dos trabalhadores. O ensaio destaca que compreender esse processo e seu papel modificador contínuo dentro da dinâmica dialética incessante de troca social é peça-chave. “O sujeito está inserido na sociedade e ele vai tanto interiorizar esse social, como ele também vai exteriorizar o que ele tem”, afirma Marcia Hespanhol, uma das autoras do ensaio. “Nós modificamos o social e somos modificados por ele o tempo inteiro. Isso, quando a gente pensa em processo de trabalho, é muito importante a gente pensar que as coisas não são estanques”, complementa.

Lado a lado, caminha a necessidade de se entender a relação do discurso neoliberal com o campo do trabalho no contexto atual, em especial com o trabalho informal, e como ele atua na subjetivação do trabalhador. Durante o evento, os participantes atentam para o crescente fortalecimento desse discurso que propaga a falsa idealização do trabalho informal como forma de empreendedorismo, de suposta liberdade sobre a gestão do tempo, dos ganhos financeiros, entre outros. E embora naturalize a informalidade, dificulte e mine a organização coletiva, enalteça a competição e estimule a perda de direitos, tal é a força desse discurso na subjetivação desses atores, que estes o reproduzem mesmo que contrário aos próprios interesses.

“A gente está falando sim do estágio atual da luta capital-trabalho, que a gente pode também chamar de luta de classes. Podem ser termos um tanto fora de moda, mas ainda persistentes”, aponta Francisco Mogadouro, médico do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Campinas. “E, sim, nas últimas décadas o capital vem avançando de forma avassaladora sobre o trabalho, inclusive minando formas de resistência da classe trabalhadora, esvaziamento de sindicatos”, completa.

A fala de Mogadouro vai ao encontro do que expressam as autoras ao destacarem a perda, ao longo dos anos, da coletividade de trabalhadores, seja pelo enfraquecimento dos sindicatos, seja pela nova realidade neoliberal, intensificada pela uberização.

As discussões trazidas salientam que é nesses coletivos em que o trabalhador pode se fortalecer ao encontrar proteção, apoio e espaços de reflexões que fomentem conquistas de direitos e luta para mantê-los ou os ampliar. É também para onde se podem levar discussões sobre saúde do trabalhador e atuar com eles, não para eles, expandindo para o saber desses sujeitos. É o espaço onde é possível lhes oferecer subsídios ao processo de contraposição e desconstrução da subjetivação ideológica neoliberal e de redução de direitos e proteção à saúde. Daí a importância de compreender o processo de subjetivação.

Para as autoras, reverter esse contexto de fragilização do trabalhador passa pela necessidade de recompor os coletivos e fortalecê-los. Para tanto, é fundamental reconhecer as novas e complexas formas de organização do trabalho e as diversas realidades laborais. Isso passa principalmente por identificar os diferentes coletivos, em especial os de trabalhadores não protegidos, indo além da figura dos sindicatos.

Mogadouro entende que também é necessária a retomada do movimento sindical e que este se permita apoiar trabalhadores de outras classes. “Não é negar o movimento sindical, é sim apontar para uma retomada de movimento sindical, inclusive movimento sindical numa perspectiva que não seja tão burocratizada, tão classista”, afirma. “Que olhe para o trabalhador uberizado e fale ‘você é trabalhador como nós, você não vai ser filiado oficialmente ao sindicato de tal categoria, mas a gente vai te apoiar na sua luta’”, reforça.

Dentro de todo esse contexto, a proposta do ensaio, entendida como um grande desafio, é a retomada da promoção da saúde, um dos eixos do tripé do Sistema Único de Saúde (SUS), desenvolvendo atividades formativas em diferentes coletivos de trabalhadores, dos formais, sindicalizados, até, e principalmente, os informais.

A isso se coloca outro desafio, que é a precarização do SUS e a consequente falta de condições para acolher os trabalhadores e ampliar atendimento para os informais, visto que excluídos das poucas proteções ainda garantidas para os formais. Tanto Hespanhol, quanto Mogadouro salientam que os próprios trabalhadores do SUS estão submetidos ao modelo neoliberal, marcado por metas e burocracias que acarretam, entre outras coisas, esmaecimento do foco na saúde do trabalhador.

Desmonte da saúde pública e da proteção à saúde do trabalhador

Em sua fala inicial, Hespanhol relembra o percurso da saúde do trabalhador no Brasil com destaque às mobilizações populares do período da redemocratização do país. Naquele momento, os coletivos instituídos através dos sindicatos trouxeram o fortalecimento dos trabalhadores, que passaram a figurar como atores principais na defesa da própria saúde. Destaca também que os movimentos tiveram papel fundamental na inclusão na Constituição Federal de direitos voltados à saúde do trabalhador no SUS.

No entanto, observa que a realidade atual está distante daquela. Apesar da importante criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) para a ampliação da saúde do trabalhador no âmbito do SUS, salienta que isso acarretou a inserção de profissionais sem vínculo ideológico com essa política. “Foi se perdendo esse caráter mais militante das equipes, as pessoas ficaram mais tecnicistas, mais burocratizadas em muitos serviços”, destaca Marcia. Para a psicóloga, “ficou um caráter mais assistencialista e perdendo essa ideia de promoção da saúde, essa dimensão de fortalecimento dos trabalhadores”.

A isso somaram-se o desmonte da saúde pública, com a implementação de modelos de gestão empresarial do setor privado com metas e burocracia excessiva, e os ataques ao SUS.

Dentro da esfera política, Mogadouro pondera a atuação dos governos quanto à promoção de atividades reflexivas para resgate do papel da Saúde do Trabalhador. “A gente tem que olhar também com autocrítica e avaliar a real força da Saúde do Trabalhador dentro dos governos, inclusive Federal, e mesmo dentro do nosso campo da saúde coletiva”, observa. “O quanto o trabalho é central para a compreensão da sociedade, é central no processo de determinação social da saúde, mas ele não é central nem na produção de conhecimento na saúde coletiva, nem nas políticas públicas de saúde”, expondo a existência dessa contradição.

O webinar contou com a participação de duas autoras do ensaio, Marcia Hespanhol Bernardo, psicóloga, pesquisadora em psicologia social e do trabalho e editora associada da RBSO, e Heloísa Aparecida Souza, psicóloga e docente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC).

Francisco Mogadouro da Cunha, médico do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Campinas, também participou do evento que foi coordenado pela médica, pesquisadora da Fundacentro e editora associada da RBSO, Maria Maeno.

Fonte: Fundacentro

Clique aqui para ler o texto original.

Publicado em 07/10/2024

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