Chamada para artigo RBEST: Direitos Sociais sob Ajuste? Uma História de Duas Crises
Por Revista Brasileira de Economia Social e Trabalho
“Em situações de crise de balanço de pagamentos, países e governos têm que enfrentar uma difícil escolha entre suspender o pagamento relacionado à dívida externa ou recorrer a empréstimos multilaterais ou bilaterais. Diante da difícil escolha, a maioria dos governos optou pelo empréstimo. Os acordos, especialmente com instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), estão condicionados à adoção pelo país beneficiário do empréstimo de um programa de ajuste estrutural (SAP, na sigla em inglês), que consiste em um conjunto de medidas destinadas a corrigir “desequilíbrios estruturais”. O pressuposto subjacente a tais pacotes de ajuda é que essas medidas são supostamente adaptadas aos contextos nacionais dos países beneficiários.
No entanto, um exame desses programas revela que os SAPs seguem uma série de princípios que permanecem constantes em todos os países e no tempo, a saber: consolidação fiscal, desvalorização interna, privatização e crescimento impulsionado pelas exportações. Os acordos são apresentados como resultado de uma “negociação” entre o FMI e os governos nacionais (ou ainda como iniciativa isolada destes últimos), sendo os governos os principais responsáveis pela implementação das medidas elencadas no documento. Isso abre um novo caminho para a discussão: a condicionalidade é compatível ou está em conflito com a propriedade das políticas adotadas? Em outras palavras, como é possível entender a implementação do SAP como uma condição para receber um empréstimo e como um pacote de ‘propriedade’ dos governos nacionais responsáveis por sua implementação (o que isenta os atores externos de assumir a responsabilidade pelas consequências decorrentes do processo de reforma)?
Por outro lado, alguns países vivenciaram uma adoção voluntária da agenda econômica neoliberal, normalmente apresentada como a única opção disponível para sanear as contas públicas e acelerar o crescimento econômico. Quer sejam percebidos como uma imposição externa, como uma decisão autônoma do governo nacional ou como o resultado de uma negociação entre as partes envolvidas, é importante reconhecer que os SAPs têm sérias implicações (sobretudo negativas) sobre as políticas sociais e os direitos sociais. A política social sugerida pelo Consenso de Washington (ou o que resta dele) tende a favorecer uma gestão individual do risco, ampliar a focalização, reduzir benefícios e aumentar as condicionalidades. Apesar do FMI ser uma instituição do sistema das Nações Unidas (NU), os SAPs, em geral, tanto por sua concepção quanto por suas consequências, estão em conflito com as declarações de Direitos Humanos das NU, situação que pode ser agravada com o tempo, na medida que essas políticas podem resultar no aprofundamento da recessão e, portanto, na deterioração das condições econômicas, sociais e políticas.
Como consequência da crise financeira de 2008 e da crise do Euro de 2010-2011, vários governos recorreram ao FMI, e Memorandos de Entendimento (MoU, na sigla em inglês), que delineavam as medidas de “ajuste” que os países deveriam adotar, foram assinados entre governos e a Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) como contrapartida do apoio financeiro recebido. Como resultado do “ajuste”, os sistemas de segurança social, bem como outros domínios da política social, foram submetidos a alterações significativas. Na sequência da crise de 2008 e/ou em outros momentos, os sistemas de segurança social também foram submetidos a mudanças importantes em países onde a adoção de medidas de “ajuste” foi resultado de decisões tomadas em nível nacional e sem (ou com pouco) envolvimento de interesses ou instituições externas.
No que diz respeito às suas origens, a crise socioeconômica desencadeada pela pandemia da COVID-19 guarda pouca semelhança com episódios anteriores. No entanto, a atual crise e as anteriores estão interligadas. Em primeiro lugar, porque as crises anteriores podem ter impactado gravemente o sistema de segurança social e reduzido sua capacidade de responder à atual crise. Em segundo lugar, porque a crise da COVID-19, dadas a sua profundidade e duração, que exigiram dos governos nacionais esforços fiscais consideráveis para o enfrentamento dos seus efeitos econômicos e sociais, pode (re)abrir uma janela de oportunidade para o retorno das ideias de austeridade e desvalorização interna.
A resposta política à pandemia até agora tem se baseado em medidas de emergência destinadas a conter o desemprego e garantir um rendimento mínimo às famílias, visando não apenas as pessoas cobertas pelos mecanismos de proteção social previamente existentes, mas também antigos e novos grupos vulneráveis. Esta resposta é meramente temporária? Devemos esperar o retorno de um enfrentamento da crise baseado na
desvalorização interna e em ajustes restritivos da política social? Como a experiência de crises anteriores pode orientar a tomada de decisão atual? E o que podemos aprender com outras experiências?
Com base nos pontos acima levantados, convidamos autores e autoras a apresentarem artigos que:
- Examinem os efeitos do “ajuste” no redesenho das políticas sociais e do sistema de segurança social em diferentes contextos;
- Realizem análises comparativas entre países ou regiões quanto aos efeitos do “ajuste” nas políticas sociais;
- Comparem as experiências anteriores de “ajuste” (anos 1980 e 1990) com as mais recentes (anos 2000 e 2010);
- Analisem as lições aprendidas com as crises e estratégias de “ajuste” anteriores e discutam como elas podem ser aplicadas para fortalecer os direitos sociais diante de uma nova crise;
- Reflitam como as medidas de “ajuste” anteriores podem ter condicionado a resposta dos sistemas de proteção social à emergência da COVID-19;
- Discutam como promover e fortalecer os direitos sociais durante e após a pandemia da COVID-19.
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Fonte: CESIT