Nota pública sobre as condutas antissindicais praticadas pela empresa iFood

Foto: Reprodução

Por Associação Brasileira de Estudos do Trabalho

O mundo do trabalho passa nos últimos anos por transformações significativas que alteram modos de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, suas formas de remuneração, seu tempo de trabalho, sua saúde e segurança. A empresa Ifood hoje é uma das propulsoras de muitas dessas mudanças. Ao mesmo tempo em que se legitima perante a sociedade como geradora de trabalho e renda, firma-se como gestora de um trabalho cada vez mais degradado, inseguro e insalubre, que se realiza e se propaga sem quaisquer garantias ou direitos básicos dos trabalhadores e trabalhadoras.

No ano de 2020, os entregadores e entregadoras agiram coletivamente e em nível nacional, denunciando para toda a sociedade as suas condições de trabalho e construindo novas formas de organização. O movimento intitulou-se #brequenosapps, como um freio coletivo à ação predatória que empresas de entrega que operam por meio de aplicativos têm apresentado. A demanda apresentada pelos trabalhadores envolvia condições mais dignas e justas de trabalho.

Estudos evidenciam que empresas como o Ifood operam com regras obscuras – que envolvem não apenas o gerenciamento da atividade, mas também desligamentos e bloqueios sumários. Entretanto, com a reportagem “A máquina de propaganda do Ifood”, veiculada pela Agência Pública no último dia 4 de março, a partir de consistente trabalho investigativo, ficou evidenciado como as práticas predatórias desta empresa operaram também de forma subterrânea e ilícita contra a organização coletiva dos trabalhadores.

Os dados da reportagem revelam que, recorrendo a uma empresa já especializada nas práticas obscuras que hoje atravessam os conflitos e todo o campo da política, a empresa Ifood financiou uma ação intencionalmente arquitetada para desmobilizar o movimento, desqualificar os que lutavam por melhores condições de trabalho, polarizar os entregadores, minar o papel de lideranças que com ele se formavam e criar narrativas que deslegitimavam a ação, além de usar os riscos e adversidades trazidos pela pandemia como instrumento de desmobilização, criando por dentro da empresa uma campanha pela vacinação prioritária dos trabalhadores não como meio para protege-los, mas para desviar os objetivos de sua mobilização.

Os fatos denunciados pela reportagem são gravíssimos e enquadram-se como condutas antissindicais, repreendidas por normas internacionais de proteção ao direito de reunião, livre associação, organização sindical e manifestação dos trabalhadores e trabalhadoras. Nos termos do art. 2º da Convenção nº 98 da OIT:

Art. 2 — 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração.

2. Serão particularmente identificados a atos de ingerência, nos termos do presente artigo, medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregadores, ou a manter organizações de trabalhadores por outros meios financeiros, com o fim de colocar essas organizações sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores.

É importante salientar que o conceito de condutas antissindicais e seu repúdio pela ordem jurídica se aplicam tanto a sindicatos formalizados, como a organizações de trabalhadores em geral, ainda que não institucionalizadas.

Os fatos narrados pela Agência Pública representam práticas ilícitas de manipulação de informações e dados, bem como de cooptação de trabalhadores e uso indevido e abusivo da propaganda não declarada contra a organização coletiva dos trabalhadores e o seu direito de greve.

A atitude de infiltrar perfis falsos em redes sociais e grupos de comunicação de trabalhadores que se organizam para lutar por seus direitos é, além de covarde, antiética e antidemocrática, incompatível com as balizas jurídicas adotadas para o equacionamento dos conflitos e negociações que permeiam as relações coletivas de trabalho no país.

Atualmente, enfrentamos uma série de desafios para a compreensão e, sobretudo, para a resistência a essas novas formas de controle que envolvem não só o mundo do trabalho, mas a manipulação e o uso ilegítimo e sem consentimento de dados e informações nas mais diversas searas da vida pública.

A atitude de falsear, manipular e interferir abusivamente nas redes sociais tem tanto peso político quanto práticas violentas contra lideranças sindicais havidas em outros momentos históricos antidemocráticos.

Por todo o exposto, a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho vem a público manifestar o seu repúdio às práticas da empresa IFood, que demonstrou agir em diversas frentes, voltadas à exploração ilimitada do trabalho, mediante imposição desmedida do seu poder econômico, nas dimensões individuais e coletivas da experiência dos trabalhadores. Essa nota traduz-se, igualmente, em um apelo para que as autoridades públicas competentes investiguem e promovam as consequências jurídicas cabíveis contra os atos constatados.

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