“É cruel”: professores relatam de aulas on-line com 300 alunos a demissões por pop-up

Imagem: Rawpixel

Por Thiago Domenici | Agência Pública

“A palavra que melhor define meu momento é desespero”, conta Horácio*, professor da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, do grupo Laureate, referindo-se à redução de 75% das suas horas de trabalho no atual semestre letivo. 

Com mais de oito anos de Anhembi, o professor desabafou em julho num e-mail enviado ao Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro). “A redução de 24 para 6 horas-aula torna o meu sustento inviável, visto que minha única fonte de renda é a Anhembi. É cruel…”

Enzo*, professor de outra universidade do grupo Laureate, a FMU, passou de 21 horas semanais no último semestre para apenas 3 horas. Ele diz que a maioria dos professores está nessa situação. “Nós estamos recebendo em média R$ 500 por mês.” 

A redução das horas de trabalho é um dos aspectos de um movimento do ensino superior privado que Celso Napolitano, representante do Sinpro, chamou de “imoral, mas legal”. Napolitano argumenta que cortes de hora-aula e demissões estão ocorrendo em outras universidades privadas país afora.

Na Universidade Nove de Julho (Uninove), cerca de 500 docentes foram demitidos no primeiro semestre do ano. 

Em uma reunião on-line presenciada pela reportagem, professores contaram sobre a indigesta surpresa que foi saber da demissão por uma mensagem de pop-up na tela do computador ao acessar o sistema. “É emocionalmente pesado, depois de tantos anos trabalhando lá”, contou um deles, sob anonimato.

Desde abril, o Sinpro contabilizou mais de 1.600 demissões de professores em universidades de São Paulo – todas em meio à pandemia de coronavírus.

Negociando com as universidades a situação trabalhista dos docentes, o diretor do Sinpro confessa estar angustiado com “a precarização do ensino superior privado” – sobretudo com o aumento do uso de educação a distância (EAD). Para Napolitano, a pandemia é uma desculpa para reestruturação e maximização de lucros.

Como justificativa, as universidades citam a redução de alunos matriculados, o aumento da evasão escolar e a inadimplência durante a pandemia. Para o docente Horácio, não está provado que “houve redução do número de matrículas que justificasse a redução na carga horária dos professores” da Anhembi, por exemplo.

“Se a instituição não comprovar a redução do número de alunos matriculados, ela tem que manter o salário do professor”, diz Napolitano, que avalia que as situações serão tratadas individualmente. 

Evaristo*, outro professor da FMU, desde 2012 na instituição, tem mais de quatro anos de remuneração não recebidas por horas extras em atividades de dependência (Dep) e adaptação (Adap). Não bastasse a situação, recebeu em julho e agosto R$ 48 de salário – quando deveria ter recebido perto de R$ 800. Ele conta que fez greve por 12 dias até a situação ser encaminhada para uma resolução da universidade.

O docente acredita que será demitido como retaliação ao final do semestre por ter protestado com coordenadores em grupos de WhatsApp e avisado alunos da disciplina. “Os alunos ficaram três semanas sem minhas aulas e eles colocaram um professor de outra área, que não sabia o que fazer”, afirma. (…)

Superlotação on-line

Segundo os professores consultados pela reportagem, ao reduzirem a carga horária dos docentes, as universidades diminuíram também a quantidade de disciplinas oferecidas, o que aumentou significativamente o número de estudantes em cada matéria. “‘Ensalaram’ as turmas”, diz Napolitano. 

O professor Horácio explica o que é “ensalar” turmas: “Colocaram alunos de semestres diferentes em uma mesma turma. Por exemplo, um aluno ingressante do primeiro semestre foi alocado em uma disciplina de segundo semestre junto aos alunos do próprio segundo semestre; também colocaram alunos de diferentes cursos em uma mesma turma ou colocaram alunos de campus diferentes em uma mesma turma”, diz. 

Lorena*, de 21 anos, que estuda engenharia ambiental e sanitária na Anhembi Morumbi, diz que o número varia de acordo com a aula. “Não sei quantas pessoas tem na chamada, mas assistindo aula tem 250 de segunda-feira, que é a aula mais lotada. Outros alunos da minha sala não conseguem entrar quando dá o limite da sala de 250 pessoas. Aparece um aviso de que a sala está lotada. Nas demais aulas tem mais de cem”, afirma. 

Joana*, que está no segundo semestre de recursos humanos, também vive situação similar. “Este semestre está perdido”, avalia. Dividindo as aulas de gestão de pessoas, liderança e diagnóstico organizacional com a turma de administração do sexto semestre, ela afirma que entra no sistema on-line com uma hora de antecedência. “O sistema fica pesado e cai se você entra muito em cima”, conta. “Na última aula, minha professora ficou uns 40 minutos só chamando as turmas para poder ponderar as dúvidas de cinco turmas, umas 250 pessoas.” 

A estudante Maria Laura, que faz psicologia na Anhembi no campus Mooca, diz que suas aulas são compartilhadas com o campus da Vila Olímpia e que chegaram a estar juntas as turmas de São José, Piracicaba, Vila Olímpia e Mooca. “Mais de 230 alunos”, diz.

Enzo, professor da FMU, afirma: “É muito mais barato para a faculdade pagar um professor por três horas, meu caso, para falar com 200 alunos online do que pagar mais professores para ficar cada um com várias turmas de 50 alunos”.

Numa troca de mensagens entre professores da FMU, eles comentam a situação: “À noite juntaram na minha aula 310 alunos. Com 170 presentes na última sexta. Vamos ver nesta sexta com os calouros”. Em resposta, outro professor diz: “Poxa vida, e quem vai corrigir 310 provas e trabalhos?”. “Vai ser tudo múltipla escolha. Acha que vou corrigir? Já vai dar trabalho para lançar…”, resigna-se o docente. (…)”

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Fonte: Agência Pública

Data original da publicação: 22/09/2020

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