Bionotas – Aparecida Neri de Souza
Por Barbara Castro | Sociedade Brasileira de Sociologia
Aparecida Neri de Souza nasceu em 1952, em Jaborandi-São Paulo. Formou-se em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), em 1978. Com breve passagem como professora assistente pela Unesp, campus de Araraquara, entre 1996 e 1997, tornou-se professora da Unicamp, na Faculdade de Educação, a partir de 1997. Mas antes do ingresso na carreira acadêmica, atuou como professora da rede pública do estado de São Paulo por doze anos, ministrando aulas de sociologia, geografia e história, atuando como assessora da Secretaria de Educação e participando da elaboração de políticas públicas. Suas atividades de trabalho sempre articularam a prática didática com a intervenção na realidade social, seja via Estado, sindicatos ou instituições de ensino. Sua participação na elaboração da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), as assessorias prestadas a sindicatos, a produção de normas pedagógicas e a formação de professoras e professores da rede pública, são algumas das atividades realizadas por ela que bem traduzem esses trânsitos e sua energia de atuação.
Neri, como é conhecida entre os colegas e estudantes, é nossa referência em pesquisas sobre o trabalho realizado pelas e pelos docentes. Suas contribuições à sociologia por meio de suas pesquisas, materializadas em publicações sempre qualificadas, são inegáveis. E sua trajetória é um exemplo dos desdobramentos sociológicos que um campo de pesquisa, um objeto e seus sujeitos nos oferecem. Em sua primeira pesquisa se dedicou à compreensão sobre as representações sociais que as e os professores produziam sobre seus cotidianos de trabalho, mobilizando categorias caras à sociologia do trabalho e das ocupações. Em seguida, deslocou-se dos sujeitos e suas práticas para as instituições, relacionando a relação entre formação e atividade profissional dos professores e professoras da rede pública. Como boa socióloga, não se furtou a analisar as transformações da escola, acompanhando as mudanças do Ensino Básico e as reformas do Ensino Médio ocorridas na década de 1990, e relacionando-as com novas formas de organização do trabalho docente, descrevendo o processo de precarização da profissão nas instituições públicas. Articulou sua pesquisa sobre o Brasil com experiências similares na França, relocalizando, mais uma vez, seu referencial teórico e metodológico para alcançar explicações que articulavam os movimentos macrossociais com uma microssociologia sempre competente, porque atenta às contradições da realidade social. Suas pesquisas recentes, deslocaram o olhar do trabalho docente nos ensinos fundamental e médio para o ensino superior. Mais uma vez, acompanhando as transformações da organização do trabalho induzidas por políticas públicas (ou sua ausência) e não se furtando a pesquisar os sentidos do trabalho para professores e professoras, bem como suas formas de engajamento e mobilização política classista.
Como pesquisadora, Neri circulou por inúmeros encontros, seminários e congressos de associações científicas. Coordenou e coordena GT ‘s que dão continuidade ao trabalho de formação que realiza como professora e visam estimular a pesquisa enquanto atividade coletiva. Coordenou a equipe brasileira de um acordo Capes-Cofecub com vistas a consolidar as parcerias internacionais entre Brasil e França no campo de estudos do trabalho dando continuidade a uma rede de pesquisa cujas figuras fundadoras foram Lucie Tanguy e Liliana Segnini. O acordo permitiu a circulação de doutores e pós-doutores brasileiros na França e a sedimentação da perspectiva internacional como forma de análise de Neri. Como professora, Neri formou mestres e doutores em um grupo coeso de orientandos e orientandas, sempre dedicados às relações entre Estado, instituições de ensino, mobilização política e trabalho docente. Seus ex-estudantes de Pós-Graduação atuam majoritariamente como docentes em instituições públicas de ensino superior e médio. Ressalto, também, sua contribuição para a formação de pesquisadores por meio de sua participação em bancas de qualificação e defesa. Estas remontam, aproximadamente, duas centenas de arguições, sempre gentis, generosas e muito bem preparadas. Além de meia centena de trabalhos de conclusão de curso de graduação.
Mas se, como aprendemos com Neri, o trabalho docente é polivalente, cabe destacar as camadas menos visíveis, a depender de quem lê, de sua trajetória. Seu compromisso com a coisa pública e o fazer científico se traduzem por seu forte engajamento institucional, representado pelos inúmeros pareceres, participações em concursos públicos de seleção de docentes, e cargos e funções que desempenhou ao longo de sua trajetória. A despeito de ser comum destacarmos, nas biografias, as coordenações de Pós-Graduação, as chefias de Departamento e as direções de associações científicas, posições que ela também ocupou com brilhantismo, gostaria de dar visibilidade às inúmeras representações que exerceu na Faculdade de Educação e na Unicamp, entre comissões de representação na coordenadoria de Graduação, conselhos em núcleos de pesquisa, e supervisão do programa de formação de professores em exercício da região metropolitana de Campinas, trabalho que realizou por quatro anos entre 2002 e 2006. Esses inúmeros cargos e representações são constitutivos de sua trajetória de trabalhadora acadêmica, largamente invisibilizados nas formas de mensuração e atribuição de prestígio ao trabalho docente do ensino superior. Tais atividades realizadas por Neri representam algumas das diferentes formas de atuação que um docente tem na universidade pública, quando comprometido com um fazer institucional que torna possível com que a universidade siga de pé. E melhore.
Uma boa sociologia, bem se sabe, se faz melhor em um ambiente institucional que funcione, colaborando para que os pesquisadores e pesquisadoras se dediquem, o máximo possível, às suas pesquisas. E foi isso que Neri também nos ensinou. Transbordando sua paixão pelo conhecimento, batalhou e batalha para que as novas gerações sigam com o brilho nos olhos que ela carregou em toda sua trajetória quando um desafio lhe é lançado. Seja ele oferecer um novo curso, assumir nova orientação, coordenar um projeto internacional que viabilizasse o intercâmbio acadêmico de colegas e estudantes, se engajar em mobilizações sindicais, apagar incêndios departamentais, ou ir e voltar do cartório até o documento final de uma associação científica estar pronto. Neri atravessou todos esses anos sem atribuir maior ou menor valor a essas atividades. Não teve medo de ser uma trabalhadora docente. E não poderia ser diferente. Ela realiza, na prática, aquilo sobre o que se dedica a pensar em seu trabalho intelectual mais visível. Junto aos seus livros e artigos, o seu maior legado é o de ensinar a ser trabalhadora docente. Seguimos atentos e atentas buscando aprender.
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Fonte: Sociedade Brasileira de Sociologia
Data original na publicação: não identificada