Por que clamamos “Revoga Já”?

Foto: Divulgação/ Revoga Já

O Brasil encampou a campanha REVOGA JÁ. Inúmeras instituições e coletivos dos muitos segmentos sociais estão engajados na campanha que exige a revogação da reforma trabalhista que destruiu os Direitos Sociais e do Trabalho. A revogação é necessária ao resgate do valor do trabalho tanto quanto ao resgate do sentido da ordem constitucional democrática brasileira.

Por Revoga já

Sindicalistas, juristas, sociólogos/as, economistas, profissionais de saúde, pesquisadores/as de diversos campos, juízes/as, procuradores, advogados/as, estudantes e trabalhadores/as de diversas áreas se reúnem em torno de uma proposta urgente e necessária: a revogação da reforma trabalhista de 2017. E o fazem por um conjunto importante de diagnósticos e perspectivas para o mundo do trabalho.

A reforma trabalhista de 2017, ao contrário do que prometeu, não promoveu a geração de empregos no país. O que os dados e pesquisas revelam, considerando o período anterior à pandemia da Covid-19, é que a tão propalada ideia de que a redução de direitos e a flexibilização das condições de trabalho animariam a ampliação do trabalho formal é falsa.

O que foi incrementado com a Reforma de 2017 foi o trabalho informal, especialmente o trabalho sem carteira assinada e o trabalho por conta própria. Junto com ele, cresceu a subocupação e a precarização. Observou-se um aumento da desigualdade, a partir do índice de GINI, e um avanço da terceirização, com sua característica intensificação da exploração e da dominação no trabalho. Por outro lado, os contratos de trabalho intermitente e a tempo parcial não representaram um número significativo diante do número total de empregos, o que revela que a alternativa empresarial foi a informalidade, que reduz extremamente os custos, e as formas de trabalho precárias já presentes na legislação, em detrimento das formas precárias legalizadas com a reforma de 2017.

Diagnosticou-se também uma despadronização da jornada de trabalho, com aumento do tempo à disposição do empregador e incremento do poder do empregador de gerir o tempo do trabalho, impactando na qualidade de vida de quem é empregado. Também se observou uma queda dos rendimentos do trabalho, que é associada tanto à diminuição do poder das negociações coletivas, inclusive de estabelecer reajustes salariais capazes de fazer frente à inflação, como também à possibilidade de pagamentos desvinculados do salário, que foi legitimada pela reforma. Com isso, além da perda de rendimentos das famílias trabalhadoras, tivemos a fragilização das fontes de financiamento da seguridade social, porque os pagamentos “por fora” não geram os recolhimentos que subsidiam o pagamento das aposentadorias e pensões.

A reforma também implicou, pelo seu caráter antissindical, o estrangulamento financeiro dos sindicatos; o esvaziamento do seu papel solidário e protetivo quanto ao trabalho, visto que foram minadas as capacidades de resistência pela via negocial e, também, pela via da ação coletiva, desvirtuando-se parte dos sindicatos em partícipes da flexibilização; assim como engendrou a queda geral de 30% da taxa de sindicalização, representativa da desmobilização das organizações de trabalhadores e trabalhadoras.

Associado a esse processo insidioso sobre as relações individuais e coletivas de trabalho, houve também a fragilização das instituições públicas, em especial a Justiça do Trabalho, seja pelas restrições ao acesso à justiça, seja pela contenção das prerrogativas jurisdicionais no âmbito da regulação do trabalho, que, por meio de sucessivos ataques e restrições, foi esvaziada em sua dimensão pública.

Todo esse conjunto de indicadores, aos quais se somam o aumento das taxas desemprego, subemprego, desalento, é atravessado ainda por interseccionalidades, que revelam que o agravamento das condições de trabalho, inclusive com cenários empobrecimento e fome de trabalhadores e trabalhadoras, atingiu especialmente a população negra, com destaque para as mulheres negras.

O que é denominado por pesquisadores e pesquisadoras de um “devir negro no mercado de trabalho” traduz-se na generalização de uma condição de precariedade e exploração que, por razões estruturais relacionadas ao racismo e à escravização colonial, caracterizava historicamente o trabalho da população negra. Esse “devir”, entretanto, é marcado pela radicalização das desigualdades raciais: ao passo que o mercado de trabalho passa a ser alcançado por características precárias que já eram vivenciadas pela população negra, a condição desse grupo racializado também sobre um piora significativa e acentuada, fazendo-o despontar nas estatísticas de informalidade (47,3%), subocupação (64,2%) e subutilização (64,1%). O agravamento das condições de trabalho na pandemia também impactou mais severamente a população negra e, nesse conjunto, de forma mais gravosa as mulheres negras.

Assim, a reforma trabalhista, jogando no espectro da tríade precarização- trabalho-racismo, produziu aprofundamento das desigualdades sociais, perda de direitos e piora das condições de vida e do rendimento da população trabalhadora do país.

Do ponto de vista jurídico, a Reforma Trabalhista de 2017, contextualizada com as demais medidas de austeridade com decorrem do golpe de 2016, representou a destruição do sistema institucional que busca desmercantilizar ou, ao menos, atenuar a mercantilização da força de trabalho. O resultado foi o esvaziamento do direito do trabalho em relação ao conjunto de valores e princípios que o caracterizavam como tal, instituições uma normatividade de exceção.

Trata-se de uma legalidade autoritária e negacionista, que antecipou muitos dos absurdos que assistimos durante a pandemia. Ao negar a natureza protetiva e a correlação íntima entre as limitações da jornada de trabalho e a saúde e segurança dos trabalhadores, por exemplo, a reforma trabalhista negou a profunda construção teórica de cientistas e pesquisadores sobre as correlações entre acidentalidade, adoecimento e tempo de trabalho.

À ampliação da flexibilidade sobre o tempo e a retribuição do trabalho, delegada ao crivo exclusivo do empregador, conjugou-se um cardápio contratual precário, sempre à escolha do patronato, e um conjunto de medidas de antissindicalidade, que desvirtuaram e esvaziaram a função essencial e constitucionalmente definida para as entidades sindicais. Acrescenta-se, ainda, uma debilidade da responsabilização do poder econômico pelas obrigações trabalhistas e condições de trabalho, que não correspondeu ao incremento de poderes e prerrogativas conferido aos empregadores pela reforma, sobretudo considerando as dimensões complexas das cadeias produtivas. Produziu-se, assim, instabilidade, incerteza e uma concorrência generalizada no âmbito das relações laborais.

Esse inaceitável afastamento da regulação pública e do manto protetivo do direito do trabalho traduz-se na ruptura com o projeto constitucional de 1988, que coloca no horizonte trabalho com direitos para todos e todas, e não apenas para aqueles e aquelas com vínculo de emprego; que não tolera discriminações no âmbito das relações de trabalho e que projeta os direitos sociais como pressuposto essencial da Democracia. Essa ruptura também se dá em relação aos compromissos internacionais estabelecidos pelo Estado Brasileiro com a OIT e com todas as dimensões do sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

Movidos pelo urgente resgate dos sentidos jurídicos e políticos do trabalho e da democracia firmados em 1988 e pelos novos ventos que passam a soprar no cenário internacional, com destaque para a experiência da revogação da reforma trabalhista espanhola, clamamos “Revoga já”, contra o intolerável retrocesso na regulação protetiva do trabalho e em favor de direitos sociais para todos e todas, independentemente das formas de trabalho e engajamento.

E vamos além, para concluir que atualizar o direito do trabalho para que ele possa fazer frente aos novos contextos tecnológicos e econômicos significa expandi-lo, colocando no horizonte mais proteção, bem como a construção de alternativas para reorganizar o mundo do trabalho, considerando a sua centralidade nas relações sociais. Desse modo, apontamos para o fortalecimento dos sindicatos, das negociações coletivas e da democracia nas relações de trabalho, para a proteção do emprego contra dispensas arbitrárias, contra a automação e contra o uso abusivo de dados e informações digitais, para o reforço das pautas antidiscriminatórias e das pautas relacionadas à redução da jornada de trabalho e dos riscos laborais, para uma diversificação da proteção socia em perspectiva solidária, sustentável e plural, resgatando projetos inclusivos e democráticos de valorização do trabalho.


Esse texto síntese considera dados e argumentos proferidos pelos/as palestrantes do Seminário “Revoga já”, ocorrido em 14 de maio de 2022, na USP. A íntegra das falas realizadas no evento pode ser acessada no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=CWcHHtMhvtg 

Clique aqui e leia o texto completo

Fonte: Revoga Já

Data original de publicação: 01/06/2022

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