Estudo sobre a regulação do teletrabalho no Brasil

Foto: FES Brasil

Por Maria Aparecida Bridi e Bárbara Vallejos Vazquez | Friedrich Ebert Stiftung/ Tomar Partido

A pandemia de Covid-19 impactou de diversas formas o mundo do trabalho, em uma dimensão inédita no século XXI. Escolas, universidades e empresas de diversos setores econômicos passaram a adotar o trabalho remoto, transferindo o trabalho presencial para os domicílios. No Brasil, em 26 de fevereiro de 2020 foi confirmado o primeiro caso de Covid-19.(1) Assim, no começo de março, diversas medidas de incentivo ao distanciamento social foram iniciadas, nos âmbitos público e privado.

O isolamento social significou um forte enxugamento da demanda interna. Os pequenos negócios, que concentram parte expressiva do emprego no país, tiveram cerca de 550 mil unidades fechadas entre abril e maio de 2020, o que, estima- -se, impactou mais de 5,7 milhões de empregos com carteira assinada (MANZANO E BORSARI, 2020). Além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Covid-19 (PNAD- -COVID-19), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou o afastamento de mais de 19 milhões de pessoas da força de trabalho, devido à pandemia. (2) Ainda que o total de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais) tenha aumentado em 4,6 milhões de pessoas no período, (3) a força de trabalho foi reduzida em cerca de 10 milhões de pessoas no 2º trim. 2020 e segue em patamares abaixo (–4,6 milhões de pessoas) daquele observado no 1º trim. 2020. A taxa de participação alcançou patamar mais baixo da série histórica (55,1%); mesmo assim, as taxas de desemprego se elevaram, saltando de 12,2% no 1° trim. 2020 para 14,7% no 1° trim. 2021.

Com a edição de duas medidas provisórias (MP) (4) para o mercado de trabalho, as MPS 936 e 927, mais de 9 milhões de trabalhadores tiveram rendimentos reduzidos, ao ser enquadrados no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda,(5) medida que permitiu redução da jornada com redução salarial ou suspensão temporária do contrato de trabalho por contrato individual de trabalho (6) e, ainda, 8,9 milhões de trabalhadores foram direcionados ao trabalho remoto (cf. denominado pelo IBGE), também referido como home office ou teletrabalho.

Na literatura, encontram-se variações do termo: trabalho remoto, home office, home work, telework e teletrabalho (OLIVEIRA, 2015; COSTA, 2007; ALVES, 2008; ALEMÃO e BARROSO, 2012). São denominações que se referem ao trabalho realizado por meios informacionais (digitais) no domicílio do trabalhador, por isso é utilizado também como sinônimo de home office. As dificuldades para conceituação decorrem de diferentes variáveis que se entrecruzam e/ou sobrepõem, visto que podem ser realizados por trabalhadores com diferentes modalidades de contrato, incluídos na CLT (no caso do Brasil), autônomos, pessoa jurídica, freelancer e até servidores públicos. Quanto às jornadas de trabalho, podem se limitar ao tempo parcial ou abarcar o integral. Pode ser realizado fora da empresa, mas não necessariamente em casa, caso de trabalhadores autônomos que atuam em espaços coletivos. Tal imprecisão conceitual se deve, portanto, “ao fato de poder ser realizado em diferentes espaços, mediado por diferentes modalidades contratuais e frequência, cujo critério básico adotado é o da realização fora da empresa e mediado pelas tecnologias da informação e comunicação” (BRIDI, 2020b, p. 176). Neste texto, adota-se o conceito teletrabalho em razão de ser a forma como se encontra na legislação trabalhista brasileira, incorporado à CLT, após a Reforma Trabalhista de 2017, em seu artigo 75, e por delimitar uma forma específica de trabalho realizado à distância, com uso de meios telemáticos.(7)

O teletrabalho (remoto ou home office) – que já era uma realidade para milhões de trabalhadores pelo mundo e ganhou proeminência na crise da pandemia de Covid-19 de 2020 – é uma prática marcada por construções ideológicas positivadas, ligadas à modernidade e inovação; visões que são reafirmadas em discursos empresariais, que a retratam, muitas vezes, como um “prêmio” ao trabalhador ou trabalhadora que possua características tais como proatividade.

Para a definição dessa forma de trabalho, Oliveira (2015) destaca que o mesmo se desenvolveu em contexto de flexibilização de remunerações, jornadas e formas de contratar adotadas como parte de planos de reestruturação de organizações sob o ideário neoliberal. E não podendo ser reduzida, portanto, ao mero deslocamento físico do trabalhador a outro espaço de trabalho.

Embora não seja uma novidade, o teletrabalho, dada a dimensão, as condições objetivas e as formas de regulação durante a pandemia, desafia a sociedade a buscar meios para não dissolver os direitos do trabalho.

O presente artigo, além de trazer dados sobre o teletrabalho, analisa a regulação no Brasil antes e durante a pandemia, o perfil dos trabalhadores e tipos de atividades, que também podem significar novas fronteiras de desigualdade. Entre as conclusões, destaca-se que a regulação no Brasil assegurou flexibilidade e condições favoráveis ao empregador. Forçado pela necessidade de isolamento social, o teletrabalho foi aplicado de formas distintas a depender do setor econômico e da região do país, mas é certo que houve aceleração quanto às experimentações e aprendizado por parte das empresas e dos trabalhadores, quanto à utilização de meios telemáticos. Chegou a atingir 13,2% da população ocupada e não afastada no Brasil (PNAD-COVID, maio/2020). Esse número, de toda forma, ainda está aquém daquele apresentado como potencial do teletrabalho no Brasil, segundo calculado por Góes, Martins e Nascimento (2020), baseados em estimativas realizadas segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que seria de 22,7% dos ocupados no Brasil.

Referências:

(1) Ver em: <https://www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasil-con-firma-primeiro-caso-da-doenca>

(2) A PNAD-COVID-19 levantou dados semanalmente referentes a saúde e trabalho no período de maio a novembro de 2020.

(3) Entre 1° trim. 2020 e 1° trim. 2021.

(4) Medidas Provisórias são atos do presidente da República, sem participação do Legislativo, invocadas em casos de relevância e urgência. Possuem força de lei com efeito imediato, com vigência de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Dependem da aprovação do Congresso Nacional para se consolidar como lei ou perdem sua validade.

(5) Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-infor-macao/acoes-e-programas/dois-anos-de-avancos/acoes-2020-com-bate-a-covid-19/beneficio-emergencial-preserva-empregos>

(6) Nos dois casos, foi definido benefício compensatório pago pelo governo que, de toda forma, acarretou redução da massa de rendimentos para trabalhadores com rendimentos

(7) A despeito dessa opção, destaca-se que cada categoria de trabalhadores, setores de atividades etc., assumiu conceitos diversos. O IBGE utiliza trabalho remoto; a pesquisa nacional dos Bancários utilizou o termo home office; a legislação brasileira utiliza o termo teletrabalho.

Clique aqui e leia a pesquisa completa

Fonte: Friedrich Ebert Stiftung/ Tomar Partido

Data original de publicação: Julho de 2021

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