O tsunami do desemprego: a eterna pandemia do mercado de trabalho
Por Eduardo Camín | Carta Maior
A mais recente edição do relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), com o título “Perspectivas Sociais e Empregatícias no Mundo: Tendências 2022”, alerta para uma recuperação lenta e incerta dos empregos, devido aos efeitos persistentes da pandemia nos mercados de trabalho do mundo e o desemprego atingindo mais de 207 milhões de pessoas.
O ritmo de recuperação da atividade econômica depende, em grande parte, da capacidade de conter o vírus e seus efeitos nas dinâmicas de trabalho. Portanto, a recuperação segue padrões diferentes em distintas regiões e distintos setores. No entanto, cada novo surto traz consigo novos contratempos.
As perspectivas para o mercado de trabalho global pioraram desde as últimas projeções da OIT, e é provável que, em grande parte do mundo, continue sendo difícil retornar ao desempenho pré-pandemia, ao menos nos próximos anos, tendo em vista as últimas previsões de crescimento econômico.
A OIT estima que o total global de horas trabalhadas em 2022 permanecerá quase dois por cento abaixo do nível pré-pandemia, uma vez ajustado para o crescimento populacional, correspondendo a um déficit equivalente a 52 milhões de empregos. semana de trabalho).
O desemprego global em 2022 continuará superando em mais de 20 milhões o número registrado em 2019. Essa perspectiva representa uma deterioração substancial em comparação com as projeções feitas na edição anterior do relatório, publicada em junho de 2021, quando se esperava que o déficit de horas de trabalho relativo ao quarto trimestre de 2019 diminuísse para menos de 1% em 2022, ou seja, cerca de 26 milhões.
Até o final de 2022, a taxa de emprego deverá situar-se em 55,9%, ou seja, 1,4 pontos percentuais abaixo do nível de 2019. Além disso, muitas das pessoas que perderam seus trabalhos não conseguiram um novo. Portanto, o nível de desemprego não reflete plenamente as repercussões da crise sobre o pleno emprego, e estima-se que a taxa de desemprego global permaneça acima do nível alcançado em 2019 pelo menos até 2023.
Deficiências e desigualdades estruturais
O informe observa que a extensa economia informal em muitos países em desenvolvimento está prejudicando a eficácia de alguns instrumentos de política, pois as empresas informais têm sido menos capazes de acessar linhas formais de crédito ou apoio governamental relacionado aos planos de recuperação pós-pandemia de covid-19. Assim, as medidas de ajuda têm sido menos propensas a alcançar as pessoas necessitadas, e as desigualdades dentro dos países aumentaram.
As empresas menores experimentaram um declínio maior no emprego e nas horas de trabalho do que as maiores. As economias em desenvolvimento, que dependem da exportação de bens intensivos em mão de obra ou commodities, tiveram mais dificuldade em se ajustar à volatilidade da demanda resultante das mudanças no crescimento econômico relacionadas à pandemia.
Hoje, as economias que dependem do turismo sofrem muito com cada fechamento de fronteiras e, portanto, com a perda de renda.
Nos países em desenvolvimento, por outro lado, a falta de sistemas de proteção social abrangentes que possam fornecer benefícios adequados para estabilizar a renda agravou as dificuldades financeiras das famílias que já eram economicamente vulneráveis, com efeitos em cascata sobre a saúde e a nutrição.
A pandemia empurrou milhões de crianças para a pobreza, e estimativas recentes sugerem que, durante 2020, mais 30 milhões de adultos não têm trabalho remunerado e caíram na pobreza extrema – ou seja, passaram a viver com uma renda familiar de menos de 1,90 dólar por dia. Além disso, aumentou em 8 milhões o número de trabalhadores em extrema pobreza, aqueles que mesmo trabalhando não ganham o suficiente para sustentar a si e suas famílias acima da linha da pobreza.
Ao mesmo tempo, a recuperação desigual da economia mundial começou a causar repercussões de longo prazo, em termos de incerteza e instabilidade persistentes, que podem inviabilizar a recuperação.
As mudanças na demanda do mercado e o aumento dos serviços online, os custos comerciais disparados e as mudanças na oferta de mão de obra impulsionadas pela pandemia criaram gargalos na indústria de manufatura, impedindo que as condições do mercado de trabalho pré-pandemia sejam restauradas.
Interrupções prolongadas e acentuadas na cadeia de suprimentos estão criando incertezas no ambiente de negócios e podem levar a uma reconfiguração da geografia da produção, com consequências significativas para o emprego. O aumento dos preços de produtos básicos e bens essenciais, quando os mercados de trabalho ainda têm um longo caminho a percorrer para se recuperar, reduz significativamente a renda disponível e, portanto, aumenta o custo da crise.
Olhando para o futuro, os formuladores de políticas macroeconômicas enfrentam decisões difíceis com repercussões internacionais significativas. Se houver sinais de aumento das expectativas de inflação, é provável que se multipliquem os apelos para que as políticas monetária e fiscal sejam apertadas em um ritmo mais rápido.
Portanto, é de se esperar que a recuperação da demanda por mão de obra aos níveis pré-crise tarde mais tempo, muito tempo, o que desacelerará o aumento do emprego e das horas de trabalho. A redefinição lenta e desigual das horas de trabalho em 2021 manteve a renda do trabalho em níveis baixos.
Como a maioria dos trabalhadores do mundo não possui mecanismos de reposição de renda suficientes – quando eles existem –, as famílias foram forçadas a gastar suas economias. O efeito foi especialmente pronunciado nos países em desenvolvimento, onde a proporção da população economicamente vulnerável é maior e a magnitude das medidas de estímulo tem sido menor.
A perda de renda como produto desse cenário contraiu ainda mais a demanda agregada, criando um círculo vicioso que destaca a necessidade de políticas concertadas para acelerar a recuperação do mercado de trabalho, enfrentar as desigualdades e colocar a economia global de volta nos trilhos do crescimento sustentável… no capitalismo?
O informe da OIT destaca que a recuperação do mercado de trabalho é mais rápida nos países de alta renda – que representam cerca de 20% da população ativa mundial –, onde aproximadamente metade da diminuição do desemprego global ocorreu entre 2020 e 2022.
Por outro lado, desde o início da pandemia, os países de renda média baixa foram os mais atingidos e estão se recuperando mais lentamente. A recuperação varia em cada país. O impacto desproporcional da pandemia no emprego feminino deverá diminuir globalmente nos próximos anos, mas espera-se que uma lacuna considerável permaneça.
A disparidade é mais pronunciada nos países de renda média alta, onde a taxa de emprego das mulheres em 2022 deverá ser 1,8% menor do que em 2019, em comparação com uma diferença de apenas 1,6% no caso dos homens, e apesar de as mulheres já terem uma taxa de emprego 16% abaixo da dos homens.
O fechamento de escolas, universidades e centros de formação profissional por períodos prolongados prejudicou os resultados da aprendizagem, que terão repercussões a longo prazo no emprego e na continuidade da educação, bem como na formação dos jovens, em especial daqueles que tiveram acesso limitado ou nenhum acesso a oportunidades de aprendizagem online.
Além disso, o emprego assalariado informal permanece 8% abaixo do nível alcançado antes da crise. O trabalho por conta própria e o trabalho familiar contributivo, que muitas vezes se caracterizam por condições de trabalho precárias, já mostravam uma tendência de queda inclusive antes da crise.
A pandemia começou a causar mudanças econômicas estruturais que poderiam se arraigar, com consequências permanentes para os mercados de trabalho. A confluência de várias tendências macroeconómicas gera incerteza sobre se a redução do horário de trabalho, do emprego e da taxa de atividade é temporária ou se, pelo contrário, a pandemia conduz a saídas mais estruturais do mercado de trabalho, ou a transformações que permitem poupar trabalho, o que requer diferentes cursos de ação.
A desculpa perfeita, entre o acidente e a fatalidade
Um aspecto do nosso tempo e sua cultura de consumo é que fatos e conceitos estão perdendo seu princípio e seu fim. Escondendo sua causa e propósito. Fenômenos que são lançados à opinião pública, como terrorismo, incêndios, inundações, vulcões, tsunamis e pandemias, tudo tem a estranha aparência de pertencer a um acidente ou uma fatalidade.
Mas a fatalidade é altiva e não nos responde. A crise parece gigantesca, mas sem outra causa que não seja a mudança climática ou a fatalidade de uma pandemia. Sem dúvida, a pandemia está exacerbando várias formas de injustiça, desde a intensificação das desigualdades de gênero até o aumento da exclusão digital.
Mudanças na composição das relações de trabalho – como a dependência do trabalho informal por conta própria para a subsistência, o aumento do teletrabalho e várias tendências do trabalho temporário – podem deteriorar a qualidade das condições de trabalho.
A cada novo informe, nos convencemos mais de que a economia contemporânea parece ter se tornado um espetáculo autônomo, ausente e livre da razão. Um espetáculo de capital, mercadorias ou seres vivos, fusões e trilhões de dólares concentrados em poucas mãos, um espetáculo do mundo que, hoje, opera em um sistema sem qualquer regra externa, sem qualquer racionalidade. A economia neoliberal despida de obstáculos sociais, morais ou políticos celebra a bacanal de sua consagração, a fatalidade de seu poder.
A questão é levantada: lembraremos que na Conferência Internacional do Trabalho realizada em junho de 2021, os 187 Estados membros da OIT discutiram as respostas políticas globais, regionais e nacionais à crise.
No final do debate, foi adotado o apelo global à ação para uma recuperação pós-crise da covid-19 que fosse centrada nas pessoas, que seja inclusiva, sustentável e resiliente, destacando a necessidade de uma recuperação totalmente integradora, com a implementação acelerada da Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho.
Isso envolve reconstruir a economia de uma maneira que aborde as desigualdades sistêmicas e estruturais, e outros problemas sociais e econômicos de longo prazo, como as mudanças climáticas, que antecedem a pandemia. Os pré-requisitos para alcançar essa resiliência são ações multilaterais e de solidariedade global, incluindo acesso a vacinas, reestruturação das dívidas e facilitação de uma transição verde.
Se esses importantes desafios políticos não forem abordados, será perdida outra oportunidade de colocar o mundo em um caminho mais justo e sustentável. Este é o drama das promessas eternas, onde as ondas já são tsunamis de injustiças e misérias.
Eduardo Camín é jornalista uruguaio credenciado na ONU em Genebra, e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
*Publicado originamlente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli
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Fonte: Carta Maior
Data original de publicação: 20/01/2022