Pesquisa mostra agravamento da insegurança alimentar no país
Por Alexandre Valadares | Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Análise de dados da POF-2018 indica tendência de piora, em especial, na população rural
Os indicadores de insegurança alimentar se destacam pelo agravamento, com tendência a se acentuar, principalmente na população rural, num contexto de Brasil em que os índices de segurança alimentar preocupam, principalmente nos domicílios com famílias em situação de pobreza, que vivem com renda mensal de dois salários mínimos. As evidências dessa realidade no campo e na cidade estão na nota técnica ‘Perfil da População Rural na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017 a 2018 e a Evolução dos Dados de Insegurança Alimentar: Uma Análise Preliminar’, que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulga nesta segunda-feira (31/1). A análise dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2018 (POF-2018) também contemplou comparações em perspectiva histórica quanto à composição das famílias, rendimentos e despesas.
O estudo mostra que 79,5% da população urbana estava em segurança alimentar em 2013, mas esse índice caiu para 64,9%, em 2018. Alerta também que a proporção de famílias em domicílios rurais com segurança alimentar caiu de 64,7% para 53,6%, no mesmo período. Em 2018, um quinto das famílias em domicílios rurais e urbanos se encontrava em insegurança alimentar moderada ou grave. “Isso significa fome”, explicou o pesquisador do Ipea Alexandre Arbex Valadares, autor da avaliação preliminar dos dados gerados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Os dados da POF-2018 surpreenderam porque, nas pesquisas anteriores, os indicadores apontavam uma tendência de superação da insegurança alimentar no país, trajetória que mudou sensivelmente em 2018”, comentou.
Ao examinar os indicadores de insegurança alimentar medidos pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que pode ser leve, moderada ou grave, o pesquisador percebeu o agravamento da situação. Segundo Valadares, em 2013, no meio urbano, o índice de insegurança alimentar grave era 2,8% e cresceu para 4,1%, em 2018. E, nos domicílios rurais, o mesmo indicador saltou 5,5% para 7,1%, em igual período. “Observa-se o aumento de um ponto percentual e meio, o que configura uma mudança grave”, ressaltou.
“Com dados da POF-2018 e da Pnad Contínua, ambas pesquisas apuradas pelo IBGE, foi possível constatar que a trajetória da segurança alimentar no país se mostra em claro e preocupante retrocesso”, concluiu Valadares. Para ele, a pandemia da Covid-19 pode aprofundar a tendência de agravamento desses indicadores. Daí a necessidade de estudos frequentes, para identificar e acompanhar a situação alimentar e nutricional dessas famílias e para buscar alternativas, visando à superação dessa condição perversa e relevante para o país, ressalta o pesquisador do Ipea.
Especificamente sobre os domicílios rurais, Valadares afirmou que a proporção das famílias com renda até dois salários mínimos, a menor faixa capturada pela POF, aumentou em 2018 frente a 2008. “Houve queda na participação dos rendimentos do trabalho na renda das famílias rurais, empobrecimento que também está ligado à insegurança alimentar”, informou. Para o total das famílias em 2008, 53,6% dos rendimentos vinham do trabalho, principalmente como empregado (28,5%) e por conta própria (19,7%). As transferências, em especial, da Previdência Social e de programas socioassistenciais, alcançavam 20,5%, e os rendimentos não monetários, 18,7%. Em 2018, o quadro era outro: 46,8% do trabalho; 25,3% de transferências; e 18,3% de rendimentos não monetários, expondo uma mudança relevante nos indicadores.
No caso das despesas, tanto as famílias rurais como as urbanas, realizaram a maior parte delas com habitação e alimentação, apesar desse último ter apresentado redução, o que repercute na segurança alimentar também. “Esses itens consumiram metade da renda dessas famílias, que se situam na faixa de dois salários mínimos”, observou Valadares. Entre 2008 e 2018, houve uma redução significativa dos gastos com alimentação. Para as famílias rurais, as despesas com alimentação caíram de R$ 640,49 para R$ 551,21, enquanto que, para aquelas mais pobres, a redução foi de R$ 401,54 para R$ 371,70, atingindo despesas dos principais tipos de alimentos consumidos por essas famílias – cereais, leguminosas e oleaginosas, e carnes, vísceras e pescados. “Esses resultados também influenciaram a queda dos indicadores de segurança alimentar”, disse o pesquisador.
A análise dos dados mostrou ainda que, entre 2002 e 2018, o total de famílias com domicílio rural cresceu 28,4%, de 7,4 milhões para 9,5 milhões, e entre as famílias urbanas, esse aumento foi de 44,7%, de 41,1 milhões para 59,5 milhões. O tamanho das famílias também diminuiu ao longo dessa série; saiu de 4,05 integrantes em 2002, diminuiu para 3,6 em 2008 e chegou a 3,21 membros em 2018.
A POF-2018 é a pesquisa mais recente do IBGE com dados da população rural, tendo sido divulgada em 2019. A próxima POF deverá ser conhecida somente em 2025 e, até lá, situações como os impactos da pandemia da Covid-19 serão capturados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), também do IBGE, mas que não inclui os domicílios rurais.
Confira a íntegra da Nota Técnica
Clique aqui e leia a matéria completa
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Data original de publicação: 28/01/2022