Empresa é condenada por acidente de trabalho em home office

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Bruno Milhorato Barbosa
O crescimento do trabalho remoto, impulsionado pela Covid-19, trouxe desafios que muitas empresas ainda relutam em enfrentar, como a dificuldade de monitoramento das condições de trabalho, a garantia da ergonomia adequada, o equilíbrio entre jornada laboral e vida pessoal dos funcionários, além da necessidade de manter a cultura organizacional e a comunicação eficiente à distância.

A pandemia acelerou a adoção do home office de maneira abrupta, sem tempo para um planejamento estruturado, evidenciando lacunas na regulamentação e na adaptação das empresas a esse novo modelo de trabalho. O recente caso julgado foi da juíza Mirella D’arc de Melo Cahú, da 4ª Vara do Trabalho de João Pessoa do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região) reafirma um princípio essencial: a responsabilidade do empregador não se limita ao espaço físico da empresa. Se um trabalhador sofre um acidente durante o home office, a negligência empresarial não pode ser ignorada.
O caso de um operador de telemarketing, que foi indenizado após sofrer um acidente de trabalho em casa, acende um alerta sobre a urgência de medidas preventivas para quem desempenha suas funções fora das instalações da empresa. A decisão do TRT-13 reforça que o empregador tem o dever de garantir condições adequadas e oferecer diretrizes claras sobre ergonomia e segurança no home office.
Com a ascensão das novas formas de trabalho, é essencial compreender as diferenças entre os conceitos que, muitas vezes, são usados de forma equivocada (inclusive pela legislação vigente):
- Trabalho remoto: É um termo genérico que engloba qualquer tipo de trabalho realizado fora das dependências da empresa, seja de forma permanente ou temporária (hibrido), portanto, teletrabalho e home office são especies.
- Teletrabalho: Refere-se à prestação de serviços predominantemente fora das dependências do empregador, utilizando tecnologia da informação e comunicação, mas não na residência do empregado.
- Home Office: Forma específica de trabalho remoto, caracterizada pela realização das atividades profissionais em casa.
Proteção legal do meio ambiente do trabalho remoto
A legislação trabalhista exige que o empregador instrua seus funcionários sobre os cuidados para evitar doenças e acidentes, além de fornecer infraestrutura adequada, sempre que necessário.
O artigo 7º, inciso XXII, da Constituição, assegura a redução dos riscos inerentes ao trabalho. O inciso XXVIII garante indenização em casos de acidentes de trabalho por culpa do empregador.
Vale destacar que a NR 17 trata da ergonomia no ambiente laboral, e o Anexo II, item 5.13, determina que:
“As disposições deste Anexo aplicam-se ao trabalho em teleatendimento/telemarketing realizado em domicílio (home office), devendo a organização orientar e fornecer condições ergonômicas, inclusive mobiliário e equipamentos, para a execução das atividades.”
Isso reforça a necessidade de acompanhamento e suporte das empresas para a segurança do trabalhador remoto.
Apesar da obrigação legal das empresas em garantir um ambiente de trabalho seguro, o home office traz desafios importantes, especialmente no que tange à privacidade do trabalhador. Vejamos:
- O lar é inviolável: O artigo 5º da Constituição protege a intimidade e a vida privada, garantindo que a casa é um asilo inviolável (inciso XI). Dessa forma, a empresa não pode simplesmente inspecionar o ambiente domiciliar do empregado sem consentimento, sob risco de violar direitos fundamentais.
- Direito à oposição: O empregado pode considerar qualquer fiscalização em sua residência uma afronta a seus direitos e, por isso, opor-se a qualquer tipo de monitoramento, mesmo que a intenção seja garantir um ambiente de trabalho seguro.
- Decisões judiciais contra o monitoramento excessivo: Há precedentes judiciais que consideram que a fiscalização da empresa no home office pode ser excessiva e invasiva, violando a intimidade e privacidade do trabalhador. Isso gera insegurança jurídica para empregadores que desejam cumprir suas obrigações legais.
- O desafio da fiscalização em larga escala: Para empresas com grande número de funcionários em home office, garantir condições ergonômicas adequadas para todos pode se tornar inviável. Esse argumento tem sido utilizado para justificar o retorno ao trabalho presencial, gerando o declínio do home office e retorno ao trabalho presencial, como já vem acontecendo em grandes corporações (Apple, Amazon, Google e Meta).
Os desafios do home office e os riscos psicossociais
Muito embora o ambiente residencial não represente um meio ambiente de trabalho ergonomicamente adequado, os desafios vão além da adequação do mobiliário. O home office pode expor os trabalhadores a riscos psicossociais significativos, incluindo o isolamento social, a dificuldade de separação entre vida profissional e pessoal, e a pressão por disponibilidade constante. Além disso, a ausência de interações presenciais pode gerar sentimentos de solidão e reduzir o suporte social no ambiente de trabalho, impactando negativamente a saúde mental e o bem-estar emocional do trabalhador. O home office expõe os trabalhadores a riscos psicossociais laborais e cotidianos, especialmente devido à acumulação de tarefas domésticas com as exigências profissionais. Essa sobrecarga pode levar a quadros de estresse, ansiedade e até ao desenvolvimento de doenças ocupacionais, afetando tanto a saúde física quanto a psicológica do trabalhador.Spacca

Além disso, a ausência de delimitação clara entre o espaço doméstico e o espaço profissional pode gerar jornadas de trabalho mais longas, dificultando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o que pode resultar em uma maior incidência de esgotamento físico e mental.
Núcleos de teletrabalho: uma alternativa viável ao home office
Embora o home office apresente desafios, isso não inviabiliza o trabalho remoto. O teletrabalho pode ocorrer em núcleos descentralizados da empresa, em locais distantes da sede, melhorando a mobilidade urbana e combatendo a segregação residencial (onde as empresas consideram o endereço de residência do empregado como critério de seleção).
Esses núcleos de teletrabalho funcionam como espaços de trabalho remoto fora da residência do trabalhador e da sede da empresa, reduzindo longos deslocamentos e garantindo um ambiente ergonomicamente adequado. Essa solução apresenta benefícios como a redução do tempo de deslocamento, melhorando a qualidade de vida do trabalhador; facilidade de fiscalização das condições de trabalho pelo empregador; estrutura profissionalizada, garantindo um espaço adequado para a produtividade; contribuição para a mobilidade urbana, evitando congestionamento e sobrecarga dos transportes públicos.
Países, estados e, principalmente, municípios podem desenvolver políticas públicas para fomentar a criação desses núcleos de teletrabalho, como ocorre em Portugal e Canadá, onde iniciativas de coworking público e parcerias com empresas privadas foram implementadas com sucesso. No Brasil, cidades como Curitiba, Florianópolis e Recife já estudam modelos semelhantes para atrair trabalhadores e empresas para regiões menos populosas, promovendo o desenvolvimento econômico local. Além disso, cidades do interior como São Carlos e Ribeirão Preto, em São Paulo, têm investido na infraestrutura necessária para atrair empresas interessadas em aderir a esse modelo, por exemplo. Isso pode incluir incentivos fiscais, subsídios para a instalação de espaços de núcleos de teletrabalho e parcerias com empresas privadas.
É certo que a criação de políticas públicas objetivando a criação de núcleos de teletrabalho não se limita aos municípios que guardam proximidade e relações com regiões metropolitanas. Seguramente, se pudessem escolher, muitos trabalhadores optariam por residir em cidades do interior, abandonando a correria das regiões metropolitanas, podendo inclusive ser considerado com um benefício adicional da vaga.
Assim, a criação de núcleos de teletrabalho em cidades do interior pode gerar impactos positivos tanto para os trabalhadores quanto para os municípios e empresas. Entre os principais benefícios estão:
- Melhoria na qualidade de vida: Cidades do interior tendem a ter um custo de vida mais baixo, mais tempo para atividades pessoais, lazer e convivência familiar e um ambiente menos estressante do que os grandes centros urbanos, o que pode resultar em trabalhadores mais motivados e produtivos.
- Retenção de mão de obra: Com melhores condições de trabalho e qualidade de vida, certamente é um benefício adicional da vaga;
- Diminuição do tempo perdido no trânsito: Permite que os trabalhadores iniciem suas atividades mais descansados e produtivos;
- Redução de custos com transporte: Tanto para o trabalhador quanto para o empregador.
- Contribuição para a sustentabilidade, reduzindo a emissão de poluentes devido à menor quantidade de veículos em circulação. Menos profissionais precisarão se deslocar para grandes metrópoles em busca de oportunidades.
- Fortalecimento do comércio local: Com mais trabalhadores empregados nas cidades menores, há um aumento da renda per capita, beneficiando o comércio e os serviços locais.
O que a decisão da Justiça do Trabalho nos ensina?
A Justiça do Trabalho vem demonstrando que o empregador não pode se omitir frente à nova realidade do home office. Se a empresa exige que o funcionário trabalhe remotamente, deve garantir um ambiente seguro, fornecendo estrutura e instruções adequadas. No entanto, esse dever de fiscalização esbarra nos direitos fundamentais do trabalhador, gerando um impasse entre segurança e privacidade.
A falta de regulamentação clara para equilibrar essas duas frentes abre margem para conflitos e decisões judiciais contraditórias, dificultando a definição de responsabilidades tanto para empregadores quanto para empregados.
Conclusão
A decisão do TRT-13 é um marco na proteção do trabalhador remoto, podendo influenciar futuras regulamentações sobre o trabalho à distância. Essa decisão reforça a necessidade de diretrizes mais claras quanto à responsabilidade do empregador em garantir um ambiente adequado, mesmo fora das dependências físicas da empresa. Além disso, pode incentivar a formulação de políticas públicas que estabeleçam melhores práticas para o teletrabalho, equilibrando a segurança do trabalhador com a preservação de seus direitos fundamentais. Ficando o alerta para a necessidade de políticas empresariais mais robustas voltadas à segurança no home office. No entanto, essa responsabilidade não pode ignorar os direitos fundamentais dos empregados, como a inviolabilidade do lar e a proteção da privacidade e intimidade.
A solução pode estar nos núcleos de teletrabalho descentralizados, que oferecem uma alternativa viável ao home office, conciliando qualidade de vida para o trabalhador com um ambiente de trabalho seguro e fiscalizável pelo empregador. Além de melhorar a mobilidade urbana, essa estratégia pode fomentar o desenvolvimento econômico de cidades do interior, beneficiando tanto empresas quanto a sociedade como um todo.
- Bruno Milhorato Barbosaé advogado trabalhista, sócio fundador da Fabretti & Milhorato Advogados, especializado em Direito Individual e Processo do Trabalho pela Universidade de Cândido Mendes (Ucam) e pós-graduado em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
Fonte: Consultor Jurídico
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Data original de publicação: 14 de fevereiro de 2025