ADI 5766: a saga continua, em busca da dignidade e do acesso à justiça
Por Jorge Luiz Souto Maior
Depois que o STF declarou a inconstitucionalidade do § 4o do art. 791-A da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/17, considerou-se que a prática das condenações de trabalhadores e trabalhadoras ao pagamento de honorários advocatícios a patronos dos empregadores (reclamados) estava banida das lides trabalhistas.
Ledo engano. Até porque, como se diz, “alegria de pobre dura pouco”.
O que se tem verificado na jurisprudência é a manutenção da mesma situação anterior como se o julgamento do STF, ao cumprir a Constituição e garantir o acesso à justiça ao pobre, não tivesse ocorrido.
A tese jurídica adotada para produzir este resultado é a de que o STF só teria declarado a inconstitucionalidade da parte do dispositivo em questão que condicionava a isenção do pagamento dos honorários advocatícios pelo beneficiário da justiça gratuita ao fato deste não ter “obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”.
E ainda se diz que esta delimitação teria sido esclarecida no julgamento dos Embargos Declaratórios apresentados na mesma ação.
Um fator muito importante que se encontra subjacente no entendimento em questão é de que a ele só se chega pelo exercício de uma vontade determinada de continuar mantendo trabalhadores e trabalhadoras sob a espada do custo processual e, com isto, dificultar o seu acesso à justiça.
Apenas por este aspecto já seria condenável, por ser contrário à lógica processual da ampliação do acesso à justiça como fator de efetivação da cidadania e garantia da dignidade.
Mas é bem pior porque, como dito, para se chegar a ele é preciso fazer um esforço interpretativo muito grande, que chega ao efeito de negar a própria literalidade da decisão, que, em momento algum, diz isto expressamente, nem no Acórdão, nem na decisão dos Embargos.
Senão vejamos.
A conclusão da ADI 5766 foi no seguinte sentido:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro LUIZ FUX, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por maioria, acordam em julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos termos do voto do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros ROBERTO BARROSO (Relator), LUIZ FUX (Presidente), NUNES MARQUES e GILMAR MENDES. E acordam, por maioria, em julgar improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER.
Brasília, 20 de outubro de 2021.”
Nos Embargos Declaratórios, pelos quais a PGR pretendia que a questão da declaração da inconstitucionalidade fosse esclarecida, o relator esclareceu que:
“Todavia, não se verifica a existência de quaisquer das deficiências em questão, pois o acórdão embargado enfrentou e decidiu, de maneira integral e com fundamentação suficiente, toda a controvérsia veiculada na inicial.
Veja-se que, em relação aos arts. 790-B, caput e § 4º, e 79-A, § 4º, da CLT, parcela da Ação Direta em relação a qual a compreensão majoritária da CORTE foi pela PROCEDÊNCIA, há perfeita congruência com o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República (doc. 1, pág. 71- 72), assim redigido:
‘Requer que, ao final, seja julgado procedente o pedido, para declarar inconstitucionalidade das seguintes normas, todas introduzidas pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017: a) da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, do caput, e do § 4 o do art. 790-B da CLT; b) da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa,” do § 4 o do art. 791-A da CLT; c) da expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita,” do § 2 o do art. 844 da CLT.’
Assim, seria estranho ao objeto do julgamento tratar a constitucionalidade do texto restante do caput do art. 790-B e do § 4º do art. 791-A, da CLT. Mesmo os Ministros que votaram pela procedência total do pedido – Ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER – declararam a inconstitucionalidade desses dispositivos na mesma extensão que consta da conclusão do acórdão.”
Como se vê, tanto no Acórdão quanto nos embargos o que disse explicitamente é que o § 4o do art. 791-A da CLT é inconstitucional.
Nos Embargos Declaratórios, além disso, o que se evidenciou foi que o resultado manifestado no julgamento da ADI atendeu a demanda formulada pela PGR, não havendo, pois, nada a acrescentar. Não houve, portanto, qualquer alteração do julgado.
Em concreto, o que se evidenciou foi que como a PGR havia pretendido que partes dos textos normativos fossem declaradas inconstitucionais, ao se definir pela inconstitucionalidade total, o pleito teria sido atendido, já que o todo abrange a parte. Ademais, como se sabe, em ações de constitucionalidade, ao menos em matéria trabalhista, o STF não tem se guiado pela noção de adstrição ao pedido inicial. Vide, a propósito, dentre outras, a decisão proferida nas ADCs 58 e 59.
Nos embargos declaratórios, o relator deixou bem destacado, inclusive, que “seria estranho ao objeto do julgamento tratar a constitucionalidade do texto restante do caput do art. 790-B e do § 4º do art. 791-A, da CLT”, deixando nas entrelinhas a mensagem de que, afinal, os dispositivos em questão foram declarados inconstitucionais na sua integralidade, não sendo pertinente, pois, tratar do “restante” dos seus textos.
Além disso, do ponto de vista estritamente processual, se os embargos declaratórios foram rejeitados e não tiveram, pois, qualquer efeito infringente, o que prevalece é o acórdão originário, que, ademais, a toda evidência, possui maior eficácia que uma suposta “ratio decidendi” que se pudesse extrair do julgamento dos embargos. Concretamente, os fundamentos constantes de embargos declaratórios (sobretudo, quando rejeitados) não prevalecem sobre a parte dispositiva da decisão embargada, ainda mais em se tratando de uma decisão proferida em ADI, cujo efeito, por disposição expressa, foi a retirada da norma do ordenamento jurídico.
Ainda que assim não fosse, se o resultado fosse este de apenas extrair uma parte de cada um dos textos legais impugnados, o resultado final seria inconcluso, trazendo novos complicadores jurídicos e algumas aberrações de ordem lógica.
Por exemplo, com relação ao “caput” do art. 790-B, também apreciado no mesmo julgamento, se o efeito fosse meramente o da extração da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, o que restaria ou seria um texto que nada acrescenta na dinâmica processual, vez que passaria a dizer aquilo que há muito já se sabe e que se aplica cotidianamente, qual seja, que “a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia”, ou seria um autêntico contrassenso com relação ao quanto restou definido no julgamento da ADI 5766, pois permitiria entender que a condenação ao objeto em questão se aplicaria à parte sucumbente independente de se perquirir acerca da sua condição econômica. Afinal, o texto não traria mais qualquer distinção quanto à obrigação frente aos efeitos da sucumbência nos pedidos dependentes de perícia técnica, aplicando-se a todos, pois, como se diz, “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo”.
Concretamente, a única inovação trazida no texto em questão diz respeito ao direcionamento do custo dos honorários periciais também ao beneficiário da justiça gratuita e ao se declarar a inconstitucionalidade desta parte (como preferem delimitar alguns), nada restaria de juridicamente aproveitável no texto.
Igual efeito se produziria com relação ao § 2o do art. 844, da CLT, também integrado ao mesmo julgamento.
Aliás, neste caso, se admitida a ideia de fatiamento na declaração de inconstitucionalidade do texto em questão, a inconsistência seria ainda maior.
Ora, ao se extrair do referido dispositivo a expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita”, o que restaria é, sem dúvida alguma, uma afronta explícita ao entendimento fixado pelo STF. Com efeito, o teor do dispositivo assim ficaria: “Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.”
Desse modo, a condenação do reclamante, ausente à audiência, ao pagamento de custas, somente seria excluída diante da comprovação, no prazo de quinze dias, de que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
Estes resultados são teratológicos, pois da declaração de inconstitucionalidade resultariam textos legais, com conteúdos (na tal parte restante) não submetidos ao crivo da análise de constitucionalidade, que imporiam efeitos diversos daqueles que foram os preconizados na decisão proclamada na ADI 5766.
Verdade que se poderá dizer que estes efeitos poderão ser evitados trazendo-se à tona a técnica hermenêutica histórica, pela qual se destacaria o precedente das declarações parciais de inconstitucionalidade.
Ocorre que, para se chegar a este resultado, dever-se-á assumir que o STF firmou o princípio de que ao beneficiário da justiça gratuita não se podem impor custos e despesas, mesmo diante de um pedido julgado improcedente, como naqueles que dependem da realização de perícia (art. 790-B).
Mas se este foi o princípio estabelecido e que estaria prestigiado na própria tese do fatiamento, não se poderá simplesmente desprezá-lo na aplicação do “restante” do § 4o do art. 791-A, da CLT.
Assim, à expressão que ainda se manteria no § 4o do art. 791 da CLT, qual seja, “vencido o beneficiário da justiça gratuita”, deve-se conferir o mesmo destino da inconstitucionalidade dado às expressões anteriores, valendo lembrar que persiste em nosso sistema jurídico o controle difuso de inconstitucionalidade.
Fato concreto é que, se a PGR só pretendeu que fosse declarada a inconstitucionalidade da parte do texto que expressa “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” e se o STF apenas se pronunciou sobre isto, o efeito não é o da consideração de que o restante do dispositivo foi declarado constitucional, até porque o próprio relator afasta expressamente esta possibilidade quando explicita que “seria estranho ao objeto do julgamento tratar a constitucionalidade do texto restante do caput do art. 790-B e do § 4º do art. 791-A, da CLT”.
Vale reparar que sem a tal parte declarada inconstitucional, o que restaria do texto é uma afronta direta ao que decidiu o STF na avaliação dos demais artigos citados.
O dispositivo resultante seria: “§ 4o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
Por este texto legal que se extrairia da decisão do STF na ADI 5766, que foi uma decisão que expungiu da ordem jurídica a imposição de custas e despesas do beneficiário da justiça gratuita, mesmo em pedido julgado improcedente, se tentaria retirar um fundamento para impor ao mesmo personagem, beneficiário da justiça gratuita, um custo processual em virtude da improcedência do mesmo pedido.
Dito de outro modo, se o pedido de insalubridade for julgado improcedente, o beneficiário da justiça gratuita estaria isento do pagamento de honorários ao perito, mas o mesmo não se daria com relação aos honorários do advogado da parte contrária, criando-se, inclusive, uma quebra de isonomia quanto aos honorários dos dois profissionais envolvidos. Por que, afinal, tratar de forma diferente os honorários do advogado e do perito?
E não convence o argumento de que esta condenação não traz prejuízo concreto aos trabalhadores, pois, como dizem os que assim sustentam, dificilmente a condição econômica do reclamante mudará em dois anos.
A respeito, primeiro é preciso deixar consignado que este não é um argumento jurídico, não tendo qualquer base legal a lhe apoiar. E, segundo, os efeitos de amedrontar e de criar um obstáculo, ainda que potencial, ao acesso à justiça já terão sido produzidos pelo mero fato de se difundir o clima de risco. Ademais, não cabe ao direito e ao jurista fazer bravatas e ameaças, sobretudo quando visualizam dificultar o acesso à justiça.
Muito menos convence o argumento de que o resultado fixado pelo que restaria do § 4o do art. 791-A da CLT é bem melhor do que aquele a que se chegaria pela aplicação do 3o do art. 98 do CPC, que assim dispõe: “§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
Ora, o exame técnico-jurídico não pode se mover pelo impulso da conveniência. Concretamente, o que esta argumentação sugere é que se o que resta na ordem jurídica com a extração do texto declarado inconstitucional é a aplicação de um texto com conteúdo pior do que aquele que foi extraído da ordem jurídica, estaria autorizada a atuação jurisprudencial de forçar os limites do que foi expressamente expungido do texto legal, criando-se um dispositivo intermediário, para impedir o efeito em questão.
Ademais, a criação legislativa não compete ao Judiciário, ainda mais a partir de uma valorização arbitrária do que seria melhor ou pior.
De todo modo, a própria técnica da interpretação histórica resolve o problema, pois se a decisão do STF foi no sentido de excluir da ordem jurídica um texto legal que dificulta o acesso à justiça aos beneficiários da justiça gratuita no âmbito das relações de trabalho, não teria o menor sentido entender, arbitrariamente, que o resultado dessa declaração seria o da produção de uma lacuna e, pior, o de preenchê-la aplicando um texto legal ainda mais impeditivo do acesso à justiça do que aquele declarado inconstitucional. O princípio de ordem lógica é o que quem pode o mais, pode o menos e, inversamente, quem não pode o mais, não pode o menos. Assim, se foi declarado inconstitucional o dispositivo que diz que a alteração econômica do beneficiário da justiça gratuita após dois anos do julgado não é motivo para superar o benefício recebido, com muito maior razão será inconstitucional o texto que fixa o prazo de 05 anos para a mesma finalidade.
Até porque, concretamente, não se teria a produção de uma lacuna que autorizasse a aplicação subsidiária da regra do CPC.
Lembre-se que a própria jurisprudência trabalhista consolidada ao longo da história fez questão de se firmar no sentido de negar a aplicação, no processo do trabalho, dos preceitos do CPC pertinentes à sucumbência. Seria, por conseguinte, no mínimo, uma demonstração de profunda incoerência histórica a mesma Justiça que, durante décadas, negou aos reclamantes o direito ao recebimento de honorários advocatícios, sob o argumento de que os dispositivos do CPC pertinentes à sucumbência não se aplicariam no processo do trabalho, buscando justificar a condenação dessas mesmas pessoas ao pagamento de honorários, buscasse no CPC a norma que daria sustentação, na linha do argumento do mal menor, à aplicação do § 4o do art. 791-A da CLT, com conteúdo artificialmente inventado.
A respeito da concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do § 3º do art. 790 da CLT, esta será concedida, inclusive de ofício, a quem percebe salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ R$ 7.087,22, em janeiro de 2022, ou seja, R$2.834,88.
O que está consignado de forma expressa e insofismável no texto legal em questão é que a condição para o recebimento do benefício é a situação econômica atual do pretendente. Isto quer dizer que, nos exatos e incontestáveis termos da lei, ao trabalhador desempregado, que não recebe salário algum, a concessão da assistência judiciária se impõe. E é certo, ainda, que mesmo na situação em que receba, efetivamente, salário superior a este teto, é inconcebível exigir uma prova da insuficiência de recursos, É a demonstração da condição econômica favorável que se deve impor, já que a prova de fato negativo é uma impropriedade técnico-jurídica. Lembre-se, ainda, que quando o próprio legislador da “reforma” trabalhista (para criar novo mecanismo de redução de direitos) quis conferir ao empregado uma condição objetiva de autossuficiência, especificou que esta se daria na hipótese em que o empregado fosse “portador de diploma de nível superior” e percebesse “salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, ou seja, R$ 14.174,44 (parágrafo único do art. 444, da CLT). E, de todo modo, nem mesmo este parâmetro objetivo serviria para a negação do benefício da assistência judiciária gratuita, o que só se poderia cogitar mediante prova robusta e análise da situação econômica específica dos autos.
Também não cabe direcionar a assistência judiciária ao empregador, seja porque a lei refere especificamente o valor do salário recebido como parâmetro para a concessão do benefício e empregador, pessoa jurídica, não recebe salário. Além disso, o pressuposto básico de quem busca a satisfação dos seus interesses por meio da exploração do trabalho assalariado e subordinado é o de que tenha condições econômicas mínimas para tanto, sob pena de incorrer em nítida postura ardilosa (art. 171 do CP) ou de expor ilicitamente outra pessoa a grave risco (arts. 186 e 187 do CC). O empregador que diz não possuir condições econômicas para suportar os custos do processo já se apresenta, só por esta afirmação, como um agressor da ordem jurídica, não podendo, por conseguinte, obter um benefício deste mesmo ordenamento.
E menos ainda há de se pensar na regularidade jurídica de se conceder este benefício ao empregador para, na sequência, aplicando o § 4o do art. 791-A da CLT, determinar a suspensão, por dois anos, da execução dos honorários advocatícios devidos ao reclamante, debruçando sobre o credor a responsabilidade de provar que a alteração da condição econômica do empregador, o que nem mesmo se confunde com a mera indicação de bens livres e desembaraçados do executado para a satisfação do crédito.
E por falar em invenção, vale perceber que nem mesmo o art. 791-A da CLT autoriza o efeito que se tem implementado nas lides trabalhistas de condenar o reclamante ao pagamento de honorários advocatícios da parte contrária em um percentual de 5 a 15% sobre o valor do pedido julgado improcedente.
O que a lei diz, expressamente, é que “na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários” (§ 3o do art. 791 da CLT). Não está dito, pois, que o valor do pedido julgado improcedente é o parâmetro para tanto, sendo necessário introduzir um elemento de arbitramento que deve considerar, sobretudo, a condição econômica das partes, não podendo servir a condenação como forma de inviabilizar o próprio proveito econômico do processo, desestimular o acesso à justiça e favorecer aquele que descumpriu direitos fundamentais.
Por fim, impressiona, mas não chega a surpreender, dado o contexto jurisprudencialmente construído, a prática de se aplicar o percentual mais reduzido possível, ou seja, 5%, quando se condena o empregador ao pagamento dos honorários advocatícios ao patrono do reclamante, quando o mais adequado seria partir dos 15% e só reduzir o percentual nas situações em que os créditos trabalhistas deferidos forem de quantia extremamente elevada.
O fato é que se tem verificado no cotidiano da Justiça do Trabalho um movimento de punição das trabalhadoras e trabalhadores que, para atingir o seu objetivo, não se limita nem mesmo pelos termos legais ou o próprio entendimento expresso pelo STF a respeito. Um movimento que, por conseguinte, reflete com exatidão uma questão de classe.
A realidade nua e crua é que o § 4o do art. 791-A da CLT foi declarado inconstitucional, sem redução de texto, pelo Supremo Tribunal Federal e mesmo que se entendesse que a declaração em questão foi apenas parcial, o inteiro teor da decisão proferida na ADI 5766 não autorizaria concluir que ao beneficiário da justiça gratuita, nos processos trabalhistas, pode ser imposto o custo de honorários advocatícios pela sucumbência, como demonstrado.
A Justiça do Trabalho foi criada para acolher os trabalhadores e as trabalhadoras, conferindo-lhes um pouco de cidadania, e se legitimou e se notabilizou pelo cumprimento deste importantíssimo papel.
Nos dias que correm, de tanto desprezo ao sentido mínimo que se possa conferir ao sentimento de solidariedade e que ainda se alimenta do desrespeito assumido e convicto aos direitos sociais, a indagação que emerge é: não punir trabalhadores e trabalhadoras (que já foram intensamente precarizados) pelo fato de terem exercido o seu direito fundamental de ação, seria pedir demais?
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Fonte: Blog de Jorge Luiz Souto Maior
Data original da publicação 05/09/2022