“Diga não ao cavalo de Troia da destruição do direito trabalhista brasileiro: trabalho em plataforma”
Por Rodrigo Carelli Change Org
Em fevereiro de 2024, mais de 640 acadêmicos e pesquisadores de quarenta países ao redor do mundo soaram o alarme contra a tentativa do Supremo Tribunal Federal de destruir todos os direitos trabalhistas no Brasil. Decisões recentes deste tribunal indicam que os seus juízes acolheram a tese da primazia do contrato sobre a realidade da relação laboral. Esta tese poderia transformar os contratos de trabalho em atos empresariais voluntários, o que significa que seriam apenas opcionais para o empregador. As consequências seriam terríveis: o empregador poderia forçar os trabalhadores a assinar um contrato de trabalho independente fictício, criando assim uma relação assimétrica entre empregador-empregado que viola os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e traz de volta práticas discriminatórias ao legalizar a subordinação e o controlo de facto, essa é a própria definição de relações de trabalho. Se isso acontecer, os juízes brasileiros ficariam proibidos de decidir sobre qualquer caso de reclassificação de contratos civis ou comerciais como relações de trabalho, pois não seriam capazes de verificar como esses contratos são efetivamente cumpridos. Concretamente, isto significa que, no caso de um transportador de entrega de alimentos, ou de qualquer trabalhador, mesmo que uma plataforma ou qualquer empresa determine qual a encomenda que recebe, o salário que recebe, a rota de entrega que segue, o uniforme que usa e as regras que ele deve seguir ao fazer uma entrega, um juiz não poderá reclassificar esse trabalhador como empregado da empresa porque o contrato diz que ele está no negócio por conta própria. A realidade do poder e da dominação no local de trabalho estaria subordinada à linguagem do contrato. No entanto, a mera conversão de um contrato de trabalho em contrato civil ou comercial está em contradição com os princípios aplicados nos tribunais de todo o mundo e que estão consagrados na Recomendação 198 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual a relação de trabalho é estabelecida e verificada com base em factos.
O julgamento iniciado em fevereiro de 2024 pelo Supremo Tribunal continua sem prazo definido. Uma vez tomada, porém, a decisão final será um precedente vinculativo para todos os juízes brasileiros. Não é por acaso que a classificação dos trabalhadores das plataformas foi escolhida como caso paradigmático: ela fundamenta a Uberização como o vector da destruição total dos direitos dos trabalhadores enquanto tais. Se a decisão final confirmar a tese da maioria do Supremo Tribunal, todos os contratos de trabalho, e não apenas os dos trabalhadores das plataformas, poderão ser ficticiamente transformados noutros tipos de contratos, como o falso trabalho por conta própria, os trabalhadores independentes ou muitos outros, fraudando assim o vínculo empregatício e impedindo o exercício de quaisquer direitos trabalhistas. Isto violaria os direitos fundamentais consagrados na Constituição brasileira, tais como férias remuneradas, limitação do horário de trabalho, pausas para descanso, proteção contra a discriminação, liberdade de associação, liberdade política no trabalho, e assim por diante.
Nós, abaixo assinados, conscientes da devastação social que tal decisão causará à população brasileira, que serviria então de laboratório para sua disseminação pelo mundo, nos unimos a acadêmicos e pesquisadores para alertar os juízes do Supremo Tribunal Federal de as consequências desta tese.
Como afirma o preâmbulo da Constituição da OIT, “o fracasso de qualquer nação em adoptar condições de trabalho humanas é um obstáculo no caminho de outras nações que desejam melhorar as condições nos seus próprios países”.
Dizemos não ao fim da legislação laboral; dizemos sim aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Imploramos aos ministros do Supremo Tribunal Federal que se abstenham de despedaçar a Constituição brasileira e que permaneçam os guardiões de todos os tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.
Rodrigo Carelli, Faculty of Law, Universidade Federal de Rio de Janeiro (Brasil)
Veena Dubal, Faculdade de Direito, Universidade da Califórnia, Irvine (EUA)
Donna Kesselman, Faculdade de Letras, Línguas e Humanidades, Universidade Paris-Est Créteil (França)
Sawmiya Rajaram, Jindal Global Law School, OP Jindal Global University (Índia)
Youssef Sadik, Faculdade de Direito, Ciências Económicas e Sociais, Universidade Mohammed V em Rabat (Marrocos)
Para todos entre em contato: defendbrazilianlabourlaw@gmail.com
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Por Rodrigo Carelli Change Org
Data original de publicação: 03/06/2024