Etarismo é forma de violência recorrente no ambiente de trabalho

Foto: Karly Ukav/FreePik

Por Fabíola Marques | Conjur

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDCH), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) lançou, neste mês, a campanha Junho Violeta para alertar e conscientizar a sociedade sobre todas as formas de violência contra a pessoa idosa.

A mobilização lança luz ao dia 15 de junho, em que se celebrou o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2011.

Infelizmente, é muito comum ouvirmos frases relacionadas à idade, em que a pessoa é considerada “muito velha” para realizar certa atividade, ou para entender sobre um determinado assunto; estando ultrapassada para o trabalho e, até mesmo, para a vida social.

Não é a primeira vez que escrevo sobre o assunto, já que o idadismo é uma forma de violência recorrente no ambiente de trabalho, que usa a idade da pessoa para classificá-la e identificá-la de maneira discriminatória e estereotipada.

Discriminação na dispensa, depressão e o Estatuto do Idoso

No artigo anterior [1], comentei uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que considerou discriminatório o critério da idade para dispensar mais de cem empregados aposentados ou que estivessem na iminência de se aposentar.

A consequência desse tipo de situação leva o trabalhador a internalizar a discriminação e, realmente, se considerar velho e incapaz para aprender ou realizar uma nova atividade. A autoestima, o bem-estar e a saúde mental são afetadas, levando o indivíduo à depressão.Spacca

Segundo relatório da ONU [2], estima-se que 6,3 milhões de casos de depressão em todo o mundo decorrem do envelhecimento, o que torna o assunto um desafio global.

O envelhecimento é um aspecto natural da vida, que vem crescendo no mundo inteiro. No Brasil, segundo o Censo Demográfico 2022 [3], o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% nos últimos 10 anos. O total de pessoas dessa faixa etária chegou a cerca de 22,2 milhões (10,9%) em 2022 contra 14 milhões (7,4%), em 2010.

O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741/2003) prevê os direitos assegurados aos indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos e determina que é obrigação da família, da sociedade e do poder público assegurar prioridade na efetivação do direito à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade e dignidade ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Quanto ao trabalho, o estatuto também estabelece que a pessoa idosa tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas, sendo vedada a discriminação e fixação de limite de idade na admissão ou permanência em qualquer trabalho ou emprego.

No mesmo sentido, compete ao poder público criar programas de profissionalização e estimular empresas privadas para admissão de pessoas idosas (artigo 28, Lei n. 10.741/2003).

Além disso, é crime discriminar pessoas idosas, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade, com pena de reclusão de 6 meses a 1 ano e multa (artigo 96). A mesma pena é imposta a quem negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho.

Apesar das previsões legais, as agressões contra idosos tiveram aumento de quase 50 mil casos em 2023, na comparação com o ano anterior, sendo que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania já anotou 74.620 denúncias, até maio deste ano, o que indica um aumento de casos em relação a 2023, conforme matéria publicada na Agência Brasil [4].

Jurisprudência

A discriminação etária é também cada vez mais comum no mercado de trabalho, como se pode perceber pela quantidade de decisões judiciais que tratam do tema. Como sempre, o difícil, entretanto, é comprovar a discriminação.

Mas, uma vez demonstrada a violação, o empregado terá direito à reintegração ou ao pagamento em dobro do período de afastamento, além de indenização pelo dano moral sofrido, como se depreende da aplicação da Lei nº 9.029/1995 e das ementas abaixo transcritas:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA EM RAZÃO DA IDADE. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. Evidenciado nos autos que a dispensa do autor se deu por motivo de idade, cabível o reconhecimento da nulidade do ato patronal discriminatório, com respaldo no disposto no art. 1º da Lei nº 9.029/1995, devendo ocorrer a reintegração do empregado e consequente indenização pelo ato ilícito praticado. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento.” (TRT-9 – ROT: 0000463-97.2021.5.09.0011, relator: RICARDO BRUEL DA SILVEIRA, data de julgamento: 11/10/2023, 4ª Turma, data de publicação: 18/10/2023)

“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. ETARISMO. Demonstrados os fatos narrados, o dano moral é in re ipsa, sendo inegável a angústia gerada à reclamante decorrente do tratamento humilhante e discriminatório.”  (TRT-4 – ROT: 0020386-74.2021.5.04.0003, relator: TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL, data de julgamento: 18/12/2023, 2ª Turma)

“ASSÉDIO MORAL. DISCRIMINAÇÃO POR IDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O assédio moral impõe a demonstração de conduta reiterada, perpetuada no tempo, não se identificando com um ou outro fato isolado. Trata-se de conduta direcionada ao empregado, definida por atos que atentam contra a dignidade humana, mediante ação ou omissão, por um período prolongado e premeditado, e que tem por efeito excluir o empregado de sua função ou deteriorar o ambiente de trabalho. O assédio moral, assim, também pode ocorrer quando verificada a prática de atos discriminatórios. No caso dos autos, restou demonstrado que o reclamante teve sua promoção preterida por conta de sua idade, fato que enseja a condenação da reclamante por assédio moral. (…) Recurso ordinário das partes conhecidos e parcialmente providos.” (TRT-11 00002843620215110003, relator: MARCIA NUNES DA SILVA BESSA, 2ª Turma)

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA – CRITÉRIO ETÁRIO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Revelando o conjunto probatório dispensa discriminatória, em ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, que constituem fundamentos do Estado Democrático de Direito, devido o pagamento de indenização por danos morais.” (TRT-3 – RO: 00101731920155030012 0010173-19.2015.5.03.0012, relator: Luis Felipe Lopes Boson, 3ª Turma)”

Por fim, vale destacar o acórdão da lavra da desembargadora relatora Lycanthia Carolina Ramage que, ao verificar a prova da prática de etarismo e capacitismo, reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho e determinou o pagamento de indenização:

“As testemunhas ouvidas em audiência comprovam cabalmente o etarismo e capacitismo, perpetrado pelo supervisor da reclamada, Sr. Felipe.

Com efeito, reconhecida a ocorrência de dano moral por parte de representantes da reclamada em face da reclamante, reputo que os fatos relatados e devidamente comprovados nos autos ensejam motivo bastante para fundamentar a rescisão do contrato de trabalho, além de impor a devida indenização (arts. 482 e 483 da CLT e Lei 9.029/95).

As hipóteses que caracterizam a discriminação de trabalhador (a), quando do rompimento do vínculo empregatício, estão previstas na lei 9.029/95, segundo a qual será assegurada a reintegração do trabalhador ou indenização equivalente à remuneração dobrada de todo o período de afastamento nos casos em que a dispensa do empregado ocorrer por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

Nesse sentido, o comprovado tratamento ofensivo dado pela ré à reclamante (etarismo e capacitismo), demonstra clara extrapolação do poder diretivo do empregador, inclusive a ponto de impedir a continuidade da relação empregatícia.

Registre-se que a conduta ilícita praticada dá ensejo à rescisão do contrato de trabalho, sem prejuízo da reparação pelo dano extrapatrimonial causado à trabalhadora.

Considero, portanto, que a conduta da ré excedeu os limites de seu direito potestativo, ferindo frontalmente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana do trabalhador e da função social da empresa (art. 1º III e 170, III, CF). Devida a indenização equivalente ao dobro do período do afastamento, nos termos do art. 4º da Lei 9.029/95, desde o rompimento do vínculo em 02/02/2023, até a data de prolação deste acordão, corrigidas monetariamente e acrescidas dos juros legais.” (TRT-2 – ROT: 10001293620235020087, relator: LYCANTHIA CAROLINA RAMAGE, 4ª Turma)

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Por Fabíola Marques | Conjur
Data original de publicação: 21/06/2024

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