Trabalho no pós-pandemia: dados de uma catástrofe

Imagem: Pixabay

“Desde 2016, renda e emprego se deterioram no Brasil – e, sem ações consistentes, governo agrava situação. Desemprego pode subir 60%. Precarização aumentou; salários e jornadas diminuíram. 17, 7 milhões estão sem perspectivas”

Por José Álvaro de Lima Cardoso | Outras Palavras

“Pelos dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) do IBGE, o ano de 2014 apresentou o menor nível de desocupação desde o início da série histórica da pesquisa. Em cinco anos (entre 2014 e 2019), o contingente de desocupados no Brasil saiu de 6,7 para 12,6 milhões, o que significou um aumento de quase 90%. A taxa de desocupação no País passou de 6,8% em 2014, para 11,9% em 2019, aumento de 75%.

A deterioração dos indicadores se revela também através das formas de inserção no mercado de trabalho da população ocupada. Em 2014 o contingente de empregados do setor privado, que tinha carteira assinada, atingiu o patamar mais alto da série, 36,5 milhões. Em 2019 este contingente já havia caído para 33,2 milhões, redução de 9%. Do outro lado da moeda, os sem carteira assinada saíram de 10,3 milhões em 2014, para 11,6 milhões no ano passado. Estes dados mostram que, no período analisado, além do aumento brutal do desemprego o mercado de trabalho brasileiro sofre também um acelerado processo de precarização das condições de trabalho (como outros indicadores também revelam).

Entre 2014 e 2019 cresceu o número de trabalhadores domésticos, que chegou a 6,3 milhões de trabalhadores, um crescimento de 6,7%. Aumento do emprego doméstico é um sintoma também de precarização, pelas razões conhecidas (salários baixos, condições de trabalho ruins, etc.). Cresceu também o trabalho por conta própria. Este envolvia, em 2014, 21,1 milhões, passando a totalizar 24,2 milhões em 2019, um acréscimo de 3,1 milhões de pessoas em cinco anos. Dentre os trabalhadores por conta própria 80% não tem registro legal, apenas 20% dispõe do mesmo, verdadeira lei das selvas.

No ano passado, o Rendimento Médio Real de todos os trabalhos habitualmente recebido pelas pessoas com rendimento de trabalho, foi estimado em R$ 2.330,00. Aumento de 3 reais em relação à 2014. Só que tem um detalhe: O valor médio real de 2014, representava 3,2 salários mínimos, enquanto em 2019, o valor médio real de todos os trabalhos (R$ 2.330,00) foi de 2,3 salários mínimos. O valor médio do rendimento do trabalho mostra porque uma das primeiras ações dos golpistas de 2016 foi acabar com a políticas de ganhos reais do salário mínimo: é que os salários são muito baixos no Brasil, o salário mínimo um pouco mais alto, revela isso.

Estes dados sobre rendimentos do trabalho são totalmente compatíveis com outras informações, também do IBGE, que é o rendimento mensal domiciliar per capita médio do Brasil: R$ 1.337 em 2018. Este é o valor estimado que as pessoas dispõem no Brasil para atenderem todas as necessidades básicas: R$ 44,5 diários para gastos com alimentação, transporte, água e luz, habitação, vestuário, etc. Para termos uma ideia do que esse rendimento médio mensal significa, uma cesta básica para uma pessoa (com apenas 13 produtos) em Florianópolis, calculada pelo DIEESE, custa R$ 524,07. Claro, se o rendimento do trabalho não cresce, e é aviltado na comparação com o salário mínimo, o rendimento domiciliar per capita cai em termos reais. Isso reforça o que já se sabe, que é a grande dependência das famílias dos rendimentos do trabalho no Brasil.

Um detalhe que chama a atenção e mostra como somos um povo esmagado: 57,6% dos rendimentos domiciliares per capita observados em 2018 ainda eram iguais ou inferiores ao valor do salário mínimo vigente nesse mesmo ano. Isso significa que quase 60% das pessoas possuíam rendimento domiciliar per capita de até R$ 954,00 (um salário mínimo).

Um outro problema grave detectado no mercado de trabalho brasileiro é a Subutilização da Força de Trabalho. O contingente de pessoas subutilizadas na força de trabalho no Brasil totalizou 27,6 milhões de pessoas em 2019. Esse indicador, que era de 15% em 2014, chegou a 24,2% no ano passado. A taxa de subutilização é o percentual de pessoas desocupadas e subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas. Ou seja, 1 em cada 4 brasileiros estão sendo subutilizados para o trabalho. A população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas passou de 4,9 milhões em 2014 para 7,5 milhões em 2019.

Mas trabalhar menos não é melhor? Neste caso não, porque a remuneração é proporcional à jornada de trabalho. Se para uma jornada normal o rendimento médio é R$ 2.330,00, uma jornada reduzida significa um salário ainda menor. Os trabalhadores subutilizados na força de trabalho, por insuficiência de horas trabalhadas, estão no limiar da fome. Não são casuais ou exageradas as constantes descrições de trabalhadores precarizados sobre suas condições de renda e trabalho: há relatos de entregadores de alimentação, através de bicicletas, de que as entregas são realizadas com o trabalhador sentindo fome durante toda a jornada. Há trabalhadores que comem antes de sair de casa, pela manhã, entregam comida o dia todo e, após rodar cerca de 100 km, só irão comer de novo à noite, ao chegar em casa.

Todo o quadro já gravíssimo do mercado de trabalho piorou com a pandemia. Segundo a PNAD Covid-19, que o IBGE está divulgando no período de pandemia, em maio, havia 10,1 milhões de desocupados, uma taxa de desocupação de 10,7%. A Taxa de Subutilização, por sua vez, ficou em 27,9% da população ocupada, o que representou 18,3 milhões de pessoas que trabalharam menos do que a sua jornada habitual.”

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Fonte: Outras Palavras
Data original de publicação: 29/06/2020

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