A escravização se moderniza e cria formas de escravidão para viabilizar o “capitalismo da miséria”. Entrevista especial com José de Souza Martins
Por João Vitor Santos | IHU Unisinos
Há alguns anos, aprendíamos nas aulas de História do colégio que o capitalismo vem como um modelo econômico que contribui para o fim da escravização, afinal, todos tinham de consumir para girar a engrenagem deste novo sistema. Mas, com o tempo, vamos percebendo que a história é outra e que a modernização, no mais amplo sentido da palavra, acaba criando formas de escravidão. O livro mais recente do professor José de Souza Martins evidencia justamente como capitalismo e escravidão se configuram como duas faces da mesma moeda. “Uma linha central na estrutura deste livro é, pois, a do desenvolvimento desigual do capital, a de seus diferentes e combinados momentos e tempos, a contradição da diversidade de suas temporalidades”, adianta.
Na entrevista, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Martins apresenta o livro e antecipa alguns pontos. Entre eles, o de que “foi a pobreza do camponês brasileiro que subsidiou os lucros da indústria ao produzir sem lucro a alimentação da dieta operária, que permitiu o sistemático e regular barateamento da reprodução da força de trabalho industrial, reduzindo os dispêndios com capital variável em relação ao capital constante e assegurando ao capital da indústria uma composição orgânica alta, isto é, moderna e economicamente desenvolvida sem se tornar socialmente desenvolvida”.
No fim das contas, o que revela em “Capitalismo e Escravidão a Sociedade Pós-escravista” (Unesp, 2023) é que a “escravidão, ao se ‘modernizar’, não desaparece, recria-se sob nova forma de escravidão para viabilizar a continuidade dessa espécie de capitalismo da miséria própria dos setores da economia situados à margem do grande capital”. Martins detalha também que “a situação escravista muda por fatores internos e externos e em consequência de seus próprios resultados econômicos. A realidade social, no entanto, suscita novas formas de escravização determinadas pelo fato de que o capital variável representado pelo escravo é renda capitalizada, uma anomalia própria de economia capitalista que depende desse recurso não capitalista para crescer”.
O livro revisita antigas pesquisas do professor e faz uma crítica à sociologia de hoje e suas análises sobre o tema. “Particularmente o último capítulo é uma crítica sociologicamente densa às concepções simplificadoras do que é de fato a escravidão que persiste. Isso porque justamente é um livro não só do que é visível e cotidiano, mas também das invisibilidades do real que só a ciência pode desvendar”, avalia. Por fim, Martins faz memória a Dom Pedro Casaldáliga, a quem também defere um reconhecimento nas primeiras páginas do livro, pela contribuição que dá na sua formação enquanto sociólogo que vê e sente o drama do mundo concreto.
José de Souza Martins é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. Foi professor visitante da Universidade da Flórida e da Universidade de Lisboa e membro da Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão, de 1998 a 2007. Foi professor da Cátedra Simón Bolívar, da Universidade de Cambridge (1993-1994) e é professor titular aposentado da USP.
Está lançando o livro Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista (Unesp, 2023). Entre outros livros seus, destacamos: Exclusão social e a nova desigualdade (Paulus, 1997), A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala (Contexto, 2000), Linchamentos: a justiça popular no Brasil (Contexto, 2015), Do PT das lutas sociais ao PT do poder (Contexto, 2016) e Sociologia do desconhecimento: ensaios sobre a incerteza do instante (Unesp, 2021).
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Fonte: João Vitor Santos | IHU Unisinos
Data original de publicação: 25/01/2024