Lugares de Memória dos Trabalhadores #68: Instituto Cajamar, Cajamar (SP)
Por Valter Pomar e Paulo Fontes | LEHMT
“Via Anhanguera km 46,5. Durante muitos anos, funcionou neste endereço o Instituto Cajamar, conhecido também por Inca, fundado em 17 de julho de 1986 como uma “entidade sem fins lucrativos, voltada a aumentar o nível de formação e informação da classe trabalhadora”. Era uma iniciativa política conjunta do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores e de outros movimentos sociais atuantes no país entre o final dos anos 1970 e início dos 1980.
O Instituto funcionava numa sede própria, um terreno com 46 mil metros quadrados, no qual existia um hotel, uma pequena capela, uma piscina, um campo de futebol, áreas de estacionamento, alojamentos para funcionários e algumas outras edificações, que foram sendo adaptadas às necessidades de uma escola. Além de recursos próprios dos movimentos que o apoiavam, o Instituto recebia financiamento de projetos internacionais, em particular, do sindicalismo europeu.
Na época, as “casas de encontros” onde se realizavam atividades de educação popular eram geralmente de propriedade de igrejas; o Instituto Cajamar se diferenciava como um grande espaço laico, dedicado às atividades de formação política. Rapidamente ganhou fama. A imprensa o chamava de “Universidade dos Trabalhadores” e sua existência não passou despercebida pela espionagem militar. No dia 24 de junho de 1987, um relatório confidencial do Comando Militar Sudeste informava detalhes sobre os propósitos do Inca e previa fantasiosamente que a escola de formação de quadros também daria lições sobre “a ação de sabotagem e colocação de bombas, piquetes violentos e até a luta armada”.
Paulo Freire era o presidente do conselho diretivo, integrado também por dirigentes sindicais como Jorge Coelho, Luiz Gushiken, Arlindo Chinaglia, Avelino Ganzer, lideranças políticas como Lula, Luiza Erundina, Olívio Dutra, além de intelectuais e figuras públicas como Frei Betto, Francisco Weffort, Marco Aurélio Garcia, Paul Singer e Walter Barelli, entre outros. No dia a dia, o Inca era gerido por uma coordenação executiva composta por nomes como Osvaldo Bargas, Wander Prado, Aloízio Mercadante, Pedro Pontual e Wilson Santarosa. Wladimir Pomar foi de fato o coordenador geral do Instituto até 1989, quando foi substituído por Gilberto Carvalho. Em 1993, Augusto Campos assumiu essa função.
A primeira atividade do Instituto foi realizada em dezembro de 1986, tendo como tema a participação popular na Constituinte. Em 1987, dois outros eventos tiveram grande repercussão na esquerda, os seminários internacionais intitulados “70 anos de experiências de construção do socialismo” e “Poder local e participação popular”.
Em janeiro de 1987 tiveram início os chamados cursos de capacitação. Na década seguinte, centenas de cursos e atividades formativas voltadas para ativistas sindicais, partidários e de movimentos populares atingiram milhares de militantes de todo o país. Uma equipe própria de formadores elaborava os currículos e conduzia os cursos, que muitas vezes contavam com professores convidados (tanto acadêmicos, quanto dirigentes políticos e de movimentos sociais).
Militantes e intelectuais estrangeiros também participaram de atividades. O famoso historiador britânico Eric Hobsbawm, por exemplo, visitou o Inca duas vezes, quando deu palestras para os alunos. Na segunda visita, em 1992, chegou a fazer uma apresentação exclusiva para os dirigentes da Executiva Nacional da CUT. O Inca contou em algumas de suas atividades com diversas lideranças históricas da esquerda brasileira, como Luiz Carlos Prestes e Apolônio de Carvalho, entre outros. Comumente, os cursos duravam 5 dias, muitas vezes em várias etapas, proporcionando intensa sociabilidade e valiosos intercâmbios entre militantes de diferentes movimentos e regiões do país.
Além da preocupação com a qualidade dos conteúdos, havia um enorme esforço pedagógico de formação de educadores. Nesse sentido, o Inca também foi uma impressionante experiência de troca de saberes entre o mundo acadêmico, as diferentes tradições políticas das esquerdas e das práticas e reflexões dos movimentos sociais.
Além dos inúmeros cursos, debates, seminários e publicações, o Instituto Cajamar sediou atividades diversas realizadas por sindicatos, pela CUT, pelo PT, pelo MST, por entidades religiosas e por outros centros de formação. Este conjunto de atividades colaborou para o salto de qualidade experimentado na atividade política do PT, da CUT e da luta política e social dos trabalhadores em geral, preparando o terreno para a quase vitória de Lula na eleição presidencial de 1989 e para a importante presença da esquerda no cenário público ao longo dos anos 90.
Por volta de 1996, problemas de financiamento, diferentes visões sobre o papel do Instituto e da formação política em geral, combinados aos debates e mudanças então em curso na esquerda brasileira e mundial, resultaram no fechamento do Instituto Cajamar. As instalações passaram a ser alugadas por quem quisesse fazer atividades, formativas ou não (inclusive casamentos e festejos).
A gestão cotidiana do espaço foi transferida para uma cooperativa de antigos funcionários da infraestrutura e do serviço de hotelaria, a Cooperinca, que funcionou até o dia 26 de fevereiro de 2021. A história do Instituto Cajamar ainda está por ser escrita, com base na documentação guardada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e na memória de seus dirigentes, funcionários, educadores e dos milhares de militantes que passaram pelo Instituto, ao longo de um quartel de século.”
Fonte: LEHMT
Data original da publicação: 25/02/2021