Ocupação Mulheres 2023 | Mulheres, trabalho e direitos

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Por Maria Cristina Paulo Rodrigues e Elina Pessanha | Blog BVPS

No último dia da Ocupação Mulheres 2023, série de matérias sobre mulheres intelectuais, gênero, feminismos e temas afins, o Blog da BVPS publica um texto inédito escrito por Maria Cristina Paulo Rodrigues, professora da UFF e Coordenadora do Neddate (Núcleo de Estudos, Documentação e Dados em Trabalho-Educação)/UFF, e Elina Pessanha, professora do PPGSA/UFRJ e coordenadora do AMORJ (Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro). O texto discute dados de duas pesquisas, uma realizada entre 2011 e 2012 e outra em 2022, sobre a percepção das mulheres acerca do trabalho na área de telecomunicações.

Reveja as publicações ao longo da semana da Ocupação Mulheres 2023! Para saber mais sobre a iniciativa, clique aqui.

Boa leitura!


Mulheres, trabalho e direitos

Por Maria Cristina Paulo Rodrigues Elina Pessanha

1- Introdução

As mulheres constituem 44% da força de trabalho no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua, realizada pelo IBGE, referente ao 3º trimestre de 2022. Ao mesmo tempo, são a maioria dos desempregados (55,5%) e, em comparação com os trabalhadores homens recebem 21% a menos e ocupam os setores mais precarizados (nos serviços domésticos, as mulheres, em sua maioria negras, totalizam 91% dos ocupados e, mesmo assim, recebem 20% a menos que os homens ali empregados). Estes são alguns dos dados do Boletim Especial 8 de março – Dia da Mulher, publicado pelo DIEESE. São dados que nos permitem refletir sobre as desigualdades históricas do Brasil, destacando, ainda, a interseção entre classe, gênero e raça no aprofundamento dessa desigualdade.  

Ao mesmo tempo, o acesso a esses dados também pode ser considerado um avanço para as pesquisas e as ações de atores sociais preocupados com a igualdade e a justiça social. Como afirmam Blass, Hirata e Soares (2021: 11), no Prefácio à segunda edição de A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência, de Elizabeth Souza-Lobo, os estudos sobre trabalho e trabalhadores realizados no Brasil expressavam, até a década de 1970, “uma visão homogênea da classe trabalhadora, ocultando a atividade feminina e as desigualdades de gênero no mercado de trabalho”. Com exceção dos estudos pioneiros de Safiotti e Blay, ainda nos anos 70, não havia muitas pesquisas sobre o trabalho das mulheres e, quando as havia, as mulheres eram tratadas como uma categoria específica. Os estudos de Lobo, na década de 1980, é que darão um enfoque comparativo entre homens e mulheres, como se pode perceber no artigo intitulado “Masculino e feminino na linha de montagem”, escrito em 1985 e presente na referida obra.

Dos anos 1980 para cá, ampliou-se significativamente o número de pesquisas e debates acerca da relação gênero e trabalho. Esse crescimento deve ser associado à atuação incansável das feministas – não apenas no campo acadêmico, mas também nos sindicatos, partidos políticos e outras esferas da vida social. Nesse sentido, também merecem destaque as lutas conduzidas pelo feminismo negro (especialmente o norte-americano, mas não só[1]), que vão por em cheque a ideia da mulher universal e denunciar a condição ainda mais subordinada das mulheres negras, não apenas em relação aos homens, mas também em comparação com as mulheres brancas. O mesmo se pode apontar em relação à condição das mulheres trans e de outros grupos sociais reunidos na sigla LGBTQIA+, identificados com o feminino e, portanto, alvo tanto da violência quanto da discriminação estatal e da sociedade civil.[2]

Considerando o contexto político-econômico-social mais recente, o que se observa é que, após o golpe de 2016, marcado pelo impeachment da presidente Dilma Roussef e os governos de Michel Temer (no qual tivemos a aprovação da PEC do teto de gastos, em 2016; a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização, em 2017) e de Jair Bolsonaro (com a Reforma da Previdência, em 2019 e o desmonte generalizado de quaisquer políticas sociais voltadas aos segmentos mais vulneráveis da população, agravadas ainda mais pela pandemia da Covid-19)[3], certamente, os desafios são ainda maiores. E as mulheres, principalmente as mulheres negras, estão entre os grupos mais vulneráveis da classe trabalhadora. 

No presente texto, destacaremos o trabalho das mulheres na área das Telecomunicações, tomando como base duas pesquisas realizadas: a primeira, nos anos de 2011/2012, intitulada As Mulheres e o Trabalho nas Telecomunicações, reuniu depoimentos de trabalhadoras aposentadas das antigas estatais (TELERJ e EMBRATEL) e mais de 1600 questionários respondidos por trabalhadoras “da ativa”, das operadoras e das empresas terceirizadas da base do SINTTEL-Rio. Dessa pesquisa resultou o livro Vozes do Passado e do Presente: o trabalho das mulheres nas telecomunicações do Rio de Janeiro, organizado por Cappellin, Rodrigues e Aguiar (2013). Nele é possível identificar permanências da histórica divisão sexual/racial do trabalho, assim como alguns avanços e desafios para trabalhadores/as e sindicato no que se refere à igualdade no mercado de trabalho, mas também na participação das mulheres nos sindicatos e outros espaços de representação política.

A segunda pesquisa, intitulada Percepções das Trabalhadoras sobre Home Office/Trabalho Remotofoi realizada no ano de 2022 e reuniu 584 questionários respondidos online por trabalhadoras de 7 (sete) estados, representadas pelos sindicatos filiados à Federação Livre dos Trabalhadores em Telecomunicações (o maior deles é o Sinttel-Rio, que totalizou 222 questionários respondidos). Realizada ainda no contexto pandêmico e focada numa realidade e condição que atinge parcela ainda pequena da classe trabalhadora brasileira, que é o teletrabalho ou home office, essa pesquisa trouxe questões ainda marcantes quanto à conciliação entre trabalho produtivo/reprodutivo, ao mesmo tempo que sinaliza para novas demandas aos sindicatos, apontadas pelas mulheres do setor.        

2- As mulheres e o trabalho nas Telecomunicações

2.1- As vozes das trabalhadoras em 2012: de telefonistas a teleatendentes

No setor de telecomunicações brasileiro, especialmente, a feminização do trabalho foi recorrente, refletindo a partir dos anos 1990 as transformações das empresas em grandes prestadoras de serviços, com efeitos visíveis sobre a divisão sexual do trabalho.

Foi no sentido de entender essas configurações e seus efeitos que a pesquisa “As  Mulheres e o Trabalho nas Telecomunicações”, realizada entre 2011 e 2012, estabeleceu seus dois objetivos principais. O primeiro era de recuperar a trajetória das mulheres nas telecomunicações, por meio de depoimentos e manifestações de antigas trabalhadoras, registrando dessa forma o importante papel que elas desempenharam na expansão e consolidação do setor em nosso país. O segundo, considerando-se o aumento do contingente de mulheres na categoria, especialmente no setor de teleatendimento sob as condições impostas pela reorganização do mundo do trabalho, impôs-se pela necessidade de acompanhar como as trabalhadoras, em 2012, viviam e percebiam a sua inserção nesse setor.

Em função desses objetivos, a pesquisa foi organizada em duas partes. Na primeira, que remete ao passado mais remoto, estão inicialmente os depoimentos comoventes sobre a trajetória de 11 trabalhadoras aposentadas, com perfis diferenciados – de escolaridade, função, idade, raça/etnia, origem familiar – das duas empresas principais do Rio de Janeiro (TELERJ e Embratel). Em comum, essas antigas trabalhadoras tinham o tempo de trabalho nas empresas – todas elas viveram praticamente toda a sua vida profissional ali. Esse tempo foi fundamental para que o trabalho se constituísse num poderoso espaço de identidade e solidariedade, que se estendeu também para o espaço familiar e de amizades (foram várias as falas sobre apadrinhamento dos filhos, viagens e passeios coletivos). Além disso, também era comum a discriminação vivenciada na relação com as chefias – na Embratel, especialmente, em que as três entrevistadas tinham curso superior, os depoimentos trazem situações claras de impedimento para ocupar alguns setores e também os cargos de gerência e diretorias. Na TELERJ, com a maioria das aposentadas exercendo a função de telefonistas, foi possível verificar um pouco mais de mobilidade, mas sempre entre as funções subordinadas; três delas, no percurso de sua trajetória na empresa, cursaram a universidade e conseguiram se estabelecer em novas funções de acordo com a sua formação. Mas poucas delas assumiram cargos de chefia. Uma das trabalhadoras, negra, relata que, trabalhando no prédio sede da TELERJ, um dia percorreu todos os andares para ver se havia outra mulher negra e não encontrou nenhuma: àquela altura, nos anos 1970, ela era a única mulher negra trabalhando na área administrativa na sede da empresa. Entre as telefonistas, setor 100% feminino, a maioria das gerências era ocupada por homens; apenas as coordenadoras e supervisoras imediatas eram mulheres. Aqui, o argumento empresarial repetia o que Souza-Lobo (2021) chamou da diferença entre “saber” (trabalho masculino/com maior qualificação) e “fazer” (trabalho feminino/com pouca ou nenhuma qualificação).

Essa separação e hierarquização entre trabalho masculino e feminino não podem ser tomadas como um dado estático ou definitivo, mas, como defende Kergoat (2009), variam no tempo e espaço, e pressupõem tensões e possíveis rupturas, como atestam as trajetórias das trabalhadoras aposentadas. O significativo trabalho de Cappellin (2013) apresenta uma recuperação histórica sobre o papel das mulheres trabalhadoras na implantação do setor de telecomunicações no Brasil, a partir do caso do Rio de Janeiro, então capital do país. A autora, após registrar a criação da Companhia Telefônica Brasileira, acompanhou a composição do mercado de trabalho do setor, observando e analisando as situações diferenciadas de inserção das mulheres, construindo carreiras ora em espaços tradicionalmente masculinos, ora em coexistência com os homens, ora ainda em espaços exclusivos ao trabalho feminino, como era o caso das telefonistas. E isso sem perder de vista as brechas que essas trabalhadoras conseguiram abrir para o encaminhamento de suas demandas e para a militância sindical.

Na segunda parte, o livro traça um quadro minucioso da situação das trabalhadoras nos anos 2010, com o setor já bastante transformado pela inflexão neoliberal dos anos 1990. A partir da pesquisa que atingiu 23 locais de trabalho, contemplando os três segmentos que hoje constituem o setor de telecomunicações pós privatização (operadoras, teleatendimento e prestadoras de serviço) e aplicando 1644 questionários, Cappellin traça o perfil das trabalhadoras da época: naquele momento, as mulheres eram a maioria no teleatendimento (em torno de 70%), enquanto nas prestadoras de serviço, o percentual de mulheres está perto dos 20%, e nas operadoras a distribuição entre homens e mulheres é mais equilibrada, com as trabalhadoras totalizando 49%.

Nesse cenário, a precarização, no caso das telecomunicações, está profundamente associada à privatização do setor em 1998, e é possível verificar um acirramento das desigualdades internas, em que os/as trabalhadores/as das operadoras experimentam melhores relações de trabalho, enquanto nos dois segmentos terceirizados a precarização salarial e das condições de trabalho se intensificam. Essa desigualdade interna também se verifica entre as mulheres: nas operadoras estão majoritariamente as mulheres brancas, com alta escolaridade, com idade entre 31/40, com tempo de trabalho igual ou maior que 5 anos. Já no teleatendimento, estão majoritariamente as mulheres pretas e pardas, jovens, com escolaridade entre o Ensino Médio e o 3º grau incompleto, com salários variando entre 1,5 e 3 salários, com tempo médio de trabalho de 1 ano. As prestadoras de serviço reúnem um número reduzido de mulheres, mas seu perfil está mais próximo ao das trabalhadoras do teleatendimento.

É claro que toda essa reestruturação pela qual passa o setor, desde o fim do século XX, tem impactos nas condições e relações de trabalho das mulheres. Uma questão que salta aos olhos é que a longa trajetória das trabalhadoras aposentadas das empresas estatais é substituída pela alta rotatividade nas empresas privatizadas, com efeitos claros sobre a baixa de salários e a dificuldade de identificação com a luta sindical. Se no período estatal, a taxa de sindicalização era de 90%, no período imediatamente pós privatização chegou a 10% (Rodrigues, 2016).

Nos anos 2010, as trabalhadoras até apontam como o sindicato deve atuar em sua defesa, embora a maioria delas indique que não participa das atividades sindicais, alegando que o principal motivo é a “falta de tempo”. O tempo, para as mulheres, mesmo com alguns avanços significativos, ainda é ocupado com uma série de tarefas domésticas e de cuidados (com filhos, em especial), numa divisão profundamente desigual com os homens. Esse acúmulo e sobrecarga as retiram, no mais das vezes, dos espaços de formação, da política, do lazer. E mantém a desigualdade entre homens e mulheres.

Dois últimos pontos podem ser destacados ainda sobre a conciliação entre trabalho produtivo e reprodutivo: o primeiro é que, ainda que todas as mulheres experimentem uma sobrecarga na jornada em função do trabalho reprodutivo, é possível perceber uma diferença em benefício das trabalhadoras das operadoras, quando comparadas à situação das mulheres no Teleatendimento e nas Prestadoras: as primeiras contam mais com os companheiros e maridos no cuidado com a casa e filhos, além de delegar para empregadas, babás e/ou creche, essas tarefas. O segundo aspecto é que, ao tratar do item demandas ao sindicato, os itens elencados em maior número foram aqueles ligados à família: aumento de tempo para o auxílio-creche; mais dias para atestados para acompanhamento de filhos doentes.

As trabalhadoras, em 2012, deixaram, assim, o seu recado para o sindicato e também para as/os estudiosas/os do trabalho e de gênero e trabalho. Dez anos depois, o que mudou nessa realidade? O que permaneceu, considerando que a segunda metade da década de 2010 foi marcada, no Brasil, por um retrocesso nos direitos sociais e mesmo nas condições civilizatórias? É o que tentaremos analisar no item a seguir.

2.2- As vozes das trabalhadoras em 2022 – Percepções sobre o Teletrabalho

Como destacado por Trópia, Castro, Rodrigues e Pessanha (2022: 97-98), o teletrabalho, apesar de já estar presente na legislação trabalhista brasileira desde a lei n. 12.551/11, tinha, até a eclosão da pandemia da Covid-19, uma incidência residual no país, quando então passa a ser considerado “um recurso importante para a manutenção da produção, devido à exigência de distanciamento social”. Entre a população ocupada, entre maio e novembro de 2020, 11% estava em trabalho remoto/teletrabalho/home office[4], ante a porcentagem de 3,7% em 2016 (Bridi & Vazquez, 2021). É claro que tal modalidade ainda atinge uma parcela pouco significativa dos trabalhadores brasileiros. A maioria esteve submetida, durante a pandemia, ao aumento do desemprego, à informalidade e ao recrudescimento da vulnerabilidade e precarização.

No entanto, ainda que estejamos tratando de uma parcela diminuta de trabalhadores, a adoção dessa modalidade de trabalho ocupou pesquisadores e sindicatos/centrais sindicais em torno de denúncias de assédio, aumento de jornada, falta de condições ergonômicas e de equipamentos, além de pouca transparência das empresas para a definição dos grupos a serem incluídos no teletrabalho.

O acompanhamento de ações tomadas pelo Sinttel-Rio no ano de 2020, apontava para um número enorme de ações na justiça e tentativas de negociação com as diversas empresas do setor – incluindo desde as operadoras até as empresas de teleatendimento e as prestadoras de serviço – para o cumprimento de medidas de proteção e higiene decretadas pela OMS (afastamento das gestantes e pessoas com comorbidades e idosas; afastamento das posições de trabalho, higienização e disponibilização de máscara e álcool em gel); para a garantia de manutenção de benefícios como Vale Refeição, ajuda de custo para internet/energia e garantia de equipamento para quem estava em home office; até o combate a medidas como Acordo Individual e redução de salário (Pessanha & Rodrigues, 2020).   

Quando realizamos a pesquisa com as trabalhadoras de Telecomunicações, no ano de 2022, a iniciativa partiu da Federação Livre e dos sindicatos a ela filiados, mais especificamente da Comissão de Mulheres da Livre, que gostaria de levantar as percepções e demandas das mulheres acerca do teletrabalho. A pesquisa foi realizada entre março e junho de 2022 e teve um número relevante de respondentes dos três segmentos do setor: Operadoras, Teleatendimento e Prestadoras de Serviço. Os estados representados foram: Rio de Janeiro (222 respondentes); Rio Grande do Norte (143 respondentes); Espírito Santo (84 respondentes); Ceará (64 respondentes); Pernambuco (36 respondentes); Rondônia (6 respondentes); Amazonas (18 respondentes).[5]

Após reunião inicial com a Comissão de Mulheres da Federação Livre, foi elaborado um questionário com 34 perguntas, utilizando o Google Forms, disponibilizado às trabalhadoras por meio de um link divulgado nas redes da federação e dos sindicatos, alimentadas periodicamente com cards sobre a pesquisa. O mesmo está organizado em 4 (quatro) Eixos: 1) Identificação; 2) Vida familiar; 3) Trabalho; 4) Ação sindical.

Sobre a sua identificação, as respondentes são, majoritariamente, jovens (34,93% entre 21 e 30 anos; 36,47% entre 31 e 40 anos), pretas/pardas (65,5%), com estado civil dividido entre casadas e solteiras (45 e 43%, respectivamente), e com escolaridade entre Ensino Médio Completo e Superior (incompleto e completo), também em números similares (EM: 30,65%; SI: 25,68%; SC: 29,11%). Há, nesses números, algumas semelhanças e algumas diferenças com o perfil levantado em 2012, com as trabalhadoras do Rio de Janeiro. Do ponto de vista da idade, são bem semelhantes, ainda mais quando se desdobra por segmento: estão no teleatendimento as trabalhadoras mais jovens (25,17%). Também em relação à cor/raça, quando desdobramos por segmento, também estão no teleatendimento a maior parte das trabalhadoras negras ou parda (34,42%), ainda que tenha aumentado um pouco o seu percentual nas operadoras (21,92%), quando comparamos com os dados de 2012. Outro aumento significativo foi quanto à escolaridade. Apesar de termos priorizado os níveis com maior porcentagem, também encontramos um número de trabalhadoras com mestrado, doutorado e especialização. 

Sobre a Situação familiar, os dados nos indicam que as famílias têm diminuído de tamanho, tanto pelo número de pessoas no domicílio, quanto pelo número de filhos/crianças sob a responsabilidade das respondentes – 1 filho, em 61,76%, e também a opção mais marcada tanto nas Operadoras, quanto nas Prestadoras e no Teleatendimento. 

A porcentagem de crianças em idade escolar, 84,41%, também parece combinar com o perfil mais jovem das respondentes e aponta para algumas permanências, quando consideramos a divisão sexual do trabalho, na qual a maior parte dos cuidados com a casa e as crianças ainda permanece sob responsabilidade das mulheres. Na questão que interroga quem é a pessoa que mais cuida dos filhos enquanto a trabalhadora está no trabalho remoto, em especial, a mãe aparece em primeiro lugar, no cuidado com os filhos, enquanto o pai aparece em quarto lugar, depois da creche/escola e de outros parentes. Apenas para as respondentes das Operadoras os pais se responsabilizam pelos cuidados das crianças, antes de outros parentes. Mais uma vez, repetindo a condição já verificada na pesquisa anterior, de 2012, indicando como os papéis de gênero mantêm-se difíceis de serem alterados, mesmo que as mulheres, hoje, representem 44% da força de trabalho brasileira.

Outro aspecto merece a nossa atenção: como várias pesquisas indicaram, a condição do ensino remoto, prevalecente nos dois primeiros anos da pandemia, sobrecarregou ainda mais as mulheres que também estavam em trabalho remoto. Uma vez que, no corrente ano, essa não é mais a realidade predominante, como nos indica a porcentagem de mais de 90%, certamente terá um impacto para a avaliação mais positiva sobre as condições do trabalho remoto por parte das mulheres.

O terceiro Eixo é o Trabalho. Reunindo o maior número de questões, esse bloco inicia com um quadro da distribuição das respondentes pelas várias empresas do setor, com uma prevalência no Teleatendimento (297 respondentes), seguido das Operadoras (215 respondentes). Números que confirmam onde estão, majoritariamente, as mulheres na categoria profissional.

A ideia do quadro é interessante, porque mesmo do ponto de vista estético, ele expressa a estrutura do setor pós privatização, com poucas operadoras e um número grande (e rotativo) de empresas terceirizadas, nas quais as relações e condições de trabalho assumem um caráter muito mais precário.

Nessa mesma lógica, não surpreende também que o cargo/função com maior número de respondentes seja exatamente o de teleatendente (247). Ainda sobre a tabela Cargos e Funções, chama atenção a pouca presença das mulheres em funções técnicas, num lento processo de igualdade e abertura, que também pode ser creditado ao espaço escolar e mesmo familiar, ao direcionar homens e mulheres para funções prévia e tradicionalmente definidas como masculinas ou femininas. Cappellin (2013) destaca essa pequena e lenta abertura.

Quando perguntado o tempo de trabalho neste cargo/função, é interessante notar que quase 50% das respondentes está entre 1 e 5 anos no mesmo, o que pode indicar que ainda há, no setor, uma alta rotatividade, ao mesmo tempo que também está presente uma certa estabilidade para determinados segmentos, com um tempo maior de empresa (de 5 a 10 anos, com 26,2%). Quando desdobramos esses dados por segmento, podemos verificar que, tanto nas Operadoras quanto nas Prestadoras e no Teleatendimento, essas são as duas opções com maior percentual. No entanto, quando consideramos os dois extremos – Menos de 1 ano e Mais de 15 anos – então, é no Teleatendimento que se concentra o maior quantitativo da opção 1, enquanto a opção 2 está majoritariamente entre as Operadoras. Mantendo a lógica inaugurada pós privatização de coexistência de um segmento mais protegido e outros, mais numerosos, com pouca ou nenhuma proteção.

Novo bloco de questões trata especificamente do trabalho remoto. Chama-nos atenção a avaliação positiva da experiência, considerando, inclusive, que antes da pandemia a maior parte das respondentes (84,25%) nunca havia trabalhado nessa modalidade. Os principais motivos para essa avaliação positiva estão ligados, em parte, às difíceis condições das grandes cidades (transporte público deficitário; tempo gasto no trânsito; segurança), e, de forma associada, também à qualidade de vida (mais tempo para si, para a família, para o lazer e/ou estudo e até a menor pressão sobre a aparência e vestuário). Também pode ser percebida no quantitativo de respondentes que gostaria de manter-se em trabalho remoto (mais de 78%), mesmo quando não se coloca essa opção pelas empresas.

Quando se pergunta sobre os equipamentos, mobiliários e local apropriados para o trabalho em casa, mais uma vez a avaliação predominante é positiva, ainda que a maior parte das respondentes tenha tido gastos para viabilizar algumas dessas condições e que tenham contado apenas em parte com a responsabilidade das empresas na garantia de mobiliário, equipamentos e mínima estrutura para a execução do trabalho remoto. O desdobramento dos dados por segmento nos mostra que se mantém uma condição semelhante entre eles na maior parte desses itens (espaço isolado, equipamentos, mobiliários, gastos), embora a escolha ruim/péssima para os equipamentos encontra mais respondentes no Teleatendimento, quando comparado com os outros dois segmentos.

Tomando a realidade específica do Rio de Janeiro, a análise dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho entre 2020 e 2023, nos indicam que o sindicato conseguiu garantir ajuda de custo para internet e energia num número significativo de empresas, o que pode ter contribuído para essa avaliação (Pessanha & Rodrigues, 2020).

Sobre a jornada de trabalho e a produtividade no trabalho remoto, as respondentes confirmam a existência de metas pelas empresas, mas, em sua maioria, também afirmam que a jornada de trabalho não sofreu alteração (75,51%), ao passo que a produtividade aumentou (61,64%). As principais razões para que o trabalho renda mais são: não ter o estresse do deslocamento para o trabalho; ter maior concentração e conforto em casa. Já as respondentes (10,1%) que indicaram que o trabalho rende menos em casa, apontam como principais causas a distração, os problemas técnicos e com os supervisores, além do aumento de cobrança.

Também vale sinalizar que, ao desdobrar os dados por segmento, foi possível verificar que entre as respondentes que afirmaram trabalhar mais horas, as trabalhadoras das Operadoras assumem a dianteira, quando comparado com o Teleatendimento e as Prestadoras. Essa condição pode estar associada ao aumento da produtividade, indicado em outra questão, na qual as trabalhadoras das operadoras também aparecem na frente. Há que se indagar se esse maior rendimento não poderia estar ligado ao aumento da jornada de trabalho, como também foi verificado na pesquisa realizada pela CUT/ABET/AMORJ no ano de 2021. Ali, as mulheres apontaram que mantiveram a produtividade à custa de um aumento significativo nas horas trabalhadas (Trópia & Castro & Rodrigues & Pessanha, 2022).

Mesmo que os aspectos positivos se destaquem, é importante salientar que as trabalhadoras também apontam dificuldades no trabalho remoto, dentre as quais as mais votadas foram: a sociabilidade (29,14%); o trabalho em equipe (17,63%) e o controle das horas de trabalho (13,04%).

Por fim, a saúde também foi um aspecto incorporado à pesquisa. Coerente com o conjunto das respostas reunidas neste bloco, a maioria das respondentes (61,82%) indicou não ter tido problema de saúde que pudesse ser associado ao trabalho remoto. Para os 38,18% que afirmaram ter tido algum problema, os mais citados foram: dores nas costas, ansiedade/angústia/tristeza e cansaço/estresse.

O último bloco, Ação Sindical, reúne questões e demandas que as trabalhadoras gostariam de ver incluídas nas pautas, na agenda de negociações e nas práticas dos sindicatos. Como dado inicial, 58,39% das respondentes são sindicalizadas, o que pode significar que as trabalhadoras (e trabalhadores) nessa posição atendem mais aos chamados/atividades dos sindicatos. Por outro lado, talvez valha também considerar um possível crescimento no índice de sindicalização no setor (e que merece ser acompanhado em outros levantamentos).

No geral, as respostas deste bloco apontam para uma ação efetiva dos sindicatos para proteger minimamente os/as trabalhadores/as das medidas adotadas para o enfrentamento da pandemia, que pode ser verificada pelos 74,78% de respostas que indicavam o pagamento de ajuda de custo para o trabalho remoto, pelas empresas; enquanto que redução de jornada, redução de salários e suspensão de benefícios tiveram índices residuais. Mas vale destacar, mais uma vez, que a avaliação positiva acerca do trabalho remoto não significou o abandono de reivindicações, inclusive sobre itens avaliados como positivos nesse tipo de trabalho, como o caso da ajuda de custo (para internet e luz), da cessão de mobiliários e equipamentos adequados e dos cuidados com a saúde. Três pontos que tiveram os maiores percentuais na pergunta sobre o que os sindicatos e a federação devem defender/garantir junto às empresas.

As respondentes também opinaram sobre o que sindicatos e federação devem fazer a respeito da temática da violência doméstica, apontando como principais ações a promoção de debates e matérias sobre a temática nos jornais e sites das entidades; e a garantia de cláusulas nos Acordos Coletivos. Sobre esse último item, mais uma vez, tomando a realidade do Rio de Janeiro, a análise de Acordos e Convenções Coletivas nos três segmentos aponta para a inclusão de cláusula que trata de apoio e acompanhamento às pessoas vítimas da violência doméstica.

Na pergunta final, aberta, surgem vários pontos que também marcam as demandas das trabalhadoras. São eles: melhora do sistema operacional e suporte dos supervisores; cursos ou palestras sobre o trabalho remoto; monitoramento e gravação da tela; campanhas de conscientização sobre assédio moral e organizacional; não associação das metas à permanência em home office. Sobre a situação específica das mulheres no trabalho, destacaram-se respostas nem sempre associadas ao trabalho remoto: flexibilidade para gestantes e mães com filhos sob seus cuidados; redução da carga horária de trabalho para mães de criança com deficiência; cláusulas, nos acordos, favorecendo mulheres que sofrem violência doméstica; e psicólogo no sindicato, para vítimas de violência doméstica.

Por fim, também houve algumas solicitações mais de ordem político-organizativa, como solicitar que o sindicato vá à empresa em que a respondente trabalha, pois lá a maioria nem sabe qual sindicato o representa; e outra que fala em “poder contar com o sindicato para acionar as autoridades e ter suporte jurídico e social”.

Pensamos que esse conjunto de respostas pode funcionar como uma rica Agenda de Ação Sindical, não apenas para as trabalhadoras, mas para o conjunto da categoria, uma vez que ali estão retratadas dificuldades e demandas, mas também uma avaliação bastante autoral, que coloca, para as direções dos sindicatos e da Livre, o desafio de problematizar e aprofundar o debate com as/os trabalhadoras/es e avançar na luta pela proteção aos seus direitos. 

Considerações Finais

Quando nos vemos diante de estatísticas como as que foram aqui apresentadas, tanto as das referidas pesquisas, quanto as super atuais, presentes no Boletim Especial 8 de Março, do DIEESE, sempre nos indagamos o quanto realmente avançamos na conquista da igualdade de gênero no Brasil. A constatação é a de que temos ainda um longo caminho a ser percorrido, maior ainda quando consideramos as mulheres negras e as mulheres trans, travestis, essas expostas a uma violência ainda maior, que lhes rouba a própria vida.

É certo que alguns avanços devem ser comemorados, dentre eles a PEC das Domésticas, ainda que tardia e em contexto que, novamente, deixou esse grupo entre os mais vulneráveis depois da Reforma Trabalhista e da pandemia da Covid-19. Também foi possível perceber, a partir das pesquisas junto a alguns sindicatos, que a resistência frente ao ataque sistemático aos direitos do trabalho tem sido permanente e que, mesmo num contexto tão adverso, algumas conquistas têm sido incorporadas aos Acordos e Convenções Coletivas. Algumas delas respondem às questões de gênero: contra o assédio (pelo qual as mulheres ainda são as maiores afetadas); contra a violência doméstica; pelo reconhecimento do nome social; pelo reconhecimento, para efeito de dependência/acesso a benefícios como plano de saúde, de cônjuges do mesmo sexo; pelo aumento do tempo de licença paternidade; pela licença para quem adota crianças, seja homem ou mulher (Rodrigues et al., 2022).

Mas se as conquistas são ainda insuficientes, e o caminho para sua consolidação se revela profundamente acidentado, um balanço final não pode deixar de registrar que trabalhadoras (e trabalhadores) tem clareza sobre os limites que lhe são impostos e tem tentado atuar coletivamente para melhorar suas condições e avançar na construção de maior dignidade para seus trabalhos e suas vidas. 


Notas

[1] No Brasil, temos também importantes contribuições de ativistas e intelectuais negras que destacam a importância da dimensão de raça/etnia para a compreensão das desigualdades de gênero e classe: Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Jurema Werneck são algumas delas. Sobre as ideias e ações destas e de outras representantes do feminismo negro brasileiro, ver Santana (2019).

[2] Num artigo publicado em 2021, na Revista Trabalho Necessário, Ribeiro e Almeida apresentam uma pesquisa sobre a inserção das travestis, mulheres transexuais e homens trans no mercado de trabalho, apontando que essa população constitui o grupo majoritário entre os não selecionados para um emprego ou entre os que foram demitidos em razão de sua identidade de gênero. Afirmam, também, que somado a esse processo, estão os baixos níveis de escolaridade e, consequentemente, a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho.

[3] Sobre esse cenário e os impactos sobre o campo do trabalho, ver Santana (2021).

[4] Há uma variedade de termos usados para designar essa modalidade de trabalho. Sobre isso ver Bridi & Vazquez (2021).

[5] Vale uma nota metodológica: essa não é uma amostra proporcional ao número de trabalhadoras por estado. Em primeiro lugar, porque não foi possível obter das empresas esses dados. Mas, também, a própria ideia da pesquisa era trabalhar a adesão nos locais de trabalho, a partir do envolvimento das dirigentes e representantes de base na divulgação e convocação das trabalhadoras. Outra nota: além destes questionários foram recebidos 11 questionários respondidos e considerados válidos, apesar de virem de estados onde os sindicatos não são filiados à Livre. Como as respostas eram coerentes e completas, optou-se por considerá-los na contagem.

Referências:

BRIDI, M.A. & VAZQUEZ, B. (2021). Estudos sobre a regulação do teletrabalho no Brasil. Montevideo: Friedrich Ebert Stiftung: Toma Partido. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/uruguay/18668.pdf  

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Fonte: Blog BVPS

Data original da publicação: 10/03/2023

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