Call for papers “Trabalho e nomadismo digital. Práticas, sentidos e regulações” – prazo de submissão até 15 de maio de 2022

Foto: Pixabay

Por Revista Crítica de Ciências Sociais

Organização: Ana Paula Marques, Elísio Estanque, Esser Jorge Silva, Ricardo Colturato Festi

Prazo de submissão: 15 de maio de 2022

A repercussão da pandemia de covid-19 ditou significativas alterações na vida social em geral. No caso particular do trabalho, a mudança em curso ganhou maior significação, porquanto a atividade profissional constitui-se no domínio à volta do qual toda(s) a(s) sociedade(s) se organiza(m). Além de se constituir na substância da execução e realização profissional, a noção do trabalho ganhou relevância enquanto fator que organiza e harmoniza os sentidos. Em consequência, não só formula e condiciona objetivos e projetos de vida, como suporta expetativas e “habita” em nós, contribuindo para a coesão ou segmentação da sociedade. A centralidade do trabalho é ainda manifesta na reconciliação do indivíduo com a coletividade e na estruturação dos sentidos quanto à divisão do tempo e do espaço, numa relação de alienação ou de “ressonância” com o mundo (Rosa, 2021).

Se numa primeira fase, o crescimento do teletrabalho se apresentou como um recurso momentâneo, as práticas ao longo do tempo pandémico vieram consolidar o papel do trabalho remoto e da digitalização. A discussão sobre o trabalho ser “à distância” ou “a distância”, mais do que uma questão de linguística, revela uma oposição entre a malha mental cimentada nos hábitos e o reconhecimento tácito de uma rutura na forma de conceber o exercício da atividade laboral. Expõe-se, desde logo, uma nova relação entre a tecnologia e o trabalho, em particular uma reorganização do trabalho e dos/as trabalhadores/as através das tecnologias digitais, e, como consequência, perante a ausência de fronteiras entre espaço de trabalho e espaço de residência, emergem novos sistemas de controlo à distância, individualização e desagregação comunitária que caracterizou as práticas do trabalho ao longo da modernidade.

O recrudescimento da tecnologia como solução primordial e a substituição da lei dos rendimentos decrescentes – dominada pelos limites do fator humano, pela lei dos rendimentos crescentes – submetida ao infindo fator tecnológico, perspetivam mudanças aceleradas nas práticas laborais, na (des)articulação entre o agente tecnológico produtor e o agente económico consumidor com impactos nas dimensões associativas e integradoras do trabalho (Dörre et al., 2015; Silva, 2017; Costa et al., 2020; Festi, 2020; Marques, 2020).

A revolução tecnológica e a sua implicação nas relações de trabalho criou o vaticínio de um novo paradoxo que é o de uma sociedade de trabalhadores/as liberta dos grilhões do trabalho, ao mesmo tempo que gera novas formas de dominação e exploração, (re)introduzindo a discussão sobre o papel da tecnologia na experiência humana do trabalho (Arendt, 1958; Rifkin, 1995; Beck, 2000; Martins, 2011; Gumbrell-McCormick e Hyman, 2013; Huws, 2017; Antunes, 2018; Huws, 2019). Dimensões como a autonomia tecnológica, a superexploração da força de trabalho virtual, a transformação da condição de trabalhadores/as de serviços para prestadores/as de serviços, a expansão dos regimes de trabalho em outsoucing (Drahokoupil, 2015) prometem renovar a compreensão da clássica relação económica entre o agente produtor e o agente consumidor do trabalho, levantando novas questões, como, por exemplo: que novas alternativas de sentidos epropósitos podem ser alicerçadas em sociedades com menos trabalho estável e seguro? Que novos riscos estão a ser introduzidos pela digitalização e “plataformização” do trabalho? Como assegurar a sustentabilidade futura dos sistemas de proteção social? Que atores coletivos e estratégias de regulação multinível podem ser desenhados? Que novos territórios serão urbanizados e cidades reconfiguradas, potenciados pela digitalização do trabalho? Que novas fronteiras e ambivalências entre o trabalho pago e o trabalho não pago? Quais os impactos dessas transformações sobre os salários ou renda dos/das trabalhadores/as? Que novas respostas por parte do movimento sindical e outras formas de resistência dos/as trabalhadores/as?

Este dossier temático pretende promover uma reflexão sobre as variações do trabalho enquanto domínio científico de estudo, que possam clarificar e contribuir para o conhecimento dos novos atravessamentos e dimensões do conceito de trabalho e sua relação com o nomadismo digital. Serão acolhidas e valorizados propostas originais, particularmente sob a forma de investigações empíricas e experiências práticas que contribuam para a compreensão da noção do trabalho em tempos de pandemia.

As propostas de artigos devem incidir nos seguintes tópicos:

  • Regresso ao trabalho pós-pandemia de covid-19;
  • (Tele)trabalho, direitos laborais e organização familiar;
  • Nómadas digitais e “deslugarização” do trabalho;
  • Novos empregos emergentes no capitalismo de plataformas;
  • Papel da tecnologia, impacto da Inteligência Artificial;
  • Plataformas digitais e hibridismo: “uberização” e precariedade;
  • Relação tecnológica e humana no valor do trabalho;
  • Sustentabilidade dos sistemas de Segurança Social;
  • (Re)significações e metamorfoses do trabalho;
  • Gestão e controlo à distância: autonomia vs. dependência;
  • Sindicalismo, ciberativismo e resistência das/dos trabalhadoras/es no século xxi

Os artigos devem ser submetidos de acordo com as normas disponíveis online em https://journals.openedition.org/rccs/4611 e enviados por correio eletrónico para rccs@ces.uc.pt com indicação explícita “Dossiê temático – Trabalho e nomadismo digital” como assunto da mensagem. Todos os artigos devem ser originais e submetidos na sua versão completa, em língua portuguesa, inglesa ou castelhana. Podem ter até 50 mil caracteres com espaços no máximo, incluindo o resumo, o texto, as notas de rodapé e as referências bibliográficas.

Os artigos recebidos serão objeto de apreciação no âmbito do processo de arbitragem científica por pares descrito nas normas de publicação.

Bibliografia

Antunes, Ricardo (2018), O privilégio da servidão – O novo proletariado de serviço na era digital. São Paulo: Boitempo.

Arendt, Hannah (1958), The Human Condition. Chicago. Chicago: University of Chicago Press.
DOI : 10.7208/chicago/9780226586748.001.0001

Beck, Ulrich (2000), Brave New World of Work. Cambridge: Polity Press.

Costa, Hermes Augusto; Estanque, Elísio; Fonseca, Dora; Silva, Manuel Carvalho da (2020), Poderes Sindicais em Debates. Desafios e oportunidades na Autoeuropa, TAP e PT/Altice. Coimbra: CES/Almedina.

Dörre, Klaus; Stephan Lessenich; Rosa, Hartmut (2015), Sociology, Capitalism, Critique. London: Verso.

Drahokoupil, Jan (org.) (2015), The Outsourcing Challenge: Organizing Workers across Fragmented Production Networks. Brussels: ETUI.

Festi, Ricardo Colturato (2020), “O trabalho na era digital e os desfios da emancipação”, Revista de Políticas Públicas, 24.

Gumbrell-McCormick, Rebecca ; Hyman, Richard (2013), Trade Unions in Western Europoe: Hard Times, Hard Choices. Oxford: Oxford University Press.

Marques, Ana Paula (2020), “Crise e trabalho: interrogações em tempos de pandemia”, in Madalena Oliveira; Helena Machado; João Sarmento; Maria do Carmo Ribeiro (orgs.), Sociedade e Crise(s). Braga: UMinho Editora, 31-37.

Huws, Ursula; Spencer, Neil; Syrdal, Dag; and Holts, Kaire (2017), Work in the European Gig Economy: Research Results from the UK, Sweden, Germany, Austria, The Netherlands, Switzerland and Italy. Foundation for European Progressive Studies.

HuwsUrsula (2019), Labour in Contemporary Capitalism. What Next? London: Palgrave/MacMillan.
DOI : 10.1057/978-1-137-52042-5

Martins, Hermínio (2011), Experimentum humanum – Civilização tecnológica e condição humana. Lisboa: Relógio D’Água.

Rifkin, Jeremy (1995), The End of Work. Washington: Tarcher/Penguin.

Rosa, Hartmut (2021), Resonance: A Sociology of Our Relationship to the World: A Sociology of Our Relationship to the World. Oxford: Polity Press.

Silva, Esser (2017), “Excurso sobre media, tecnologia e trabalho”, Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 40(1), 59-75. DOI: 10.1590/1809-5844201714.
DOI : 10.1590/1809-5844201714

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Fonte: Revista Crítica de Ciências Sociais

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