Canal do Trabalhador #2: Não existe empresa boa – Expropriação e Fragilidade do Trabalhador

Por Glauber Treml*

Não existe empresa boa, mas, sim, empresas melhores em alguns aspectos do que outras. Isso em si é uma diferença gritante. Faço essa afirmação, pois algo bom não pode ser encarado na perspectiva do “menos pior”. O menos pior não deveria ser confundido com algo bom.

Na lógica do mercado de trabalho entendo que para algo ser bom, ele não pode ser desigual e desproporcional. A igualdade está na boca das empresas, direcionada apenas sob o tema da diversidade (veremos adiante que se trata de algo mais amplo). Ter uma empresa diversa, nos dias de hoje, é motivo para marketing institucional, como se diversidade fosse uma honraria, ao invés de obrigação.

Ora, empregar pessoas, indiferente de raça e gênero, significa não ser preconceituoso, ponto. Você já comemorou ou se orgulhou por ter pessoas diversas na sua roda de amigos ou em uma mesa de almoço? Não! Por quê? Porque para muitas pessoas, não ser preconceituoso soa como algo normal.

A inclusão ainda tem muito o que progredir, mas o motivo das empresas segregarem no passado, creio eu, que passa pelos perfis dos empregadores das altas camadas, em sua maioria, nitidamente elitistas. Estamos diante do típico sujeito que adora ir ao shopping center, pois lá não cruzará com pessoas mal vestidas ou que usam chinelos. Negros? Só se enturmam com os bem aparentados de acordo com o seu conceito de padrão estético.

A genuinidade desta inclusão, muitas vezes, sequer existe, pois para inúmeras empresas o assunto é tratado como ferramenta de marketing institucional e cooptação de funcionários. Estes funcionários irão expor a sua imagem, a troco de nada, nas fotos das redes sociais e apresentações internas da empresa, sob um discurso efervescente de “nós defendemos a causa!”, ao invés de “nós mudamos um pouco”.

Por falar nisso, eu costumo alertar que, às vezes, o empregador do passado é o mesmo do presente, ou seja, o mesmo que não incluía no passado, é o mesmíssimo do presente. Aplaudir e propagar textões no Linkedin, prol empresa, já não é demais? Eu insisto em reforçar que precisamos nos atentar mais ao histórico e às origens antes de enaltecer empresas e clientes precocemente, sendo protagonistas de um verdadeiro papelão.

A palavra igualdade, por hora, aparece quando as empresas estão discorrendo a respeito do tema da inclusão. Mas em termos gerais, entendo que igualdade é quando dois pontos estão próximos, ou seja, não há grandes desproporcionalidades, não há abismos. Neste momento, chegamos em algo central: o que é expropriação da força de trabalho e mais valia, presente praticamente na unanimidade das empresas? É por si só, desigualdade pura!

A naturalização da expropriação da força de trabalho e mais valia é de certo uma das coisas mais introjetadas no ideal da sociedade, mesmo não sendo algo tão complexo de se entender, sinal que o bombardeamento ideológico está sendo massivo, intenso e efetivo.

Em um exemplo hipotético, imagine que um trabalhador estudou, investiu tempo, dinheiro, sofreu nos transportes públicos da vida e se aprimorou em suas atividades laborais. Para utilizar exemplos mais contemporâneos, da área de serviços, imagine que na empresa em que este sujeito trabalha, os projetos com os quais costuma trabalhar são comercializados na ordem de XXX mil reais, e seu salário é vinte vezes menor do que esse valor. Você, leitor, poderia contestar: “Mas há toda uma equipe, estrutura e custos por trás deste trabalho realizado”. Sim, tem razão, mas imagine que este funcionário já trabalhou e materializou diversos projetos iguais a este e,  provavelmente, apenas na ordem de dez ou vinte anos poderia adquirir este mesmo projeto, caso assim o quisesse, ou seja, algo que ele próprio produz diariamente em conjunto com outros profissionais. No curta “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”, de Marcelo Masagão, essa realidade é apresentada com maestria, através da história de um rapaz chamado Alex Anderson, montador de veículos, modelo Ford-T.

Na outra ponta, o expropriador possui um imóvel na quantia equivalente a cinco projetos (os quais já foram referidos anteriormente), e um carro na quantia de outros dois. Este sujeito não materializa o que comercializa, bem como, sequer tem conhecimento sobre o que a empresa produz, ao contrário dos trabalhadores. Em um ano sem materializar absolutamente nada, ele acumula uma quantia cinco, dez, vinte vezes maior do que quem materializa. Isso é justo?

Perceba como o senso de justiça e igualdade é alterado de acordo com os atores em questão. Se falarmos que há desigualdade no Brasil pois há pessoas sem moradia, ao mesmo tempo em que há outras esbanjando, por qualquer motivo também ,não é injusto um trabalhador se entregar ao trabalho, enquanto um expropriador também esbanja em cima destes anos todos que se dedicou às atividades laborais?

Você pode novamente argumentar:  “Mas ele ralou no início e teve a coragem de investir os seus recursos financeiros na empresa”. Vamos a algumas correções nessa frase:

Primeiro, na lógica motora das empresas, imagine o que aconteceria se um trabalhador ralasse “só no início”. Seria taxado de desleixado, pelo mesmo expropriador que agora faz o mesmo, mas que, além disso, nunca materializou o que comercializa. Hipocrisia, não?

Segundo, muitos administradores não possuem grandes dificuldades para adquirir recursos para abrir suas empresas, por isso, atuam com muito mais segurança. Perder dinheiro em um negócio, por vezes, é sinônimo de tentar de novo, pois se tem uma ou mais chances concretas e objetivas para tal. A esmagadora maioria das pessoas sequer possuem condições para quiçá pensar nessa possibilidade (é óbvio, que aqui, estou desconsiderando o sentido de se ter uma empresa). Isso é igualdade?

Terceiro e mais importante, pois faz um link importante com a questão da igualdade e justiça. Por qual motivo ter recursos poderia ser justificativa para expropriação e mais valia? E acrescento, se criar empresas é a chave da porta onde se pode deliberadamente abrir um abismo entre pessoas de forma consentida, isso não é em si, desigualdade social e financeira?

Além da naturalidade assustadora de como as coisas estão postas, é importante destacar que um trabalhador expropriado continua sendo explorado, ainda que bem remunerado. Isso inclui trabalhadores das camadas intermediárias das empresas que, por vezes, têm a ingenuidade de se reconhecerem mais com as altas hierarquias, do que como trabalhadores da base. Não são trabalhadores, mas, sim, gestores ou coordenadores. Eles acreditam que são “amigos do chefe” e pessoas de sua confiança. O assunto vale um artigo à parte.

Aliás, é preciso tomar cuidado ao se dirigir por “bem remunerado”. Bem remunerado comparado à média salarial brasileira que mal consegue pagar um aluguel e comer ao mesmo tempo? Ainda que se tenha as duas coisas, muitos destes trabalhadores que se reconhecem nas classes altas sequer têm condições financeiras para ter uma casa própria, traduzindo, um teto em cima de suas próprias cabeças. Ainda que optem pelo aluguel, muitos sequer conseguem viver com dignidade por dois ou três anos, caso desempregados. Que classe alta é essa (ou classe média alta, que seja)? Estar em uma festa ou restaurante caro e, por conseguinte, publicar fotos em suas respectivas redes sociais, não fazem dessas pessoas menos trabalhadoras e, muito menos, próximas das classes altas (a não ser, talvez, naquele espaço físico e momento). Por fim, muitos vivem verdadeiros castelos de areia.

A fragilidade do mercado de trabalho e a posição em que os trabalhadores se encontram, faz com que acreditemos que ter uma moradia adequada, lazer, alimentação, poder estudar, viajar ou tratar dos dentes é um privilégio, afinal, “quem no Brasil tem isso hoje em dia”? É triste que pessoas vejam a vida por essa ótica, onde o que deveria ser normal para um cidadão, é visto como diferencial,  pois o que se compara é uma maioria fraturada.

Eu, particularmente, já agradeci as “oportunidades” de emprego, mas me arrependo, pois as empresas não estão me fazendo um favor. Trata-se de uma relação de troca, e não de favores. Não deveria agradecer, pois, além de não ser um favor, trata-se de um trabalho expropriado, portanto desproporcional e explorado.

Não mais agradecer, não significa ser antipático (muito menos mal agradecido), mas se tornar mais consciente. A relação interpessoal também não muda, desde que seja recíproca, contudo, há nessa relação, mais consciência e criticidade, isto é fato.

Fazendo uma conexão entre a insegurança do trabalhador em um mercado de trabalho fragilizado e o “agradecer” ao expropriador, eu fico refletindo em como deve ser estar na pele deste sujeito, que, a todo o momento, depara-se com pessoas que se abrem e escrevem textos enormes e, ajoelhadas, agradecem-no pela sua salvação divina. Imagino eu que tal experiência é estar diante das fragilidades na sua forma mais intensa, todo santo dia. É como uma relação entre monarcas e súditos, versão corporativa. Ainda com esse exemplo, um empregador poderia justificar com todo seu autoritarismo (típico de um monarca) e previsibilidade “É diferente de um monarca, pois aqui ninguém é obrigado a nada!!! A porta está aberta para quem está insatisfeito!!!”. Talvez ele teria de ler este texto, quando falamos sobre insegurança, fragilidade, realidade econômica e necessidade. Além de ler, entender, é claro. Que usem a tal da “empatia” para refletir sobre estes temas.

Essas reflexões são necessárias para estarmos preparados para o cotidiano das empresas, que não são apenas um lugar para trabalhar, mas, sim, palco ideológico, onde os empregadores, por vezes, realmente acreditam, com toda a sua ingenuidade, que as suas empresas são braços para a justiça e igualdade. Acreditam piamente que são gigantes da causa social, pois não são preconceituosos (agora que adeptos à diversidade) e empregam pessoas, ainda que extraindo mais valia a doses cavalares. Entrando na onda do menos pior: seria menos pior apenas trabalhar e não ter de ouvir bobagens deles a todo momento.

*Email para contato: glaubertreml@gmail.com

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