Carta de Brasília (2023) – XVIII ENABET: Futuros do Trabalho: reconstruindo caminhos para a proteção social no Brasil

Foto: Divulgação

Por Associação Brasileira de Estudos do Trabalho

A Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, retomando suas atividades presenciais no pós-pandemia da SARS-Covid 19, reuniu-se em Brasília, entre os dias 5 e 9 de setembro, durante o XVIII Encontro Nacional da ABET. Desde a sua origem, a ABET  atua como um espaço de diálogo e divulgação da produção acadêmico-científica e de enfrentamento dos desafios do mundo do trabalho, assumindo posicionamentos políticos críticos, assertivos e propositivos.

Nós, pesquisadoras e pesquisadores, diante do brutal processo de desestruturação e reconfiguração do mundo do trabalho e cientes das ameaças que ainda pairam sobre o regime democrático brasileiro, vimos a público:

REAFIRMAR o nosso compromisso com os padrões de trabalho digno e decente definidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT); os direitos da cidadania garantidos na Constituição de 1988; a reconstrução do Estado brasileiro, no seu caráter social e público; a soberania popular; o crescimento e desenvolvimento econômico e humano sustentáveis, com inclusão social; a democracia, e; a educação em todos os níveis.

DENUNCIAR os processos políticos e econômicos que violentam democracias, propagandeiam a superação do trabalho e promovem a sua desvalorização, incorporam plataformas digitais na produção, tornam sociedades reféns dos interesses financeiros e reproduzem políticas de morte contra os trabalhadores, vulnerabilizando a sua saúde e a sua segurança para forçar o contínuo processo de expropriação da força de trabalho, que ameaça o mínimo civilizatório.

COMBATER as políticas neoliberais e de austeridade fiscal que estrangulam a capacidade de investimento do Estado e aprofundam as desigualdades sociais; engrossam o contingente de desempregados e subempregados; intensificam a precarização do trabalho, a ampliação da informalidade, da pobreza e da vulnerabilidade social; promovem a degradação dos serviços públicos e o esgarçamento do tecido social, colocando obstáculos para que o país saia do mapa da pobreza e da crise econômica, alimentar e social herdada do governo neofascista.

AFRONTAR a mercantilização e a privatização dos direitos sociais fundamentais, garantindo o respeito e a promoção à condição humana da trabalhadora e do trabalhador.

LUTAR de forma prioritária pela universalização de direitos; pela redistribuição do tempo útil de trabalho, mediante a redução da jornada com promoção dos níveis de renda e salariais, e; pela reinvenção e fortalecimento do sindicalismo brasileiro, com a reafirmação do compromisso com a liberdade sindical e com a amplitude constitucional do direito de greve.

DEFENDER um sistema público e universal de proteção social ao trabalho que inclua os socialmente desprotegidos e esteja pautado pelos princípios da solidariedade social, da isonomia e da irrenunciabilidade dos direitos e que, respeitando as especificidades de cada uma das formas de alocação da força de trabalho, as integre em direitos e garantias.

APOIAR as políticas de geração de emprego e renda e a revogação da Reforma Trabalhista.

DEFENDER o SUS e uma política sanitária baseada nos alicerces da ciência, em campanhas de vacinação ampla e universal, sem discriminações;

COMBATER o negacionismo na ciência e toda forma de perseguição à manifestação democrática do pensamento;

DEFENDER a autonomia universitária, a destinação de recursos e financiamento das universidades públicas, juntamente com a continuidade do processo de inclusão e permanência de grupos vulnerabilizados nas universidades brasileiras.

RECONHECER que o cenário social, econômico e político brasileiro ainda assombra e ameaça a vida nos campos e nas cidades, de homens, mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, pardos, pretos e indígenas.

CONSIDERAR SEMPRE a condição periférica na compreensão e enfrentamento da violência institucional, das violências simbólicas e das especificidades da produção e reprodução das desigualdades de classe, gênero, raça, etnia, território, deficiência e geracionais. 

ASSUMIR como pressupostos e como questões que atravessam a experiência do trabalho no Brasil, nossa condição periférica e subalternizada no capitalismo global, os resquícios históricos da colonialidade e da escravização, que estruturam o racismo em nossa sociedade, e, sobretudo, as interseccionalidades de raça, gênero, etnia, deficiência e geração, entre outros marcadores relevantes, seja na construção de estudos e pesquisas, seja na construção e implementação de políticas públicas.

DEFENDER a representação paritária nas estruturas de poder e espaços de decisão, em especial no judiciário e nas representações partidárias, como forma de promover sistemas de justiça mais representativos dos interesses da sociedade brasileira e como caminho de realização de uma sociedade mais justa e igualitária; é fundamental que os Tribunais Superiores incorporem e mantenham em sua composição a paridade, especialmente de gênero e raça. 

COBRAR a responsabilização social do judiciário pela reprodução da ideologia neoliberal em seus julgados e por reforçar uma política judicial com esforços de desmonte e esvaziamento do Direito do Trabalho.

DEFENDER políticas públicas voltadas para a reprodução social de trabalhadoras, trabalhadores e suas famílias em suas diversas configurações sociais.  Reconhecer as relações de trabalho e a importância do trabalho das cuidadoras, recusando qualquer forma de invisibilização social.   

ENFRENTAR as formas contemporâneas de exploração do trabalho, defendendo o uso das tecnologias como instrumentos da promoção da justiça social, da redução das igualdades e da promoção do trabalho digno, combatendo os processos de degradação e precarização do trabalho.

RECONHECER a subordinação algorítmica como inerente ao modelo de negócio que implementa plataformas digitais na organização e gestão do trabalho. 

COMBATER o uso desregulado dos algoritmos na organização e gestão do trabalho, como forma de conter o aprofundamento das assimetrias entre capital e trabalho, modificar a correlação de forças entre trabalhadoras e trabalhadores e as empresas que lhes contratam para a prestação de serviços, e, assegurar o funcionamento dos ecossistemas digitais sob o exercício da soberania nacional.

DEFENDER a regulação do trabalho controlado por plataformas digitais com proteção social, reconhecimento da subordinação e acesso ao direito do trabalho dos hoje chamados trabalhadores uberizados.

OPOR-SE a toda e qualquer transformação de trabalhadores em trabalhadores sob demanda. 

DESMASCARAR o discurso do empreendedorismo e da narrativa da autonomia do trabalho nas plataformas digitais – como modelo de substituição ao emprego formal –,  que resultam em elevadíssimo custo social, visto que ocultam as relações de exploração e subordinação do trabalho, as relações de emprego e as responsabilidades patronais, deixando no mundo do trabalho o rastro de jornadas extenuantes, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com sacrifício da juventude trabalhadora e oneração da sociedade.

DEFENDER uma regulação protetiva, isonômica e coerente com a condição subordinada das trabalhadoras e trabalhadores contratados por plataformas digitais, considerando a presunção de laboralidade. Para isso, basta reconhecer a incidência do sistema de proteção social às trabalhadoras e trabalhadores contratados por plataformas digitais e a necessidade de produção adicional de normas responsivas às novas violações de direitos e riscos trazidos pelo trabalho dirigido por meio de programação algorítmica.

RECONHECER os elementos psicossociais das formas contemporâneas de adoecimento associadas ao trabalho, em suas múltiplas dimensões. Rechaçar os elementos e modelos de gestão do trabalho que promovem a degradação física e subjetiva de trabalhadores. Combater toda forma de assédio, moral e sexual, associada às relações de trabalho. Produzir instrumentos analíticos e de intervenção frente a todas as formas de violência e opressão às trabalhadoras e trabalhadores. 

PUNIR toda e qualquer forma de assédio nas Universidades, fortalecer mecanismos de denúncia e responsabilização nas mais diversas esferas acadêmicas e no funcionalismo público em geral. 

FORTALECER as instituições públicas do trabalho e o sistema de fiscalização do trabalho, assegurando sua competência e o exercício de suas missões institucionais de modo coerente com os direitos sociais assentados na Constituição e na ordem internacional, bem como as conquistas históricas das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Para isso, é necessário que espaços de poder e decisão, notadamente o STF, sejam ocupados por agentes políticos com trajetória de defesa e de compromisso com a centralidade do trabalho e a sua proteção, além de representatividade em relação às diversidades de gênero e raça que compõem a população brasileira. 

DEFENDER medidas político-jurídicas suficientes para fazer frente ao trabalho controlado por plataformas digitais, assegurando direitos (tendo como assento o vínculo empregatício), inclusão nos sistemas de proteção social, limites à exploração e responsabilidades patronais compatíveis com os riscos e proveitos das atividades desenvolvidas por meio do controle de tais sistemas digitais. Nesse cenário, repudiamos a difusão de pesquisas financiadas pelo setor patronal interessado no tema e que, desviando-se de pressupostos metodológicos elementares, se prestam a intervir no debate público de modo a distorcer e desconsiderar pressupostos e contextos fundamentais à compreensão desse tema. Ponderamos, assim, a imprescindibilidade do conhecimento científico ético, comprometido com a dignidade humana e a justiça social, como subsídio para enfrentamento dos desafios colocados pela plataformização do trabalho  

FORTALECER as organizações coletivas de trabalhadoras e trabalhadores, com respeito à liberdade e autonomia sindicais e repúdio às antissindicalidades praticadas por empregadores, mediante abuso do poder econômico; e pelo Estado, inclusive aquelas que se manifestam por meio da repressão pelo Poder Judiciário ao exercício do direito fundamental de greve. 

ALERTAR para o potencial crescimento do trabalho análogo ao escravo e do trabalho infantil, especialmente no trabalho doméstico e de cuidados;

DEFENDER o regime democrático com igualdade e reparação das discriminações históricas de nossa sociedade, com atenção especial ao racismo e às discriminações de gênero;

Finalmente, a ABET, ciente do seu compromisso com a defesa de condições dignas de trabalho e de vida, soma-se a todos os movimentos sociais e instituições engajadas na reconstrução do país para o enfrentamento dos desafios do mundo do trabalho. 

Brasília, DF, 09 de setembro de 2023.

Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET

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