“É TUDO NOVO”, DE NOVO: AS NARRATIVAS SOBRE GRANDES MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO COMO FERRAMENTA DO CAPITAL – RESENHA

Por Oscar Krost | Direito do Trabalho Crítico

Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo.” Assim se inicia o poema “Parada do velho novo”, do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956), viva crítica às antigas práticas da primeira metade do século XX travestidas de novidades.1

Mas também poderia ser um trecho de “É tudo novo’, de novo: as narrativas sobre grandes mudanças no mundo do trabalho como ferramenta do capital”,2 do Economista e Professor brasileiro Vitor Araújo Filgueiras, ao reconhecer que “as demandas das retóricas das ‘novidades’ são sempre crescentes, e a implantação desses pedidos nunca é suficiente para as empresas e seus representantes.3

Se a arte imita a vida ou se esta imitaria aquela pouco importa. No fim das contas arte e vida são uma coisa só e a suposta dúvida revela um posicionamento comprometido com a cisão.

Na mesma linha, para quem vive do trabalho, mais do que importante, mostra-se vital entender até que ponto os discursos ideologicamente comprometidos se apropriam do imaginário coletivo, fazendo com que gerações inteiras reproduzam como mantras que “a CLT é velha’, ‘novas formas de trabalho estão substituindo o assalariamento’, ‘sindicatos são anacrônicos’, ‘no mundo moderno reformas trabalhistas são inevitáveis“.4

Eis o cerne da proposta de Filgueiras: sem subterfúgios ou meias palavras, põe as cartas sobre a mesa, virando uma a uma sem titubear. Enfrenta com argumentos consistentes e dados científicos falácias adotadas para justificar formas de exploração do trabalho humano cada vez mais próximas daquelas utilizadas na segunda metade do século XIX, pseudoatualizadas pelo emprego de neologismos como “terceirização”, “facção” e empreendedorismo.

Ao enfrentar a tese de que o déficit de formação da mão de obra seria um entrave ao preenchimento dos postos de trabalho gerados pela tecnologia, Professor Vitor dispara: “a ênfase na educação e qualificação dos trabalhadores como solução para a criação ou a manutenção dos empregos obscurece as dinâmicas políticas, sociais e da própria acumulação do capital que se estabelecem no processo de difusão das tecnologias.5

Economista graduado pela UFBA e Pós-Doutor pela Unicamp, Cientista Político Mestre pela Unicamp e Cientista Social Doutor pela UFBA, o autor surpreende ao conseguir expor suas ideias por meio de linguagem a um só tempo acessível, elegante e técnica, mesmo a quem não é versado na Ciência Econômica. Em pouco menos de 200 páginas e de 5 capítulos desata um sem número de nós do discurso antilaboral liberal que há décadas asfixia e limita o senso comum.

Estivéssemos na Idade Média e o livro de Filgueiras alimentaria fogueiras, com o perdão do trocadilho. Seu nome seria inscrito no rol dos hereges. Mas no século XXI, a obra merece leitura e difusão, não havendo como entender a perversidade das versões sobre as metamorfoses vivenciadas pelo capital nos últimos anos sem passar por “É tudo novo”, de novo.

E como escreveu Brecht ao cabo de “Parada do velho novo”: “E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! seria ainda audível, não tivesse o trovão das armas sobrepujado tudo”.

Simples, direto e no ponto, assim, à moda antiga.

1 Texto integral do poema encontra-se disponível em <https://literaturaebompravista.wordpress.com/2020/02/09/poesia-de-bertolt-brecht-e-bom-pra-vista/>. Acesso em: 22 mai. 2022.

2 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. “É tudo novo’, de novo: as narrativas sobre grandes mudanças no mundo do trabalho como ferramenta do capital”. São Paulo: Boitempo, 2021. Detalhes para aquisição, ver <https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/e-tudo-novo-de-novo-1162>. Acesso: 22 mai. 2022.

3 p. 66.

4 p. 43.

5 p. 78.

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Fonte: Direito do Trabalho Crítico

Data original de publicação: 24/05/2022

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