Políticas de austeridade e direitos sociais – Entrevista exclusiva com José Antonio Peres Gediel

Imagem: Reprodução/Youtube

Por Larissa Amaral | Projeto ABET-UFBA

Recentemente, divulgamos o livro “Políticas de austeridade e direitos sociais” produzido pelo Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania, do Programa de Pós-graduação de Direito da Universidade Federal do Paraná. A obra espelha o esforço intelectual de pesquisadores de Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras e canadenses, em torno de questões atuais que atravessam as políticas públicas, as relações de trabalho e os Direitos Sociais, na economia financeirizada.

Em um contexto de desequilíbrio das contas públicas, as políticas de austeridade são implementadas de maneira desrazoável pelos governos neoliberais. Essas políticas geram impactos profundamente negativos, agravam o quadro fiscal, e consequentemente ocasionam redução do crescimento, dos empregos salários e do consumo.

Além disso, os direitos trabalhistas estão em constante ataque, sobretudo por meio das “Reformas” que fragilizam as organizações sindicais, retiram garantias e vulnerabilizam ainda mais os trabalhadores. No Brasil, tais direitos foram violados por meio das Reformas Trabalhistas e da Previdência, e continuam sendo fortemente atacados, através de Medidas Provisórias e planos de governo, que sujeitam os trabalhadores ao risco, os impõe a completa sujeição das empresas e empregadores e almejam reduzir a fiscalização das atividades laborais.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à ABET, José Antônio Peres Gediel  ressalta que não apenas a crise econômica é causadora desse desmonte de direitos, como também a crise de representação política. “Essa lógica, altamente difundida e trabalhada pelos meios de comunicação e pelos aparatos do capital financeiro […] influencia a população e os trabalhadores acabam acreditando que devem realizar sacrifícios em benefício da estabilidade econômica. A opinião pública assim direcionada elege representantes que irão transformar essa mentalidade em medidas legislativas, e juízes que consideram a justiça como um instrumento para barrar os avanços dos direitos sociais e aumentar os lucros das empresas, sob a argumentação de que com isso aumentarão os postos de trabalho”, explica.

Professor Titular da Universidade Federal do Paraná – UFPR. . É Doutor e Mestre em Direito pela UFPR e graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atual Coordenador da Cátedra Sérgio Vieira de Mello do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, junto à Universidade Federal do Paraná.

Confira a entrevista

ABET – O Brasil enfrenta um processo de desmonte de direitos trabalhistas. Na sua opinião, o que impede a proteção dos direitos trabalhistas no país? Como superar esse desafio?

José Antônio Peres Gediel – Em primeiro lugar, uma cultura escravista que desvaloriza o trabalho. Em segundo lugar, a economia capitalista no Brasil depende da expansão das fronteiras agrícolas e do baixo valor atribuído ao trabalho, que considera as contribuições sociais, por parte dos empresários e do Estado, como gasto público e não como investimento social. Esses elementos se fazem presentes no cotidiano das relações do trabalho, em diversas decisões judiciais, e se refletem nas recentes reformas trabalhista e da previdência. A superação desse desafio está numa mudança política e econômica que não só retome as propostas constitucionais, mas que as ultrapasse.

Na opinião de alguns segmentos do empresariado nacional, os direitos trabalhistas são encarados como obstáculos ao desenvolvimento econômico do país. Como você avalia essa crítica?

O empresariado nacional não tem compromisso com a sociedade brasileira, pois busca lucro fácil no presente e mantém reservas imobiliárias ou faz remessas de dinheiro para paraísos fiscais. Esse perfil do empresariado considera, por isso, qualquer direito dos trabalhadores, que não sejam os baixos salários, um obstáculo para a obtenção desse lucro imediato e predatório.

A crise econômica é a única crise da qual o neoliberalismo pode tirar proveito para reforçar sua lógica? A crise de representatividade política também influencia na propagação da ideologia neoliberal?

Sem dúvida. Com a diminuição da lucratividade das empresas localizadas no Brasil, a lógica financeira, que busca a retenção de maior quantidade de recursos para investimento na bolsa ou em paraísos fiscais, encontra na racionalidade neoliberal de financeirização da economia e diminuição dos direitos sociais elementos teóricos justificadores. Essa lógica, altamente difundida e trabalhada pelos meios de comunicação e pelos aparatos do capital financeiro (bolsa, bancos etc.), influencia a população e os trabalhadores acabam, muitas vezes, por internalizar essa forma de viver no mundo, acreditando que devem realizar sacrifícios em benefício da estabilidade econômica. A opinião pública assim direcionada elege representantes que irão transformar essa mentalidade em medidas legislativas, e juízes que consideram a justiça como um instrumento para barrar os avanços dos direitos sociais e aumentar os lucros das empresas, sob a argumentação de que com isso aumentarão os postos de trabalho.

O trabalho mediado por aplicativos e plataformas digitais cresce no mundo todo. Mas, o avanço da “gig economy” vem despertando debates sobre a precarização e a intensificação do trabalho. Quais as dificuldades para a regulamentação dessa modalidade? Qual o desafio para a filiação dos trabalhadores em sindicatos que representem sua categoria?

Essa forma de trabalho é uma das muitas estratégias neoliberais para descaracterizar a subordinação e a responsabilidade dos empregadores, que passam a ser apenas mediadores entre prestadores e tomadores de serviços. A denominada uberização do trabalho dissolve os vínculos sociais entre os trabalhadores, desobriga os organizadores das plataformas que retiram recursos do trabalho prestado, além de contribuir para mascarar os altos índices de desemprego. Nesse ambiente, a organização e manutenção dos sindicatos se torna absolutamente precária, pois não há, formalmente, uma categoria profissional ou uma atividade especifica, mas prestação de serviços individuais, pelos denominados “empreendedores”. O máximo que esses trabalhadores poderão realizar em matéria de organização coletiva será a criação de associações, com fins beneficentes, para postular melhoria nas relações entre os trabalhadores e mantenedores das plataformas e aplicativos, e entre eles e governos locais, que regulam este trabalho “autônomo”.

Quais os impactos da reforma trabalhista sobre o sindicalismo, dado o crescimento da precariedade e da informalidade do mercado de trabalho?

Os sindicatos brasileiros sofreram, em primeiro lugar, uma derrota no que se refere à cobrança do imposto sindical, mas, além disso, a terceirização das atividades fins e até mesmo dos serviços públicos dilui e desorganiza a base dos sindicatos, fazendo com que trabalhadores que poderiam se identificar coletivamente, a partir da realização do trabalho, sejam colocados em categorias distintas e com diferenciações internas salariais e de condições de trabalho.

Tendo em vista os crescentes índices de desemprego e desalento, no Brasil, a Economia Solidária pode ser apontada como alternativa de geração de trabalho e renda?

A economia solidária surgiu a partir da experiência dos trabalhadores brasileiros nas crises de desemprego nas décadas de 1980 e 1990 e teve elementos teóricos e conceituais acrescentados a partir dos estudos do Professor Paul Singer. Segundo o Professor Paul Singer, a economia solidária não se constituiu fora do capitalismo, nem propõe uma mudança drástica neste sistema econômico. Serve, também, para dar outro sentido para a cooperação no processo de produção, cooperação essa que existe e é essencial, também, para a produção capitalista nas empresas. Partindo dessas premissas, a economia solidária poderá ser uma alternativa para a geração de trabalho e renda, sempre que não resulte em uma falsa autonomia dos trabalhadores ou sirva para a precarização absoluta do trabalho organizado em cooperativa e associações.
Preservados esses dois elementos, autonomia e trabalho remunerado dignamente, a economia solidária é uma ferramenta para aumentar a solidariedade entre os trabalhadores e entre as organizações constituídas por trabalhadores para gerar trabalho e renda. A economia solidária, neste sentido, se apresenta como um instrumento de grande utilidade para a democratização das relações de produção, como um laboratório do exercício democrático no ambiente da produção, uma oportunidade de qualificação dos trabalhadores para a atuação política no espaço público.

A Constituição prevê um Estado de bem-estar social para todos os cidadãos, mas o governo atual diz que essa conta não fecha porque não há recursos orçamentários para isso. De que forma a Emenda Constitucional da Reforma da Previdência, promulgada, viola esse dispositivo constitucional? E quem são os principais prejudicados?

A conta não fecha, porque, em primeiro lugar, inúmeros estudos apontam a existência de uma dívida bilionária das empresas para com a Previdência Social. Essa dívida desequilibra um dos pilares da contribuição tripartite (Estado, trabalhadores e empregadores). Em segundo lugar, a conta não fecha porque os recursos que poderiam sustentar o pilar público da previdência são diminuídos pelas constantes desonerações tributárias e de contribuições sociais realizadas em favor das empresas, que nem sempre se utilizam desse protecionismo estatal para gerar empregos e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores.
A utilização de um fantasma de déficit futuro insanável serve para justificar a Reforma da Previdência, que impedirá muitos trabalhadores brasileiros de obterem aposentadoria e outros tantos de obterem uma aposentadoria de ao menos um salário mínimo. Além do aumento dos prazos de contribuição e da idade mínima, há um elemento oculto nesse cálculo que resulta da instabilidade do mercado de trabalho brasileiro, do grande índice de informalidade de trabalho, aspectos que impedem trabalhadores menos qualificados de manterem relações de emprego ininterruptas por um longo período. A última reforma proposta prevê, ainda, que os trabalhadores beneficiários de seguro desemprego para poderem contar esse prazo para fins de aposentadoria deverão contribuir para a Previdência Social durante o período de desemprego. Nesse ambiente econômico, a proposta de um Estado de Bem Estar Social constante na Constituição cai no vazio.

Fontes:

LEONARDO SAKAMOTO. Bolsonaro quer aprovar nova Reforma Trabalhista sem diálogo com a sociedade. Site da UOL, [S. l.], 14 novembro 2019. Disponível em:https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/11/14/bolsonaro-quer-aprovar-reforma-trabalhista-sem-debate-com-a-sociedade/

MELLO, Lawrence Estivalet et alPolíticas de austeridade e direitos sociais. Curitiba: Kaygangue, 2019. 400 p. ISBN 9788555620614.

TÂMARA KAORU. Adicional de periculosidade para jovem cai de 30% para 5% pela nova regra. Site da UOL, [S. l.], 20 novembro 2019. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/11/20/adicional-de-periculosidade-menor-medida-provisoria-programa-verde-amarelo.htm

REDAÇÃO FOLHA. Governo planeja cortar verba de fiscalização trabalhista em 63%. Folha de S. Paulo, [S.l], 20 novembro 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/verba-para-fiscalizacao-trabalhista-recua-63.shtml

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