Programa nacional de transferência de renda acusado de restringir o vínculo trabalhista por pesquisadores da FGV.

Fonte: gov.br

O que foi divulgado em jornais sobre o estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), informa que o modelo atual do Programa Bolsa Família contribui para queda na participação da força de trabalho — taxa que calcula as pessoas ocupadas ou em busca de uma oportunidade.

A notícia provocou choque. Voltou a reinar a tese da vadiagem? Foi aniquilada a proteção social ? Uma família vive muito bem com 600 reais por mês, 20 reais por dia?

A hipotética tese constitui um confronto à dignidade humana. Uma unidade familiar com renda per capita mensal de até 218 reais mensais, ao receber R$ 600 de benefício mensal, considera que os membros de sua família já alcançaram o patamar de condições de sobrevivência digna. Será que os valores do PBF são suficientes para consumo das necessidades de sobrevivência digna ?

Atenção, embora se use a expressão pobreza, o programa de transferência de renda é voltado para a miséria aguda. Verifique-se a incidência de unidades familiares que acessam o Programa Bola Família com declaração de renda zero.

Há afirmação de que: “as regiões que tiveram, proporcionalmente, maiores aumentos da transferência de renda tiveram maior queda na taxa de participação. E essa taxa reduziu mais onde havia maior concentração de serviços básicos”, que consta de entrevista de pesquisadores com a CNN1. Há nessa afirmação um conjunto de informes isolacionistas: o que é considerado região? A que aumento de transferência de renda se refere? Talvez a algo sobre cobertura pois o valor de R$600, aplicado em setembro de 2022, após 16 meses permanece o mesmo. Cabe lembrar que as mulheres são sempre em maior número de responsáveis pela unidade familiar. A crítica ao conformismo a elas se referem?

O benefício nacional de transferência de renda tem valor padrão, portanto não aumenta regionalmente. O aumento não é de valor, mas sim da demanda.

O que está sendo considerado como presença e concentração de serviços básicos à população que vive em situação de rua, indígenas e quilombolas pela investigação? A oferta de acesso a alimentos é um serviço básico no estudo? Quais atenções dos serviços incluídos como básicos procedem a plena cobertura das necessidades de crianças e adolescentes? Creche é serviço? E a oferta de Habitação é básico? E o esgoto é básico? Acesso a alimentação saudável é básico?

Afinal, o que é provisão básica que atenda a dignidade humana em todo ciclo de vida? A presença de serviços sociais em rede de atenção coletiva territorializada é desestímulo à submissão humana ao trabalho?

Há no CADÚnico unidades familiares cadastradas com renda per capita de R$218 reais que aguardam ser incluídas em Programa de Transferência de Renda. Permanecem porém sem previsão de que isso ocorra. Foi estabelecido um percentual de barreira para inclusão, em programa de transferência de renda, de pessoas que vivem sós, chamados de unipessoais.

Instalar cobertura à todos aqueles sob igual situação é, ou não, um serviço básico? A fila do INSS para audiência de perícia médica do requerente ao benefício continuado por deficiência-BPC- é um serviço básico?

Custos e valores são dados aritméticos que parecem se manifestar de forma aleatória, quando o tema é benefícios sociais. Interessante que isenções não provocam como reação um estudo sobre sua relação com a redução da arrecadação, do orçamento público e o impedimento de que ocorra a oferta de serviços básicos.

Nem mesmo viver do trabalho supera a condição de “viver da mão para boca”, pois trabalho informal ou formal não é sinônimo de superação da pobreza, mas pelo salário reduzido, é só de mitigação da miséria. As condições de trabalho vivida ofertam, por exemplo, um salário família por criança até 14 anos de 59 reais.

A afirmação de que o trabalho dignifica o homem, não inclui mulheres, nem supera a intensidade de horas e dias a serem trabalhados, com alimentação precária e meio de transporte caótico.

Ao descontextualizar padrões reais, os dados resultantes da pesquisa (IBRE/FGV) tornam-se insuficientes para afirmar que a oferta de serviços básicos satisfazem ao nível de vida digno e que os recebedores de benefício de transferência de renda são indignos ao recebe-los. Parece estar subjacente a consideração preconceituosa para com os beneficiários de programas de transferência de renda, sugerindo estereótipos colonialistas, que permanecem associando barreira a inclusão, no acesso ao trabalho decente, a presença da vagabundagem e da preguiça.

As respostas sugeridas pela pesquisa do Ibre/FGV, para o remodelamento do programa, sugere um retrocesso do ponto de vista da cidadania social ao possibilitar uma diminuição do já insuficiente valor do benefício. Nesse sentido, Sposati e Meira (2023 p. 146), em recente livro sobre transferência de renda no Brasil, apontam que:

Embora as análises de especialistas tenham insistido na observação de que um valor único de benefício mensal para os tamanhos diversos de família não seria o trato adequado, não parece ser esse o pensar das/dos beneficiárias/os. Eles revelam que lhes é mais adequado um valor fixo único, de maior porte e garantido, do que a composição de múltiplos valores variáveis que são suprimidos com a cessação da condição que lhes deu origem.( Transferência de Renda no Brasil: entre a herança recebida e a direção prometida. Cortez Ed. 2023)

A relação trabalho e cidadania social é histórica e fundante dos modelos de proteção social adotados pelas sociedades modernas, estabelecendo relação de complementariedade entre Estado Social e mercado de trabalho. O debate (polarizante) entre o benefício do Programa Bolsa Família e trabalho também não é novo, e tampouco menos controverso. O próprio MDS, responsável pela proteção social, veio a público retirando de uma mulher seu cartão do benefício do Programa que coordena nacionalmente, entregando-lhe em troca carteira de trabalho de uma empresa internacional, o Carrefour.

Que tal considerar as/os cidadãs/os vinculados ao Programa Bolsa Família não sob a pecha de vulneráveis, mas de seres de direitos e lhes dar voz e escuta perguntando se concordam que o PBF desestimula sua busca por trabalho e se os serviços básicos a que os membros de sua família têm acesso suprem suas necessidades plenamente?

Nossa manifestação põe em questão os ruídos desconcertantes nos rumos do Estado Social brasileiro e ao artigo 6º da Constituição do país.

São Paulo, janeiro de 2024

Pesquisadores do Nepsas/PUCSP- Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade e Assistência Social.

Pesquisadores do Projeto Renda Digna/Observatório De Olho na Quebrada/Atalaia sem Fronteiras /War Child

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