A cada ano, quase dois milhões de pessoas morrem no trabalho
Por Isabella Piro | Vatican News
Entre os muitos riscos de morte que podem ocorrer no local de trabalho, existe um que está sempre à espreita: o de habituar-se. Acostumar-se às mortes no trabalho, a “mais uma tragédia no trabalho”, como às vezes informa a mídia. Habituar-se ao fato de que é possível – quase normal –, perder a vida enquanto se tenta “ganhar a vida”. Mas não. O Papa Francisco falou claramente, na homília da Santa Missa da Noite de Natal, realizada na Basílica de São Pedro: “Deus vem esta noite preencher a dureza do trabalho com dignidade. Nos recorda o quanto é importante dar dignidade ao homem com o trabalho, mas também dar dignidade ao trabalho do homem. Porque o homem é senhor e não escravo do trabalho – frisou o Papa. No dia da Vida, repetimos: chega de mortes no trabalho! E vamos nos comprometer com isso”.
Saúde e trabalho na Agenda 2030
O apelo do Papa veio poucos dias depois de um trágico acidente em Turim, cidade ao norte da Itália, onde a queda de um guindaste matou três trabalhadores em 18 de dezembro. As palavras do Santo Padre recolocaram no centro das atenções um aspecto fundamental, que muitas vezes fica em segundo plano: aquele da dignidade do trabalho, para que o homem não seja escravo ou vítima. Mas infelizmente existem muitas vítimas no mundo: basta olhar para o primeiro relatório conjunto publicado em setembro passado, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trata-se de uma estimativa sobre doenças ocupacionais e acidentes que ocorreram em 183 países ao redor do mundo. Apenas em 2016, ocorreram quase 2 milhões de mortes prematuras (1,9 milhão, para ser mais preciso), que poderiam ter sido evitadas. São estatísticas dramáticas que vão ao encontro dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, incluindo saúde, bem-estar e trabalho digno.
No mundo, 750 mil mortes por jornada excessiva de trabalho
O relatório que analisa o período entre 2000 e 2016, destaca que a maioria das mortes relacionadas ao trabalho se deve a doenças respiratórias e cardiovasculares. No geral, as doenças não transmissíveis são responsáveis por 81% das mortes. O documento aponta as principais causas de mortes: doença pulmonar obstrutiva crônica (450 mil), acidente vascular cerebral (400 mil) e doença isquêmica do coração (350 mil). Já os acidentes de trabalho, são responsáveis por 19% das mortes (360 mil). Entre os fatores de risco examinados pelo estudo, estão: a exposição a longas jornadas de trabalho (cerca de 750 mil mortos), a poluição do ar (450 mil mortes), além de ruídos e agentes cancerígenos. As doenças e acidentes de trabalho – destaca ainda o relatório – têm impacto não só na vida das pessoas, mas em todo o sistema social, pois “sobrecarregaram os sistemas de saúde, prejudicam a produtividade e podem ter um impacto devastador na renda familiar”.
Doenças cardíacas e derrame cerebral estão aumentando
O estudo mostra também que, entre 2000 e 2016, o número de mortes no trabalho diminuiu globalmente cerca de 14%. Melhoria esta, associada a uma maior atenção à saúde e segurança no trabalho. Apesar disso, as mortes por doenças cardíacas e derrames cerebrais associados à exposição a longas horas de trabalho, aumentaram 41% e 19% respectivamente, no mesmo período. Isso trata-se de um “fator de risco psicossocial relativamente novo”, que tende a aumentar sempre mais.
As consequências da pandemia
Existem outras especificidades para se ter presente, incluindo os dados geográficos. De acordo com o relatório, de fato, “ocorre um número desproporcional de mortes relacionadas ao trabalho entre trabalhadores do Sudeste Asiático e do Pacífico Ocidental”. A Índia, por exemplo, é um dos países mais afetados pelo problema da jornada excessiva de trabalho, com 12 mortos por 100 mil pessoas. Já a Itália apresenta uma das maiores taxas de mortalidade por câncer de laringe associado à exposição ao amianto do mundo, com 0,6 casos por 100 mil pessoas, seguida pela França, com 0,4 casos a cada 100 mil habitantes. Em geral, as estatísticas mostram que a morte no trabalho afeta mais os homens e as pessoas com mais de 54 anos. Além disso, não se pode esquecer que a pandemia da Covid-19 acrescentará uma “nova dimensão” ao grupo das doenças ocupacionais. E essa dimensão terá que ser levada em consideração em estimativas futuras.
Locais de trabalho saudáveis, seguros e socialmente justos
Ao todo, dezenove fatores de risco são examinados pelo relatório e cada um deles está associado a uma série de ações preventivas que podem ser implementadas. Por exemplo, para evitar a exposição a longas horas de trabalho, pode ser estabelecido um acordo sobre limites máximos de horários permitidos. Além disso, para reduzir a exposição à poluição atmosférica no local de trabalho, recomenda-se o controle da poeira, a ventilação e o uso de equipamentos de proteção individual (EPI’s). O estudo sublinha também a necessidade de “locais de trabalho mais saudáveis, seguros e socialmente justos”. São objetivos alcançáveis, através do “papel central da promoção da saúde e dos serviços de saúde no trabalho”.
Precisamos de novos modelos e sistemas de emprego
“É chocante que tantas pessoas moram literalmente por causa do seu trabalho”, afirma Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. “Nosso relatório – diz ele – é um alerta para que países e empresas melhorem e protejam a saúde e a segurança dos trabalhadores, honrando seus compromissos de fornecer cobertura universal de serviços de saúde e segurança ocupacional”. Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS, acrescenta ainda: “esses quase 2 milhões de mortes prematuras poderiam ter sido evitadas”. Ela afirma também que “saúde e trabalho devem andar de mãos dadas. É uma responsabilidade compartilhada para que nenhum trabalhador fique para trás”. “Governos, empregadores e trabalhadores – conclui Guy Ryder, diretor-geral da OIT – podem tomar medidas para reduzir a exposição a fatores de risco no local de trabalho, incluindo a introdução de mudanças nos modelos e sistemas de emprego”.
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Fonte: Vatican News
Data original de publicação: 28/12/2021