Dossiê mostra uso da epidemiologia para o entendimento do papel fundamental do trabalho no processo saúde-doença
Por FUNDACENTRO
O enfoque social dessa ciência também é destaque nas publicações
A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – RBSO conta, atualmente, com 19 publicações em seu dossiê temático “Epidemiologia, Saúde e Trabalho” que documentam o uso da Epidemiologia no campo da Saúde do Trabalhador no contexto brasileiro. São abordados temas como contribuições da epidemiologia para o estudo das relações entre trabalho e saúde, câncer relacionado a riscos e exposições ocupacionais e análises de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
Epidemiologia e Saúde do Trabalhador
O editorial “Contribuições da Epidemiologia para o estudo das relações entre trabalho e saúde: reflexões sobre o dossiê temático e os desafios para o campo científico” delineia o importante papel do dossiê enquanto espaço para discussões sobre o tema. Aponta lacunas, desafios, questões críticas do uso dessa ciência no campo da Saúde do Trabalhador, mas também superações e possibilidades.
Na relação Epidemiologia x Saúde do Trabalhador, o editorial observa dois aspectos relevantes do papel do trabalho no processo saúde-doença. O primeiro é na determinação e evolução do processo em si, com reflexos na organização e na oferta de ações de saúde dos trabalhadores. O segundo é enquanto “fator estruturante de produção e reprodução das desigualdades sociais [na saúde], provendo tanto proteção quanto vulnerabilização da saúde de grandes contingentes de pessoas”.
Nessa pauta das questões sociais, o ensaio “A Epidemiologia e a área de Saúde do Trabalhador” aborda a relação entre a Epidemiologia teórica/aplicada e a saúde do trabalhador em um contexto conflituoso permeado pelo capitalismo enquanto modelo de exploração da força de trabalho.
Transitando pelos marcos teóricos da relação saúde e trabalho da década de 1970 em diante, o ensaio observa que, “ainda que a Epidemiologia tenha avançado na incorporação das dimensões sociais no processo saúde-doença, na área de Saúde do Trabalhador as reflexões críticas de seus limites não avançaram muito desde o início dos anos 2000”.
Em decorrência, pondera que a maioria das pesquisas a partir daquela década privilegia estudos de demanda, com prevalência da relação de fatores de risco/exposição x acidente/doença em detrimento de um enfoque mais social e crítico que questione o processo e a organização do trabalho como determinante do processo saúde-doença, ao que nomeia como “retrocesso teórico”.
Riscos e exposições ocupacionais para câncer
O dossiê traz ainda dois artigos de pesquisa que abordam o câncer relacionado a riscos e exposições ocupacionais.
“Mortalidade e carga do câncer de laringe atribuíveis aos riscos ocupacionais no Brasil: estudo da Carga Global de Doença, 2019” descreve a mortalidade e os anos de vida, no Brasil, ajustados pela incapacidade (disability-adjusted life years – DALYs) para o câncer de laringe relacionados a fatores de risco ocupacionais (ácido sulfúrico e amianto) e comportamentais (tabaco e álcool), entre 1990 e 2019.
Embora o Brasil seja um dos países com maior incidência da doença, entre os anos analisados apresentou um declínio de 45,83% das taxas de mortalidade por câncer de laringe atribuíveis ao tabaco, de 27,27% para o ácido sulfúrico e de 21% para o amianto. Apesar da queda nas taxas globais, observaram-se algumas desigualdades, como, por exemplo, aumento de mortalidade em determinados estados das regiões Norte e Nordeste e para o sexo masculino.
Em relação a fatores de riscos ocupacionais, o estudo também identificou declínio das taxas de DALYs padronizadas por idade e câncer de laringe: ácido sulfúrico -27,60%; amianto -23,43%; tabaco -47,36%; e álcool -15,39%. Novamente, notaram-se algumas desigualdades regionais.
Já o artigo “Prevalência de possíveis exposições cancerígenas ocupacionais em trabalhadores brasileiros: o que mostra a Pesquisa Nacional de Saúde?” analisa a prevalência de possíveis exposições a seis carcinógenos ocupacionais segundo ocupação e sexo em estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, incluindo 44.822 trabalhadores (56,3% do sexo masculino e 43,7% do feminino).
O estudo identificou que trabalhadores do sexo masculino são mais expostos em relação aos tipos de exposições e ao agente cancerígeno (exceto para material radioativo). O resultado reforça o impacto da desigualdade de gênero na inserção feminina no mercado de trabalho brasileiro, o que traz, entre outras consequências, maior susceptibilidade dos trabalhadores do sexo masculino à exposição a agentes perigosos e potencialmente carcinogênicos.
Os autores sugerem que futuros estudos com a população trabalhadora incorporem informações sobre a substância química manuseada durante as atividades laborais e sobre o tempo e a intensidade da exposição, bem como sobre o uso de equipamentos de proteção individual durante a rotina de trabalho. Tais dados, não contemplados no estudo dada sua ausência na PNS, são fundamentais na determinação da exposição aos carcinógenos ocupacionais e permitem afirmar que a prevalência encontrada de determinada exposição ocupacional a agentes químicos é, de fato, carcinogênica.
Também utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, o artigo “Indicadores de saúde bucal e inserção no mercado de trabalho: estudo descritivo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019” traz estudo descritivo sobre a incidência de três indicadores de saúde bucal segundo o tipo de inserção na força de trabalho.
Dos 54.343 trabalhadores, identificou-se que é entre aqueles do setor informal e da população desempregada que ocorre a maior prevalência de perda dentária (10,5%), a maior proporção de pessoas que não consultaram um dentista nos últimos 12 meses (51,9%) e com menor frequência de escovação dentária (5,2%). Observaram-se também desigualdades entre os sexos e em função da idade.
Além de suprir uma lacuna do conhecimento quanto ao tema, os resultados também “podem subsidiar o aprimoramento de políticas de saúde bucal, como a ampliação da oferta de consultas odontológicas no Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo horários diferenciados (estendidos) para trabalhadores”.
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Por FUNDACENTRO
Data original de publicação: 04/07/2024