O Big Brother da produtividade, por Nadejda Marques
Por Nadejda Marques | Jornal Grupo Gente Nova
O ano era 2018 e o Vale do Silício ainda figurava no imaginário mundial como lugar onde o futuro chegava primeiro. Uma amiga que trabalhava em vendas na Google tinha me convidado para almoçar no restaurante da empresa em Mountain View.
Eu estava terminando um livro sobre a complexa dinâmica de gênero na região e aceitei entusiasmada não só pela oportunidade antropológica de observar de perto a cultura do mundo tech, mas também porque a comida servida na empresa era famosa. Diziam que a Google contratava os melhores chefs e oferecia várias opções de refeições para todos os tipos de gostos.
Minha amiga, a quem no livro apelidei de Katie, ao me encontrar foi logo avisando: eles servem a melhor comida, tem o melhor serviço de transporte, as melhores formas de entretenimento mas tem um catch, uma contrapartida. A competição interna é ferrenha. São longas horas de trabalho. Férias são mal vistas e as pessoas normalmente adiam ou “guardam” para mais tarde projetos pessoais.
Ela continua: Tudo o que você faz no trabalho é vigiado, medido, calculado. As coisas funcionam na base de metas e produtividade. Eles conseguem captar até se seus olhos desviam da tela por um período mais prolongado. Se você cumpre as metas, é uma festa. Se não, você passa para a dog house, fica com problemas ou em situação desfavorável junto à gerência ou a equipe. Lembro que pensei na época: desse futuro, não quero fazer parte…
No sistema econômico em que vivemos, produtividade é elemento crucial que determina o sucesso de uma atividade. Nada de novo aí. O novo é que as empresas têm intensificado de forma ainda sem controle a vigilância minuto-a-minuto do comportamento do trabalhador.
O mercado tem se agarrado ao discurso da produtividade para instalar de forma agressiva formas de controle do trabalhador ao estilo Big Brother. E, não são apenas os trabalhadores em supermercados ou entregadores, como os funcionários da Amazon que nem podem ir ao banheiro no seu próprio tempo, hoje, todos os trabalhadores estão sujeitos a essa vigilância.
Depois, veio a pandemia da COVID-19 que serviu para fortalecer o argumento das empresas sobre a necessidade de se usar sistemas de monitoramento de produtividade e, assim, trabalhadores tanto em regime presencial ou remoto, para garantir seu emprego, acabam por concordar com a instalação de trackers, rastreadores de atividade, e outras formas de vigilância como o monitoramento do uso do teclado, atividade de tela, etc.
Recentemente, em Nova Iorque, o sistema de transporte público ofereceu aos seus funcionários a opção de trabalhar em regime remoto uma vez por semana, desde que concordem com o monitoramento integral realizado pela empresa. Flexibilidade? Talvez. Um pouco, mas nem tanto…
A situação é preocupante por muitas razões e precisamos debater isso abertamente como sociedade. Não há sistema infalível. Sistemas falham ou podem cometer erros e, nesse caso, com grande chance, os erros estarão a favor do empregador. Serão a favor de empresas multimilionárias que acumulam lucros crescentes nas últimas décadas enquanto que seus funcionários têm seus salários estagnados ou mesmo diminuídos no mesmo período.
Além disso, esse controle agressivo pode prejudicar o rendimento de vários grupos de pessoas, dentre elas, aquelas que têm necessidades físicas e psicológicas específicas. Aquelas que precisam ao mesmo tempo estar atentas ou um tanto disponíveis para lidar com interrupções de filhos, familiares doentes, familiares idosos, etc., e aquelas pessoas que às vezes têm um dia bom e outro dia não tão bom.
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Fonte: Jornal Grupo Gente Nova
Data original de publicação: 21/08/2022