Demissões em massa nas universidades particulares atestam conversão acelerada para modalidade EaD e sinalizam desemprego estrutural dos docentes

Imagem: Pixabay

Por Adusp

“Ensalamento”: o neologismo soa estranho, mas designa uma realidade que as instituições privadas de ensino superior já experimentam há algum tempo e cuja disseminação cada vez maior foi — e será — acelerada pela pandemia da Covid-19.

“O ensalamento consiste em juntar turmas de níveis, de anos e até de cursos diferentes numa única aula. Assim, em vez de dar três aulas para turmas de 50 alunos, você dá uma aula para uma classe de 150 alunos. O que aconteceu agora? A experiência da pandemia mostrou para as escolas que o ensalamento virtual é muito melhor do que o físico, em que há um limite dado pelo tamanho do auditório. No virtual dá para enfiar 250 ou 350 alunos na mesma aula”, explica a 1ª secretária da Diretoria do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), Silvia Barbara.

Se o movimento de demissões de professores das instituições de ensino superior (IES) privadas já era rotineiro a cada final de semestre, as circunstâncias provocadas pela pandemia da Covid-19 apontam para a aceleração de um processo de reestruturação que, em tese, levaria vários anos para acontecer, avalia a representante do Sinpro.

Um dos fatores decisivos para essa nova realidade é a publicação da Portaria 2.117, de dezembro de 2019, assinada pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub, que promove uma espécie de “passagem da boiada” na Educação a Distância (EaD) para as IES privadas. A portaria permitiu que as escolas passassem a oferecer “carga horária na modalidade de EaD na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais até o limite de 40% da carga horária total do curso”. É o dobro do limite anterior, que era de 20%.

O Ministério da Educação (MEC) entende aula remota como substituto da aula presencial porque alunos e professor estão logados em tempo real. Os alunos podem fazer perguntas e o professor pode propor trabalhos em grupo, apresentar um power point etc. É como se as rotinas da sala de aula fossem reproduzidas com o uso das ferramentas digitais, convertendo a EaD em aula presencial.

“É um processo de reestruturação de gestão das empresas que tem muito a ver com mudanças nas normas pedagógicas. A portaria foi decisiva por permitir os 40% e também por flexibilizar regras de avaliação externa. Tudo isso contribui”, diz Silvia. “As demissões de agora não aconteceriam sem a conivência do MEC e do Conselho Nacional de Educação, um órgão que está recheado de representantes do setor privado”.

EaD “é mais fácil do que imaginávamos”, descobre empresário da educação

A tendência de aprofundar os investimentos nas modalidades EaD ou no chamado “sistema híbrido”, que mescla ensino remoto e presencial, é confirmada pelos próprios empresários do setor, como Gabriel Mário Rodrigues, fundador da Universidade Anhembi Morumbi e presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES). “O ensino a distância vai prevalecer. É mais cômodo, estudar em casa é sempre melhor”, disse Rodrigues à revista Ensino Superior.

“As coisas vão mudar porque a gente percebe que é mais fácil do que imaginávamos. Eu mesmo, agora, sem um assistente, tenho que fazer tudo sozinho. Está engraçado”, considera. O empresário aponta inclusive um novo “problema” para as IES privadas: a destinação de prédios e instalações que ficaram sem uso na pandemia. “Vão sobrar espaços, já estou pensando em como solucionar esse problema que vou ter de imediato”, apontou.

Na avaliação de Rodrigues, “o ensino superior já vinha mudando”, e “o que deve permanecer são as profissões como Direito, Medicina e Engenharia, as demais vão sofrer muitas alterações”. Se antes o diploma era muito importante na vida das famílias, agora “a sociedade caminha para quem tem o conhecimento, independentemente de título”, vaticinou. “Quem inovar vai ganhar o jogo”.

Por sinal, uma das “inovações” da Rede Laureate, à qual a Anhembi Morumbi pertence, foi a utilização de software de inteligência artificial para a correção de provas dissertativas dos alunos, como demonstrou reportagem da Agência Pública.

Já o pró-reitor de educação a distância da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), Carlos Fernando Araújo Júnior, afirmou, também de acordo com a revista Ensino Superior, que “os professores da sua instituição avançaram em um mês o que ele vem tentando há 8 anos, quando assumiu a pró-reitoria”Com a suspensão das aulas presenciais, em março, a Unicsul colocou em ação o seu plano de Ensino Remoto Síncrono Emergencial (ERSE). Na avaliação de Araújo, de agora em diante as IES particulares devem aumentar o número de horas de aula a distância. “Agora grande parte vai utilizar os 40% online que a legislação permite. Ou até menos, mas é inegável essa mudança”, proclamou.

Uninove demite professores por meio de pop-up na tela do computador

Araújo não está falando apenas em teoria. No final do primeiro semestre, a Unicsul foi uma das instituições que mais demitiram professores no Brasil. A universidade dispensou cerca de 30% do seu corpo docente, estima o Sinpro, que entrou com ação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2) no dia 1º/7 pedindo a suspensão liminar das demissões.

A forma como os professores foram comunicados da dispensa — um pop-up que aparecia na tela do computador quando o docente tentava acessar o sistema — e o número de desligamentos tornaram a Universidade Nove de Julho (Uninove) protagonista de um dos casos de maior repercussão. No último dia 22/6 essa instituição privada demitiu cerca de 500 docentes.

Nesta semana, os professores vão realizar uma assembleia para deliberar sobre a proposta resultante da audiência de conciliação realizada no último dia 9/7 entre o Sinpro e a universidade no TRT-2. O sindicato defendeu a anulação das demissões, alegando que elas foram resultado de uma reestruturação pedagógica e de gestão para favorecer o “ensalamento”, ressaltando que o fato de terem ocorrido em meio à pandemia torna a situação ainda mais cruel. A Uninove, por sua vez, atribuiu as demissões exatamente à crise provocada pela pandemia. Já no início do ano, porém, a instituição, que tem cerca de 150 mil alunos, quis fazer a redução linear da carga horária de todos os professores, aproveitando-se da portaria do MEC.

A Uninove ofereceu plano de saúde até 31/10 e bolsas de estudo integrais aos professores e dependentes até o final de 2021. A partir de 2022, será garantido um desconto de 50% até o final do curso. Três professores portadores de deficiência que haviam entrado em contato com o sindicato serão reintegrados, pois a lei 14.020, de 6/7, veda a dispensa de trabalhadores com deficiência até o final do estado de calamidade pública. A Uninove também deve disponibilizar os seus holerites, uma vez que o acesso às plataformas virtuais foi vedado e muitos docentes demitidos não conseguiram salvar seus comprovantes de pagamento. Também terá que tratar com o Sinpro sobre a eventual reintegração de outros professores, diferenças nas verbas rescisórias e problemas relacionados à carga horária.

Na Universidade São Judas Tadeu, o Sinpro confirmou até o momento 74 demissões em São Paulo, Santos e Guarulhos — número menor do que nos anos anteriores, diz o sindicato. Na Universidade Paulista (Unip), que tem cerca de 220 mil alunos em 65 unidades, ainda não há notícias de dispensas em massa, de acordo com uma professora ouvida pelo Informativo Adusp.

No final do ano passado a Unip demitiu muitos docentes que estavam prestes a se aposentar. No momento, os coordenadores “estão quietinhos”, define a professora. “Como de praxe, a universidade enviou mensagem sobre reajuste de carga horária e em junho foi colocada uma nota no site dos professores dizendo que, devido à pandemia, a universidade tentaria segurar as demissões.”

Para o pessoal administrativo, porém, as coisas foram diferentes, e houve demissões ao longo do semestre. Aos ajudantes de coordenação foi oferecida uma redução de carga horária e de salários para que trabalhassem apenas dois dias por semana de forma remota. Todo o trabalho docente — aulas, provas, avaliações etc. — também é feito remotamente. “Ficamos todos sobrecarregados e estressados”, define a professora.

O Sinpro diz que a consolidação do número de dispensas só será possível após a homologação das demissões. (…)”

Confira aqui a reportagem completa

Fonte: Adusp

Data original da publicação: 14/07/2020

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