É necessário falar sobre a greve dos(as) servidores(as) administrativos(as) do Ministério do Trabalho e Previdência

Por Jorge Luiz Souto Maior | Blog Jorge Luiz Souto Maior

Pouca gente sabe, mas os(as) servidores(as) administrativos(as) do Ministério do Trabalho e Previdência estão em greve desde 1o de abril deste ano.

No presente momento, a paralisação atinge parcialmente 14 Estados (SP, MG, RJ, RS, SC, ES, PR, MT, MS, TO, AC, RO, RN e MA), com perspectiva de aumento da adesão.

No entanto, o fato não tem chamado a atenção da grande mídia, nem mesmo para atacar os grevistas, como normalmente se faz. Talvez isto se explique porque não se queira anunciar em que condições estes(as) profissionais trabalham e também para não se ter que reconhecer publicamente a relevância social dos serviços que realizam.

Os(as) servidores(as) administrativos(as) do MTP são responsáveis pelo planejamento, coordenação e execução de políticas públicas de emprego e trabalho (seguro-desemprego, abono salarial, identificação profissional, registro de acordo e convenções coletivas, dentre outras).

E é de suma importância não olvidar que, durante a pandemia, foram estas servidoras e estes servidores as(os) responsáveis pela liberação do Benefício Emergencial para milhões de trabalhadores(as) e até mesmo empregadores(as), quando muitos setores da economia estavam paralisados.​No entanto, a categoria, que recebe a pior remuneração da Administração Pública Federal, está há mais de 10 anos lutando pela reestruturação da carreira. Sem contar que já está há 5 anos sem qualquer reajuste salarial.

Mas não é só.

Vale lembrar que a primeira Medida Provisória do atual governo, editada no dia 1o de janeiro de 2019, ou seja, no primeiro dia de gestão, teve como objeto a extinção do Ministério do Trabalho.

Já se deixou bem evidenciada, desde então, qual seria a postura governamental frente aos direitos da classe trabalhadora. Isto porque, o Ministério do Trabalho, por meio da auditoria fiscal e o indispensável suporte do corpo administrativo, exerce papel fundamental para conferir efetividade às normas trabalhistas. Como há muito se sabe, pouco ou nada adianta a declaração de direitos se estes não forem efetivados. E a efetivação de direitos trabalhistas depende, fundamentalmente, da atuação fiscalizatória e coercitiva do Estado, conforme preconiza, expressamente, a Convenção 181 da OIT, desde 117 de julho de 1947.

No Brasil, foi apenas em 1944 que se criaram, pelo Decreto-lei nº 6.479, de 9 de maio, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, as carreiras de Inspetor do Trabalho, engenheiro do trabalho e médico do trabalho e, em 29 de maio de 1956, por meio do Decreto nº 24, foi ratificada ratificou a Convenção nº 81 da OIT, entrando formalmente em vigor, no ordenamento interno, em 25 de junho de 1957, com a edição do Decreto nº 41.721.

Aos trancos e barrancos, a atuação do Ministério do Trabalho foi se fortalecendo como entidade ligada à efetivação dos direitos trabalhistas, tanto que, em 22 de julho de 1960, é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio passa a se denominar especificamente Ministério do Trabalho e Previdência Social (art. 10 da Lei nº 3.782).

Esse percurso, no entanto, é interrompido durante o regime da ditadura cível, empresarial militar (1964-1981), quando, inclusive, o Brasil, em 05 de abril de 1971, oferece denúncia da Convenção 81 da OIT.

A Convenção em questão somente voltou a ter vigência no Brasil, em 11 de dezembro de 1987 (Decreto n. 95.461, no processo de redemocratização do país e a Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 21, inciso XXIV, que compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

No âmbito rural, a atuação do Ministério do Trabalho só se faz presente a partir de 1995, com a criação do GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Decreto n. 1.538) e do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho, para atuação específica no meio rural.

A presença do Estado no trabalho rural, no entanto, não foi muito bem recebida, motivando, em 28 de janeiro de 2004, o assassinato de três auditores-fiscais e de um motorista, servidor do Ministério do Trabalho, em Unaí/MG, o que, por efeito inverso do pretendido, acabou impulsionando uma mudança de postura das instituições brasileiras frente à questão do trabalho rural, tendo sido, inclusive, fixada a data de 28 de janeiro como o “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”.

A extinção do Ministério do Trabalho, levada a efeito logo no primeiro dia de mandato, é reveladora da vocação anti-democrática e da devoção ultraneoliberal do atual governo brasileiro. Cumpre recordar que com a extinção do Ministério do Trabalho o serviço de fiscalização das leis trabalhistas, exercido pela auditoria-fiscal do trabalho, ficou estruturalmente vinculado e subordinado ao Ministério da Economia.

Mas as revelações não param aí. As grandes empresas midiáticas, que, hoje, diante de ameaças mais diretas ao pouco que se conseguiu construir no processo de democratização no país, se arvoram em defensoras da democracia, não teceram qualquer critica à iniciativa, revelando, com isto, mais uma vez, o seu atrelamento histórico aos interesses da classe dominante e o quanto se dispõem, para a defesa desses interesses, a fazer alianças com aqueles que afrontam as instituições democráticas.

Um ano depois da extinção do Ministério do Trabalho e da Previdência, uma destas entidades empresariais da (des)informação apenas se perguntava, publicamente, se a extinção havia sido “boa ou ruim para os brasileiros”, não se posicionando a respeito e, pior ainda, apagando da história a perspectiva específica dos trabalhadores e das trabalhadoras (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/01/02/2019-ano-fim-ministerio-do-trabalho-balanco-bruno-dalcolmo.htm).

É bem verdade que, em 28 de julho de 2021, o Presidente da República edita nova Medida Provisória (n. 1.058), recriando o Ministério do Trabalho e da Previdência (a MP em questão foi convertida em lei – 14.261 -, em 17 de dezembro de 2021).

No entanto, como já se advertia desde a edição da MP, a iniciativa não representava qualquer mudança de rumos do governo no que se refere à questão trabalhista propriamente dita, não passando de uma jogada política (https://fdr.com.br/2021/07/30/ministerio-do-trabalho-foi-recriado-o-que-muda-partir-de-agora/). O Ministro nomeado, Onyx Lorenzoni, político gaúcho conservador, ligado ao setor empresarial, manteve-se no cargo até 31 de março de 2022, quando foi nomeado José Carlos Oliveira, servidor público de carreira do INSS há quase 38 anos.

Fato é que durante todo este período, de 2019 a março de 2022, o órgão foi submetido a um processo de desmonte e por conta da escassez de pessoal, que gera sobrecarga de serviços; salários corroídos pela inflação; e, precariedade nas condições de trabalho, muitos servidores estão adoecendo. O último concurso para ingresso na carreira ocorreu apenas em 2014 e, à época, o número de aprovados e efetivamente empossados sequer foi suficiente para repor o quadro.

Depois de todos os riscos a que se expuseram durante a pandemia, é neste contexto que os servidores buscam, por meio do direito constitucional de greve, defender as suas vidas e a sua dignidade.

Enfrentam, no entanto, de um lado, um “patrão” que gesta uma política ultraneoliberal e que pouca (ou nenhuma) questão faz em ter um Ministério do Trabalho e da Previdência regular e eficientemente funcionando e, de outro, uma mídia que despreza o Ministério do Trabalho e da Previdência e que se alia ao governo quando o assunto é rebaixar, negligenciar, afrontar ou meramente tripudiar os direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras.

O governo, em vez de buscar uma solução pacífica e negociar com o Comando de Negociação, em atitude que fere a ordem jurídica e a boa-fé, resolveu, por ato unilateral e arbitrário, cortar o ponto dos grevistas, em 02/05, deixando-os, pois, em situação ainda mais gravosa do que já estavam.

O Comando Nacional de Negociação chegou a se reunir com os representantes do atual Ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira, contudo, as reuniões foram infrutíferas até o momento.

Como o processo de negociação ainda está em curso, há sempre uma esperança de que se possa reconhecer a legitimidade e a relevância das pretensões formuladas pelos(as) trabalhadores(as). Afinal, o próprio governo, por intermédio do Ministério do Trabalho e da Previdência, já firmou, no último dia 20, acordo com os peritos médicos do INSS (https://horadopovo.com.br/apos-52-dias-de-greve-peritos-do-inss-conquistam-acordo-com-ministerio-do-trabalho/).

Mas, mesmo que o governo retroceda em relação ao corte de ponto e comece a negociar a reestruturação da carreira, chegando a um acordo com os(as) servidores(as), já se tem por concretizado que a forma como estes(as) trabalhadores(as) vem sendo tratados(as) há longa data e o modo como esta greve foi totalmente invisibilizada são reveladores do triste cenário de descaso com a situação social, cultural, política e econômica de todas as pessoas que, no Brasil, dependem da venda da sua força de trabalho para sobreviver!

É muito importante, pois, que falemos sobre a greve dos(as) servidores(as) administrativos(as) do Ministério do Trabalho e Previdência.

​São Paulo, 25 de maio de 2022.

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Fonte: Blog Jorge Luiz Souto Maior

Data original de publicação: 25/05/2022

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