O TST e a (in) justiça do trabalho

Imagem: Pixabay

Por Instituto Trabalho Digno

“Causou perplexidade e comoção a entrevista concedida pela Ministra Maria Cristina Peduzzi, futura Presidente do TST, ao jornal Folha de São Paulo e publicada no dia 16 de dezembro.

Mesmo nos momentos mais intensos das mudanças na legislação trabalhista ocorrida nos últimos anos (Lei da Terceirização e Reforma Trabalhista), seus defensores mantinham algum pudor e sempre usavam, como justificativa para as mudanças, que não haveria prejuízos aos trabalhadores e que ainda seriam criados milhões de empregos. Este foi o discurso repetido como um mantra durante a tramitação dos projetos de mudança da legislação no Congresso Nacional. O grande vocalizador desses projetos, sustentando os interesses patronais e do governo, sempre foi o hoje Secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, o Senhor Rogério Marinho. Mesmo ele, em seus momentos mais radicais, sempre sustentou seu discurso nos milhões de emprego que viriam.

Aqueles que acompanham o que vem ocorrendo no mercado de trabalho, neste curto período do pós-reforma trabalhista, sabem os frutos que já estão sendo colhidos. Vicejam contratos fraudulentos de terceirização que não atendem minimamente aos requisitos exigidos pela permissa nova Lei de Terceirização. Os chamados contratos por tempo parcial estão se constituindo em verdadeiras arapucas para os trabalhadores e o acesso à Justiça do Trabalho se tornou um direito que pode se transformar em pesadelo.

Auditores Fiscais do Trabalho, Membros do Ministério Público do Trabalho e Juízes de instâncias inferiores já se deparam com a crescente perda de direitos e, é claro, com os milhões de empregos que não chegam. O que se colhe é a perda de direitos, a desagregação do mercado de trabalho e seus impactos no mercado consumidor.

Surpreendentemente a entrevista da futura Presidente do TST inovou. Ela se despiu dos pudores e dos argumentos brandidos pelos prepostos do empresariado e foi direto ao ponto: “Convivemos com modos de produção que eram impensáveis à época em que a CLT foi editada. Hoje nós temos a economia ‘on demand’ (…) No principal, se objetivou atualizar a legislação às novas realidades econômicas”.

Direta e certeira, a Ministra não deixa dúvidas em toda entrevista. O modelo capitalista está mudando e exige que tudo se adeque. Não serão os direitos laborais que vão escapar. Infelizmente a futura Presidente do TST parece estar distante da realidade que, se já não era boa, com as mudanças laborais por ela apoiadas, tem tornado a vida de milhões de trabalhadores um verdadeiro inferno. Faltam empregos e os raros que surgem oferecem salários rebaixados e proteção quase nenhuma.

Ouvir de um líder empresarial os argumentos esposados pela Ministra é triste, porém tolerável. Afinal, no Brasil, historicamente grande parcela do setor patronal prima pela maximização dos lucros sem importar qualquer custo humano. Mas estas afirmações vindas daquela que será a representante máxima da Justiça do Trabalho é triste e indefensável. Caberia à Ministra demonstrar alguma empatia com as vítimas das recentes mudanças trabalhistas e se mostrar mais atenta com aquilo que se passa no mercado de trabalho. Mas, ao contrário, ela veste as roupas de uma defensora de tais reformas e aproxima perigosamente a Justiça do Trabalho dos interesses de um setor específico da sociedade (empresários sem sensibilidade social) e de um governo que parece buscar a destruição de qualquer direito laboral.

Neste momento do ano em que a solidariedade e o espírito cristão são chamados à nossa reflexão, é aconselhável que a futura Ministra busque inspiração nas reflexões feitas pelo atual Sumo Pontífice, o Papa Francisco. Aos operadores do Direito, às instituições do mundo do trabalho só resta lamentar a deplorável entrevista e sonhar com algumas respostas que um(a) verdadeiro(a) Presidente de um Tribunal Superior do Trabalho poderia ter dado aos jornalistas.

Segue abaixo nosso sonho, inclusive com uma manchete à altura:

“DESSE JEITO, VAMOS ACABAR REVOGANDO A LEI ÁUREA PARA ATENDER O MERCADO, AFIRMA A FUTURA PRESIDENTE DO TST

Jornal: Saindo da questão gênero, como estão juízes, desembargadores e ministros na relação com a reforma trabalhista?

Resposta: Perplexos! Os resultados já observados após o aniversário de primeiro ano da nova lei da terceirização e da reforma trabalhista são alarmantes. Os milhões de empregos prometidos não vieram. Tem-se observado a proliferação de contratos de terceirização fraudulentos e até mesmo o chamado contrato por tempo parcial tem sido objeto de burla por empreendedores inescrupulosos. Fiscalização, Ministério Público do Trabalho e Juízes estão atentos para o que está acontecendo e os abusos devem ser reprimidos, garantindo-se minimamente a dignidade dos obreiros. É claro, que as críticas que tem sido feitas não são mera gritaria ou reclamação dos agentes públicos. É a pura constatação da realidade e em algum momento o TST apreciará estes abusos, tendo como norte a defesa do direito daqueles que trabalham.

Jornal: Associações de Juízes argumentam que a Reforma traz precarização. Como a Senhora vê essa crítica?

Resposta: De fato, há precarização! E sendo identificada, é intolerável que seja aceita. Lembro-me que um dos argumentos usados para aprovação das medidas é que estas não trariam prejuízos aos trabalhadores e seus direitos fundamentais seriam respeitados, o que se revelou uma inverdade. Não se pode justificar a supressão de direitos e garantias, previstas inclusive no texto constitucional, sob o argumento de que estão ocorrendo mudanças estruturais no capitalismo.

Jornal: A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, consegue com atualizações dar respostas a essas novas realidades?

Resposta: Ao contrário do que afirmam, o Direito do Trabalho é o ramo do direito que mais sofreu mudanças ao longo de sua história. Nesses mais de 70 anos, foram milhares de mudanças no texto da CLT. Algumas tiveram efeito de uma mera cirurgia plástica, outras, entretanto, quase a destruíram. Nenhum código de direito brasileiro é tão constantemente atualizado como a CLT. Os argumentos de inflexibilidade da legislação laboral só prosperam em discursos que visam destruir qualquer proteção laboral.
O trabalho é essencialmente dinâmico e mudanças devem buscar a atualização de textos legais. Porém, jamais para buscar o retrocesso, para suprimir direitos e garantias. Veja o que vem acontecendo com os trabalhadores de aplicativos. No mundo inteiro – Espanha, EUA – e mesmo aqui no Brasil já surgem importantes decisões do Poder Judiciário reconhecendo o vínculo laboral e garantindo os direitos dos trabalhadores, às vezes simplesmente o direto de sobreviver.

Jornal: Uma reforma está em estudo pelo governo Bolsonaro.

Resposta: Sim, tive notícias do fato. Lamentavelmente, fui informada que, inclusive, 3 ministros do TST participam de grupo de trabalho organizado pelo Poder Executivo para este fim. Não concordo com tal participação, pois não é papel de juízes, desembargadores e, principalmente, ministros do TST compor grupo no Poder Executivo com vistas a elaboração de normas que visem mudar a legislação laboral.
Tal fato é eticamente questionável e politicamente não desejável. Caberá à Justiça do Trabalho avaliar e aplicar as futuras leis, inclusive questionando a sua não aplicabilidade frente à Constituição da República. Tempos estranhos estes, em que agentes públicos deixam de exercer seus poderes e passam a namorar com competências alheias.

Jornal: É pouco tempo ou é tempo razoável alterar a CLT de novo?

Resposta: É pouquíssimo tempo. Não nos dão sequer a oportunidade para avaliar os sérios impactos já produzidos e já surgem novas propostas de mudança. Isso não é apenas um estilo de governança, mas uma óbvia estratégia de inanição de qualquer tentativa de oposição aos desejos dos grupos dominantes.

Jornal: O governo apresentou a Medida Provisória do Emprego Verde e Amarelo, com a justificativa de estimular a geração de empregos para jovens. Há quem a chame de nova reforma trabalhista. A Sra. vê uma reforma trabalhista?

Resposta: Sim. É uma proposta de reforma ainda mais radical do que aquela ocorrida no governo Temer. Além de provocar maior desarticulação no mercado de trabalho, há um claro interesse estratégico na fragilização de instituições que atuam no mundo do trabalho, como o Ministério Público do Trabalho e a Auditoria Fiscal do Trabalho. Neste ritmo, só falta que se proponha o fim da Justiça do Trabalho e, quem sabe, a revogação da Lei Áurea, com a desfaçatez de atender ao mercado.

Jornal: Mas nessa MP tem o trabalho aos domingos. Qual sua avaliação?

Resposta: o atual governo já tentou aprovar esta inumana e antissocial medida e o Congresso Nacional a rejeitou. Esta propositura bem demonstra o sentido de total desrespeito à dignidade dos trabalhadores e aos seus direitos fundamentais. Vê os trabalhadores como robôs, como pessoas que não têm filhos, não têm famílias, que não frequentam igrejas ou jogam futebol. Esquecem-se de que nem todo trabalho é justificável e que é obrigação de toda a sociedade a luta pelo labor decente.”

Enquanto pudermos sonhar e partilhar justiça, seremos definitivamente mais humanos.”

Fonte: Instituto de Trabalho Digno
Data original de publicação: 17/12/2019

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