Uberização: Colapso ou atualidade do empreendimento colonial?

Imagem: Reprodução

Por Ludmila Costhek Abílio Le Monde Diplomatique

Ludmila Costhek Abílio é pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp) e integrante do grupo de estudos “Impactos das novas morfologias do trabalho sobre a vida dos trabalhadores”, coordenado pelo Prof. Dr. Rene Mendes, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

“A uberização do trabalho consolida a transformação do trabalhador em um autogerente subordinado. Nada está garantido, nem mesmo a remuneração por dia de trabalho. Um trabalhador que se encontra disponível ao trabalho, mas só é utilizado e remunerado na exata medida do que produz, e nem mesmo sua carga de trabalho está garantida

Berenice é motogirl, compondo a minoria de mulheres em uma ocupação tipicamente masculina. Já foi copeira e trabalhou em uma clínica de tratamento para viciados em drogas. Tem 47 anos e há vinte trabalha no ramo de entregas. Para ela, a primeira década de 2000 foi de extensão do tempo de trabalho, intensificação do trabalho e aumento de rendimentos. Em 2015, reformou sua casa e a de sua mãe, quitou as prestações da moto e adquiriu outra, que utilizava apenas para passear aos fins de semana. Naquele ano, ela evidenciava a realidade do mundo do trabalho brasileiro que os dados não dão conta de mostrar. Durante o dia trabalhava para uma terceirizada de entregas de motofrete, com carteira assinada. À noite era empregada informal de uma pizzaria de seu bairro. Sua jornada começava às 7 horas da manhã e terminava após a meia-noite.

Maurício hoje não consegue pagar suas contas ou a pensão alimentícia da filha. Com 46 anos, já foi metalúrgico, repositor de mercado, atendente da Claro, eletricista, além de várias outras ocupações; é motoboy há dezoito anos. Há dez anos estabeleceu-se como motoboy autônomo, ou seja, conseguiu eliminar a mediação das empresas terceirizadas, tendo sua própria cartela de clientes. Estes vêm falindo nos últimos anos e a alternativa possível é tornar-se o que cinco anos atrás os motoboys consideravam um bico em sua profissão de entregadores: o delivery de comida, agora por aplicativo. Além de motoboy, Maurício também é sacoleiro; durante vários anos combinou as entregas com a compra e venda de mercadorias – tênis, bolsas, relógios de marcas falsificadas. Atualmente, a retroalimentação que estabelecia entre uma atividade e outra já não se sustenta; a clientela de ambas as atividades está se esvaindo, seja pela concorrência estabelecida pelas empresas-aplicativo,1 seja pela falência das empresas clientes ou pela queda no poder aquisitivo dos que consomem os relógios chineses, entre outros.

‘O mesmo cara que me xinga no trânsito é aquele que reclama quando a pizza chega fria’, resume a ópera do proprietário de uma microempresa de entregas motorizadas, que faliu. Arlindo, com 55 anos, é motoboy há 35. O trabalho de entregas se materializa no caos organizado do espaço urbano; o motoboy torna-se o veículo da circulação de informação, de documentos e da economia de tempo de outros trabalhadores. A batalha tempo-espaço reificada nas buzinas, chutes do retrovisor, 500 cavalos contra 125 cilindradas e xingamentos recupera sua banal forma humana às vezes em uma fratura exposta ou na morte cotidiana que atrapalha o trânsito.”

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Fonte: Le Monde Diplomatique
Data original de publicação: 08/01/2020

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