NOTA DE PESAR – LUCIE TANGUY

Por Associação Brasileira de Estudos do Trabalho

A Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) manifesta profundo pesar pela perda de uma das sociólogas mais brilhantes da França. Lucie Tanguy faleceu em Paris, no dia 22 de fevereiro de 2024, deixando um grande legado para a sociologia do trabalho e da educação. A obra da pesquisadora, na melhor tradição científica, construiu uma sociologia que se recusa às clivagens analíticas entre os campos do trabalho e da educação, submetendo a própria sociologia à análise sociológica, por isso, foi uma das “sociólogas incomuns” do seu tempo.

Lucie Tanguy, nascida na Bretanha, França, pertencente à classe trabalhadora, formada em Sociologia, na Sorbonne, na década de 1960, construiu uma trajetória acadêmica bastante imprevisível e corajosa. Realizou pesquisas com Pierre Bourdieu na Argélia, na condição de assistente e, retornando à Paris, desenvolveu estudos sob a condução de Raymond Aron, Jean-Claude Passeron, Alain Touraine, dentre outros sociólogos. Foi sob a orientação de Viviane Isambert-Jamati que passou a trabalhar em pesquisas sociológicas sobre as intersecções entre trabalho e educação na sociedade francesa, tendo contribuído de modo significativo com ambas as áreas. Em 1967, tornou-se pesquisadora do prestigiado Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Estabeleceu diálogos teóricos consistentes com as obras de Pierre Naville, oferecendo à sociologia da educação estudos importantes sobre a qualificação para o trabalho.

A socióloga contribuiu para a construção do laboratório de pesquisas Travail et Mobilités, na Université Paris 10, em Nanterre, que nos anos 2000 ampliou seus estudos, recebendo pesquisadoras e pesquisadores do Groupe d´Études sur la Division Sociale et Sexuelle du Travail (GEDISST). Mais tarde, o laboratório passou a se chamar Genre, Travail et Mobilités (GTM) e atualmente integra o Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (CRESPPA). Foi a equipe de pesquisadoras desses grupos, sob a liderança de Lucie Tanguy, que estabeleceu relações científicas e acadêmicas com o Brasil, por meio de acordos com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com isso, deu-se início a uma longa e afetiva parceria de pesquisa com Liliana R. P. Segnini. Foram 23 anos de trabalhos conjuntos, dentre eles estão os acordos de cooperação científica entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES) e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB) e entre Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) e o CNRS.

No quadro dos acordos de cooperação foram formados mais de duas dezenas de doutores(as) e pós-doutores(as). O interesse de Lucie pelo conhecimento oriundo do pensamento social brasileiro era genuíno, tinha uma escuta atenta aos problemas e aos objetos de pesquisa, sempre cultivando uma postura descolonizadora. O rigor científico, a criatividade sociológica e a solidariedade eram características evidentes da socióloga, que inspiravam seus interlocutores e produziam verdadeiros artesanatos intelectuais

Lucie Tanguy se considerava uma “passeur”. Para a socióloga, o trabalho de pesquisa só se faz no coletivo, tal como em jogos esportivos, nos quais o(a) passador(a) se mantém atento e passa a bola para aquele(a) mais bem colocado de modo que ele(a) possa continuar a jogada e faça o ponto. A partir da segunda década dos anos 2000, as coordenações das pesquisas e acordos de Lucie Tanguy e Liliana R. P. Segnini foram transferidas para outras sociólogas, dando continuidade aos trabalhos até o presente momento. Ao final de sua carreira, após a aposentadoria, Lucie se tornou pesquisadora emérita do CNRS.

Além de uma brilhante pesquisadora, Lucie era militante política. Participou ativamente da luta pela libertação da Argélia; do movimento estudantil de maio de 1968; de diferentes greves de professores e estudantes; e, mais recentemente, aderiu aos movimentos sociais franceses antifascistas e aos “coletes amarelos”. Manifestava-se procurando colocar a pesquisa a serviço dos trabalhadores e trabalhadoras, sem se desobrigar do rigor científico.

Lucie Tanguy deixou uma vasta obra, bastante diversificada. Dentre seus livros dois foram traduzidos para o português: Saberes e Competências (1998), escrito em parceria com Françoise Ropé e Sociologia do trabalho na França (2017). A produção intelectual desta incansável pesquisadora – a ser traduzida para o português – deve ser compreendida em articulação com as transformações na realidade social francesa e sem perder de vista seu forte compromisso com a luta pela transformação radical da sociedade. Lucie deixa um legado aos pesquisadores(as) franceses(as) e brasileiros(as) que, por meio de sua obra, permanecerá presente a estimular novas parcerias e pesquisas.

Publicações recomendadas de Lucie Tanguy:

ROPÉ, Françoise; TANGUY, Lucie. Saberes e competências. O uso de tais noções na escola e na empresa. Trabalho & Educação, v. 4, p. 207-208, 1998.

TANGUY, Lucie. A sociologia do trabalho na França: pesquisa sobre o trabalho dos sociólogos (1950-1990). Tradução de Estela dos S. Abreu. São Paulo: Editora da USP, 2017.

TANGUY, Lucie. De la evaluación de los puestos de trabajo a la de las cualidades de los trabajadores. El futuro del trabajo-el trabajo del futuro, p. 111, 2001.

TANGUY, Lucie. De l’éducation à la formation: quelles réformes? Education et sociétés, n.2, p. 99-122, 2005.

TANGUY, Lucie. Do sistema educativo ao emprego: formação um bem universal? Revista Educação e Sociedade, ano XX, nº 67, agosto, 1999.

TANGUY, Lucie. Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. Le tournant politique des années 1980-2000 en France. Paris: La Dispute, 2016.

TANGUY, Lucie. La construction de la catégorie de “formation” en France (1945-1970). In MOREAU, G. (coord.). Les patrons, l’État et la formation des jeunes. Paris: La Dispute, p. 81-93, 2002.

TANGUY, Lucie. La formation permanente entre travail et citoyenneté. Education permanente, n°149, 2001.

TANGUY, Lucie. La formation, une activité sociale en voie de définition? In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre. Traité de sociologie du travail. Paris: De Boeck Supérieur, p. 185-212, 1998.

TANGUY, Lucie. La mise en équivalence de la formation avec l’emploi dans les IVe et Ve Plans (1962-1970). Revue française de sociologie, p. 685-709, 2002.

TANGUY, Lucie. La sociologie du travail en France: enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990. Paris: La Découverte, 2014.

TANGUY, Lucie. L’enseignement professionnel en France: des ouvriers aux techniciens. Paris: Presses universitaires de France, 1991.

TANGUY, Lucie. Les promoteurs de la formation en entreprise (1945- 1971). Travail et emploi, n° 86, p. 27- 48, 2001.

TANGUY, Lucie. Les savoirs enseignés aux futurs ouvriers. Sociologie du travail, p. 336-354, 1983.

TANGUY, Lucie. Note de synthèse [Histoire et sociologie de l’enseignement technique et professionnel en France: un siècle en perspective]. Revue française de pédagogie, v. 131, n. 1, p. 97-127, 2000.

TANGUY, Lucie. Savoirs et rapports sociaux dans l’enseignement secondaire en France. Revue française de sociologie, p. 227-254, 1983.

TANGUY, Lucie. Um movimento social para a formação permanente na França, 1945-1970. Pro-posições, vol.13, nº. 1, p.18-33, jan. abr., 2002.

TANGUY, Lucie; BRUCY, Guy; CAILLAUD, Pascal; QUENSON, Emmanuel. Former pour réformer. Retour sur la formation permanente en France (1945-2004), Paris, La Découverte, 2007.

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