A LIBERAÇÃO DA PEJOTIZAÇÃO NO STF (RCL 47843)

Foto: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil

Por Renata Dutra | Observatório da Reforma Trabalhista no STF

No último dia 8 de fevereiro de 2022, a primeira turma do STF, julgando o agravo na Reclamação nº 47843, por maioria, deu-lhe provimento “para julgar procedente a reclamação e determinar que o Tribunal de origem observe o que decidido no Tema 725 da Repercussão Geral e na ADPF 324, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidas as Ministras Cármen Lúcia, Relatora, e Rosa Weber”.

Embora com manifestação contrária da Ministra Carmén Lúcia, relatora, que havia negado monocraticamente a Reclamação, e da Ministra Rosa Weber, que acompanhou a relatora, a maioria se formou em torno do voto do Ministro Alexandre de Morais.

Morais entendeu que a situação da contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas, especificamente constituídas para tanto, e ainda que com a presença de subordinação na relação laboral, estaria acobertada pela decisão do STF que autorizou a terceirização irrestrita (Tema de repercussão geral nº 725 e ADPF 324), notadamente quando se tratasse de “escolha ​realizada por pessoas com alto nível de formação”. Para o Ministro, “esse modelo de contratação é utilizado ​legalmente, também, por professores, artistas, locutores e outros profissionais que não se enquadram na situação de hipossuficiência” (notícia do STF).

Ainda não foi publicado o acórdão e a decisão pode ser acompanhada por meio do registro audiovisual do julgamento.

O caso em análise referia-se à Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT contra uma organização social que contratara médicos sob a condição de pessoas jurídicas. A ação civil fora julgada procedente em parte e a decisão de primeiro grau foi confirmada pelo TRT da Bahia. O 5º TRT assertivamente consignou que, a despeito da decisão proferida pelo STF na ADPF 324 e do advento da Lei nº 13.429/2017, “permanecem vigentes os arts. 2º e 3º da CLT, que definem o empregador como aquele que dirige a prestação pessoal de serviço e o empregado como a pessoa física que presta serviços sob a dependência do empregador”.

E, no caso, o TRT da Bahia entendeu que ficou “comprovada a subordinação jurídica e a pessoalidade em face da tomadora, ônus que pertence ao demandante, permanece sendo possível o reconhecimento do vínculo empregatício, com espeque no art. 9º consolidado. Feitos os registros, constato que o conjunto probatório evidencia a fraude à legislação trabalhista, em razão da subordinação jurídica e da pessoalidade na prestação de serviços à acionada”.

Curiosamente, o Ministro Alexandre de Morais e os demais que o acompanharam nesse voto entenderam por relativizar os requisitos da relação de emprego, tão assertivamente reputados preenchidos, com base no quadro fático, pela Corte regional, com o argumento de que o nível de formação dos trabalhadores envolvidos – com curso superior em medicina – afastaria, não apenas a hipossuficiência, mas a própria configuração do vínculo, que, segundo a Corte regional, fora fraudulentamente disfarçado.

O precedente, que se expande para além do caso dos médicos, nas palavras do próprio Ministro, legitima a pejotização como face aceitável da terceirização e crava a recusa da hipossuficiência dos trabalhadores como cláusula de exceção de múltiplas e essenciais dimensões da regulação protetiva do trabalho, inclusive a configuração do empregado. Como de costume nos votos que tem se encaminhado para a desconstrução da regulação protetiva do trabalho, situações excepcionais de trabalhadores de alto grau de reconhecimento, ascensão e remuneração, são tomadas como referência para generalizar práticas que recusam a proteção social e constitucional para todo o mercado de trabalho.

Chama atenção, ademais, que, embora tenha havido julgamento meritório no âmbito do TRT da 5ª Região, o recurso interposto para o TST não foi admitido, por ausência de requisitos processuais (TST-AIRR-267-20.2016.5.05.0010). O recurso de revista fora denegado monocraticamente pela Desembargadora Convocada Tereza Aparecida Asta Gemignani e, diante da interposição de agravo pela parte, a 8ª Turma do TST, em acórdão relatado pela Ministra Delaíde Arantes, igualmente reputou inadmissível o recurso de revista, por descumprimento dos requisitos processuais. Assim, a Reclamação proposta se voltara contra os argumentos do TRT da Bahia, que sequer foram enfrentados pelo Tribunal Superior do Trabalho, o que tampouco inibiu a atuação do STF no caso.

Fica aberto, portanto, preocupante precedente para banalização de uma das mais preocupantes e difundidas práticas de dissimulação da relação de emprego no nosso mercado de trabalho.

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Fonte: Observatório da Reforma Trabalhista

Data original de publicação: 11/02/2022

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