Trabalho infantil, jornada exaustiva e covid-19: o drama dos enroladores de cigarros de palha em MG

Imagem: Unsplash

Por Daniel Camargos | Repórter Brasil

Aos 13 anos, Cecília Lima* aumentou sua carga de trabalho enrolando cigarros de palha durante a pandemia, já que fica mais tempo em casa com as aulas presenciais suspensas. “Sinto muita dor nas costas”, reclama, enquanto trabalha sentada na calçada de sua casa, em Pitangui, a 130 quilômetros de Belo Horizonte. Sem máscara e usando uma faca para ajudá-la a enrolar, ela conta que sua família ganha R$ 100 por semana por dois mil cigarros enrolados. O valor é pago por um intermediário, que faz a ponte com as fabricantes.

Trabalho infantil, jornada exaustiva, pagamento reduzido, quarteirização da produção e não fornecimento de máscaras, como ocorre na casa de Cecília, são alguns dos abusos trabalhistas que atingem o setor — no qual trabalham milhares de famílias da região centro-oeste de Minas Gerais. Sem nenhum controle, essa cadeia de produção envolve também denúncias de enroladores com coronavírus obrigados a queimar os produtos, sem receberem nada pelo trabalho realizado. São tantas as violações, agravadas pela crise de covid-19, que o setor está na mira do Ministério Público do Trabalho, após ser informado dos problemas pela Repórter Brasil.

No Brasil, o trabalho de crianças e adolescentes com menos de 16 anos é proibido pela Constituição e pela legislação trabalhista. Apesar de não ser considerado crime, é uma das piores violações trabalhistas, atrás apenas do trabalho escravo, segundo auditores-fiscais do Trabalho, e prática comum na produção do cigarro de palha.

Nas margens da rodovia entre Papagaios e Pitangui, no distrito de Vargem Grande, quatro irmãs estão sentadas na calçada enrolando cigarros. Uma delas começou na atividade aos 12 anos. Após cinco anos, aos 17, ela vê o trabalho com desalento. Todas reclamam de dores nas costas, no pescoço e de alergias provocadas pelo contato constante com o fumo. “Quem ganha dinheiro com cigarro de palha é só o dono da fábrica. A gente apenas sobrevive”, afirma uma delas.   

A informalidade é total e os enroladores de cigarro de palha não têm garantido nenhum direito trabalhista. Os intermediários que contratam os serviços das famílias não fornecem equipamentos de segurança, como máscaras, e nem itens básicos, como cadeiras adequadas para atividade. Os trabalhadores sentam em bancos sem encosto e até no chão ou nas calçadas.

A pandemia vem deixando ainda mais expostas essas famílias que já vivem em condições precárias, além de provocar prejuízo financeiro. “Avisei que tinha pegado coronavírus e eles mandaram queimar a produção. Fiz isso, mas eles não pagaram nenhum centavo”, relata Joana Silva de 22 anos, moradora de Papagaios, referindo-se à ordem que partiu do intermediário.

Joana começou neste trabalho aos 16 anos, enquanto estudava. Após se formar no ensino médio, procurou emprego, mas não conseguiu. Desde então se dedica à atividade informal. “Aqui tem pouca opção de trabalho”, lamenta. Já recuperada da covid-19, ela segue enrolando cigarros de palha. Tenta produzir cerca de mil por dia, o que gera uma renda R$ 1 mil por mês trabalhando de segunda a sexta-feira por mais de 12h diárias. Além do dor nas costas e no pescoço, ela também se queixa de sinusite e dores de cabeça constantes, provocadas pelo cheiro do fumo. 

As queixas são as mesmas de Carla Ribeiro, de 37 anos, que enrola os cigarros sentada na calçada a poucos metros da fábrica da Souza Paiol — maior fabricante do país –, em Pitangui. Ela perdeu o emprego de doméstica há dois meses, por causa da pandemia e, sem conseguir outro trabalho, enrola cerca de 700 cigarros por dia. “Não acho bom, mas é o que tem para fazer.”  

O risco de contaminar os cigarros com covid-19 é pequeno, segundo o médico infectologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Unai Tupinambás. “Há um intervalo de tempo entre a produção e o consumo do cigarro que reduz o risco”, afirma Tupinambás, que é também membro do comitê de enfrentamento à pandemia da prefeitura de Belo Horizonte. “Mas os trabalhadores devem receber pela produção, pois se isso não acontecer eles podem esconder dos contratantes que estão contaminados, além de ser uma falta de respeito”, afirma o infectologista. Para ele, empresa deve fornecer máscara para todos que trabalham na produção. 

MPT planeja investigar o setor:

O Ministério Público do Trabalho afirmou que vai agir em três frentes contra os abusos trabalhistas no setor, após ser informado das denúncias pela Repórter Brasil. “Contra o trabalho infantil, as condições precárias de trabalho e em possíveis fraudes nas relações de emprego”, afirma a coordenadora de defesa do Meio Ambiente do MPT, Adriana Moura. Segundo Moura, o objetivo é não fechar os postos de trabalho e deixar as pessoas desempregadas em plena pandemia, mas cobrar pela regularização dos trabalhadores. 

Clique aqui e leia a reportagem completa

Fonte: Repórter Brasil

Data original da publicação: 25/08/2020

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »